O governo de coalizão da Nova Zelândia planeja anunciar mudanças na lei de armas na próxima semana, em resposta ao massacre de sexta-feira (15) em duas mesquitas em Christchurch, disse a primeira-ministra Jacinda Ardern, nesta segunda-feira (18).
As medidas podem incluir restrições às armas semiautomáticas de estilo militar que foram usadas nos ataques, que mataram 50 fiéis muçulmanos e feriram mais de 40. Armas semelhantes foram usadas em recentes tiroteios em massa nos Estados Unidos.
O número de mortos excede a taxa anual de homicídios da Nova Zelândia; 35 pessoas foram mortas em 2017, o último ano para o qual os números estão disponíveis.
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“Como gabinete, estamos absolutamente unidos e com muita clareza. O ataque terrorista em Christchurch na sexta-feira foi o pior ato de terrorismo em nossas terras”, disse Ardern. “Ele expôs uma série de fraquezas nas leis de armas da Nova Zelândia. A lição clara da história ao redor do mundo é que, para tornar nossa comunidade segura, a hora de agir é agora”.
O gabinete é dominado pelo Partido Trabalhista de centro-esquerda, mas inclui quatro membros do partido de direita New Zeland First. Também é apoiado pelo progressista Partido Verde, que participou da reunião de segunda-feira.
O governo decidiu “em princípio” mudar as leis de armas, disse Ardern, acrescentando que ela fornecerá mais detalhes antes da próxima reunião do gabinete na próxima segunda-feira (25).
“Dentro de 10 dias após esse terrível ato de terrorismo, nós teremos anunciado reformas que, acredito, tornarão nossa comunidade mais segura”, disse ela.
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O amplo acordo dos políticos destaca o consenso na Nova Zelândia de que tornar certos tipos de armas menos acessíveis poderia ter impedido ou limitado o massacre de sexta-feira.
Os ataques provocaram ondas de choque pelo país, que tem 4,5 milhões de habitantes.
A Nova Zelândia tem sido considerada segura em relação a terrorismo e isolada do mundo exterior em geral. Magnatas americanos foram em bando comprar propriedades no país depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 e de outros ataques terroristas nos Estados Unidos.
Vigílias e alertas
Vigílias em homenagem às vítimas continuaram em todo o país na segunda-feira, de Auckland, no norte, a Queenstown, no sul.
Centenas de estudantes do ensino médio se reuniram para uma vigília à luz de velas no Parque Hagley, em frente à mesquita Al Noor, onde ocorreu o primeiro e mais letal ataque. Estudantes de uma grande variedade de origens étnicas cantaram canções e realizaram uma dança haka cerimonial da cultura nativa Maori, acompanhados por uma multidão que veio ao parque para prestar suas homenagens às vítimas.
Os temores permanecem altos. Uma estudante disse a suas amigas que achou que a câmera de um jornalista era uma arma à primeira vista. Houve alertas de bombas em Auckland, Christchurch e Dunedin, que se revelaram falsos após verificação.
Sem arrependimento
O australiano Brenton Tarrant, 28 anos, foi preso depois dos ataques com uma acusação de homicídio. Espera-se que ele enfrente mais acusações quando ele aparecer no tribunal em 5 de abril. Ele não fez uma declaração durante sua audiência inicial no sábado e teve prisão preventiva.
Seu advogado nomeado pelo tribunal, Richard Peters, disse que Tarrant o demitiu. Ele disse que Tarrant planeja representar a si mesmo no tribunal.
Tarrant parecia estar “bastante lúcido” no sábado e não demonstrou nenhum arrependimento, disse Peters.
“Ele não me pareceu estar enfrentando nenhum problema ou deficiência mental, além de ter opiniões bastante extremas”, disse Peters ao New Zealand Herald.
O advogado sugeriu que Tarrant poderia querer usar seu julgamento para defender suas crenças nacionalistas extremistas. O suspeito divulgou um manifesto de 74 páginas cheio de ódio, no qual ele disse que queria “reduzir diretamente as taxas de imigração para as terras europeias”. Ele também elogiou o presidente Donald Trump como “um símbolo de identidade branca renovada e de propósito comum”.
Em resposta às críticas de que ele havia encorajado implicitamente o nacionalismo branco, Trump disse na segunda-feira pelo Twitter: “A mídia Fake News está trabalhando duro para me culpar pelo horrível ataque na Nova Zelândia. Eles terão que se esforçar muito para provar isso. Tão ridículo!”
Tarrant enviou uma cópia do manifesto a departamentos do governo, incluindo o gabinete da primeira-ministra, que o recebeu nove minutos antes do ataque. Ardern disse que não havia detalhes sobre o momento ou a localização do ataque iminente.
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Ardern anunciou que um inquérito foi aberto para levantar o que as agências de imigração e de inteligência sabiam sobre o atirador.
Combate ao discurso de ódio
Investigadores também examinarão as publicações de Tarrant em mídias sociais. O atirador transmitiu ao vivo pelo Facebook o ataque à Mesquita Al Noor, onde 42 pessoas foram mortas. O vídeo foi excluído, depois de ter sido amplamente compartilhado.
O Facebook e outras empresas de mídia social “precisam intensificar” e fazer mais para combater o discurso de ódio, disse a primeira-ministra.
Na capital Wellington, Ardern foi a primeira pessoa a assinar um livro nacional de condolências segunda-feira. “Em nome de todos os neozelandeses, nós sofremos juntos”, escreveu ela. “Somos um. Eles são nós”.
A maioria das vítimas dos ataques eram imigrantes ou visitantes de países de maioria muçulmana ou com grandes populações de muçulmanos. Entre os mortos estavam fiéis do Paquistão, Índia, Bangladesh, Turquia, Malásia, Indonésia, Somália e Afeganistão, disseram autoridades. O mais novo era um menino de 3 anos nascido na Nova Zelândia de pais refugiados da Somália.
Na Turquia, o presidente Recep Tayyip Erdogan passou trechos do vídeo dos ataques nas mesquitas e destacou trechos do manifesto em uma tentativa de reunir partidários islâmicos antes das eleições locais. Referindo-se a ameaças do manifesto contra os muçulmanos em Istambul, Erdogan também advertiu que qualquer um que tentasse recuperar a cidade para o cristianismo seria mandado para casa “em caixões”. O uso de Erdogan do massacre de Christchurch para fins políticos domésticos atraiu uma forte repreensão da Nova Zelândia.
Investigações
Tarrant vivia esporadicamente em Dunedin, na Ilha Sul da Nova Zelândia, desde o final de 2017 e praticava em um clube de tiro. O clube fechou nesta segunda-feira e o vice-presidente do local disse que ele pode nunca mais ser aberto novamente.
Atualmente, as pessoas na Nova Zelândia precisam obter licenças para possuir armas. Mas elas quase sempre são aprovadas: 99,6% dos 43.509 pedidos de licença feitos em 2017 foram bem-sucedidos.
Tarrant tinha uma licença de arma e supostamente usou uma variante da AR-15, uma arma semi-automática que tem sido usada em muitos tiroteios em massa nos Estados Unidos, incluindo na escola de ensino médio em Parkland, Flórida, em 2018; e em Las Vegas, em 2017. Uma arma similar foi usada na Escola Elementar Sandy Hook em Newtown, Connecticut, em 2012.
Desde o tiroteio, Ardern tem falado em exigir licenças para armas individualmente, e não para usuários, e proibir armas semi-automáticas.
Uma investigação policial está em andamento.
A polícia australiana de contraterrorismo invadiu duas casas em Nova Gales do Sul na segunda-feira. Uma era da irmã de Tarrant em Sandy Beach, situada entre Sydney e Brisbane.
Os oficiais de contraterrorismo invadiram então uma segunda casa em Lawrence, um pouco mais ao norte e perto de Grafton, onde Tarrant cresceu. Esta casa supostamente pertence ao namorado de sua mãe, que é professora de escola. O pai de Tarrant, um coletor de lixo, morreu em 2010.
“O principal objetivo da ação é obter formalmente materiais que possam ajudar a Polícia da Nova Zelândia em sua investigação", afirmou a polícia australiana em um comunicado. A família de Tarrant estava ajudando a polícia em suas investigações, disseram eles.
Mais de 250 policiais já estão trabalhando na investigação dos ataques, o maior número já mobilizado em um caso na Nova Zelândia. Oficiais do FBI também estão ajudando a polícia com “várias áreas especializadas”, disse o comissário de polícia Mike Bush na segunda-feira.
Essa investigação levou a atrasos no retorno dos corpos das vítimas às suas famílias. A polícia disse que, apesar de estar reunindo evidências, eles estão conscientes da necessidade de devolver os corpos das vítimas para suas famílias, para que possam ser enterrados de acordo com os costumes muçulmanos.
Vários túmulos foram cavados em um cemitério em Christchurch, e as mesquitas devem reabrir para as orações de sexta-feira.
Com muitas mesquitas em todo o país fechadas desde os ataques, algumas igrejas receberam muçulmanos durante o final de semana para permitir que eles orassem em espaços sagrados.
Trinta e quatro pessoas feridas nos ataques permanecem hospitalizadas, 12 delas em estado crítico.