Pessoas cruzam a ponte que liga Brownsville, nos Estados Unidos, a Reynosa, no México| Foto: SPENCER PLATT/ AFP

Muita coisa aconteceu rapidamente, diz Joyce Hamilton, o que faz com que ela tenha que verificar duas vezes quando exatamente começou a desempenhar um pequeno papel na crise imigratória na fronteira entre os Estados Unidos e México. No início da semana passada, em um parque próximo à Gateway International Bridge - ponte que liga Brownsville, nos EUA, a Matamoros, no México -, ela conferiu seu calendário e deu um palpite aproximado: 15 dias atrás. 

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Na época, não havia nada nos noticiários e ninguém conversava sobre o assunto. Até que Joyce ouviu de um conhecido que pessoas em busca de asilo estavam fazendo uma fila na ponte que liga Reynosa, no México, a Hidalgo, no Texas, a 90 quilômetros da Gateway International Bridge. 

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Foi então que ela e um grupo de amigos carregaram seus carros com água, comida, roupa, sombrinhas e ventiladores para combater o calor da tarde - que pode chegar a 38 graus - e levaram os suprimentos para o lado mexicano. Lá, 40 pessoas à procura de asilo lhes disseram que estavam esperando na fila há mais de cinco dias. 

Quando ela retornou ao local com seus amigos, quatro dias depois, a fila tinha dobrado de tamanho. “Eles estavam implorando por itens como roupas e comida para as crianças”, afirmou Joyce. “Não são do MS-13 – uma das gangues mais violentas da América Central e dos Estados Unidos. Não são integrantes”. Segundo ela, são pessoas de pequenos vilarejos da América Central tentando fugir da violência. 

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Desde que o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, implementou a política migratória de tolerância zero, no mês passado - processando qualquer um que fosse pego cruzando a fronteira sem os documentos adequados -, a situação na fronteira entre México e os Estados Unidos mudou rapidamente. Joyce resolveu levar mais suprimentos dias após a sua segunda viagem até a ponte, mas comentou que é difícil acompanhar a evolução dos acontecimentos por lá.

De volta à Gateway International Bridge, entre Matamoros e Brownsville, no lado mexicano uma dezena de requerentes de asilo estava esperando na fila para ser atendida pelo serviço de Alfândega e Proteção de Fronteira (CBP na sigla em inglês), que havia improvisado um pequeno escritório sobre a ponte. Um dos imigrantes que ali estava se chamava Marcos e disse ter viajado por 20 dias para escapar da violência na Guatemala. Perto dele estava uma família guatemalteca de quatro pessoas, que afirmou ter saído de lá por causa das erupções vulcânicas que aconteceram no início deste mês. 

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“Acredito que a situação é muito ruim para as crianças”, diz Ernie Mascorro, uma moradora de Brownsville que estava esperando entrar nos Estados Unidos após visitar sua família no México. “De onde eles vêm, são pobres e têm medo. E isto não vai parar”. 

Após fugirem para o México, muitos imigrantes ainda não se sentem seguros, o que impulsiona a sua jornada em direção ao Norte. No ano passado, um abrigo em Tapachula, na fronteira entre o México e a Guatemala, relatou que membros de gangues estavam perseguindo refugiados.  

Sem esperança de alívio

Na quarta-feira da semana passada, Trump determinou o fim de um dos aspectos mais controversos da política de tolerância zero: a separação das famílias que foram pegas cruzando a fronteira. 

Apesar das mudanças, os imigrantes não veem nenhum alívio nas exigências para entrar nos Estados Unidos. A maioria está vindo de Honduras, El Salvador e Guatemala - onde as taxas de homicídios são superiores às de áreas em guerra -  e provavelmente vai se deparar com meses de detenção ou com uma longa espera sobre o rio Grande, que marca a fronteira entre o México e os Estados Unidos, segundo afirmam os defensores dos imigrantes. 

“É uma questão de vida e morte para eles”, diz Efrén Olivares, diretor do programa de justiça econômica e racial do Civil Rights Project (Projeto Direitos Civis) no Texas. “É o retorno àquela ameaça: ‘se eu vir você novamente, vou lhe dar um tiro na cabeça’ - isso depois de fazer o mesmo com o seu irmão”. 

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Além disso, é improvável que a reversão da separação das famílias mitigue outras consequências da política de tolerância zero, dizem especialistas e defensores. 

“Estamos satisfeitos que crianças não estão sendo separadas de seus pais, mas o que parece é que a ordem executiva de Trump faz com que saiamos de uma crise humanitária para entrar em outra”, diz Jennifer Nagda, diretora do Young Center for Immigrant Children’s Rights (Centro Jovem para os Direitos das Crianças Imigrantes). “As crianças não precisarão enfrentar a separação imediata ou de longo prazo de seus pais. Mas o que parece é que elas poderão ser trancadas em centros de detenção, enquanto seus casos são analisados”. 

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Apoio à imigração

Recentes pesquisas apontaram forte apoio público à imigração e grande oposição à separação das famílias. 75% dos americanos acreditam que a imigração é algo positivo para os Estados Unidos, de acordo com uma pesquisa realizada pela Gallup nas duas primeiras semanas deste mês e divulgada na quinta-feira. Na semana passada, um levantamento da Universidade Quinnipiac apontou que 66% dos pesquisados se opuseram à política de separação das famílias. Entre os democratas, esse percentual é de 91%. Entre os republicanos – partido de Trump -, 55%. 

A pressão pública e política do Partido Republicano e de líderes religiosos aparentam ter contribuído para Trump reverter a política de separação das famílias. Mas ainda persiste uma confusão sobre o que a ordem executiva significa para a situação das pessoas que estão na fronteira esperando para entrar nos EUA.

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O governo enfrenta exigências rigorosas quando se trata de deter crianças, incluindo mantê-las nas “condições menos restritivas possíveis” e enviá-las para os pais ou parentes o mais rápido possível. A ordem assinada por Trump manda o procurador-geral (cargo equivalente ao ministro da Justiça, no Brasil), Jeff Sessions, tentar e modificar esses requisitos junto à corte federal norte-americana.

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Os defensores dos refugiados estão preocupados com um regulamento que diz que o Departamento de Defesa pode disponibilizar instalações para abrigar famílias detidas. “Eles vão deter as famílias durante os procedimentos de imigração, deixando-as encarceradas por mais de um ano”, diz Olivares. “Sob alguns aspectos, a ordem executiva tornou as coisas piores”. 

De volta à Gateway International Bridge, as duas sacolas de suprimentos que Joyce Hamilton levou estão vazias. Na fila para entrar nos Estados Unidos, ela se inclina, exausta, em um corrimão. “Sinto que eles estão em uma situação difícil e que nós somos parte disso”, disse ela. “São pessoas que estão tentando fugir do perigo e não o estão trazendo. Realmente, desejo que as pessoas vejam isto”.