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União de adversários

Novo governo toma forma na Itália, sem Matteo Salvini

Na nova coalizão, Giuseppe Conte atuará como primeiro-ministro da Itália, cargo que ocupou durante os 14 meses do governo de Liga e Movimento 5 Estrelas (Foto: Filippo MONTEFORTE / AFP)

Depois de semanas de disputas políticas e mudanças de alianças, a Itália está perto de formar uma nova coalizão de governo: uma união de dois partidos adversários de longa data, alinhados em seu objetivo de impedir a ascensão da direita ao poder.

Os líderes do Movimento 5 Estrelas (M5E), antissistema, e do Partido Democrático, de centro-esquerda, disseram nesta quarta-feira (28) que chegaram a um acordo para formar um novo governo. Eles ainda precisam da bênção do presidente Sergio Mattarella, que deve, na manhã de quinta-feira, dar um mandato formal ao primeiro-ministro Giuseppe Conte, para que ele implemente a formação da coalizão.

O acordo ainda enfrenta vários obstáculos, incluindo negociações sobre o gabinete. O M5E, como costuma fazer, abrirá uma votação online sobre o acordo entre os membros do partido.

Mas o acordo que está tomando forma é o resultado improvável de um mês de agitação política em Roma - um período em que o líder do partido nacionalista Liga, Matteo Salvini, suspendeu sua coalizão com o Movimento 5 Estrelas e tentou orquestrar novas eleições em uma tentativa de se tornar primeiro-ministro, mas assistiu a sua jogada falhar espetacularmente enquanto os outros partidos negociavam para formar uma nova maioria e impedir sua ascensão.

Sob a nova coalizão, Conte servirá como primeiro-ministro, como fez durante o conflituoso governo de 14 meses da aliança entre Liga e 5 Estrelas. Mas o governo que ele representa seria significativamente reformulado - provavelmente menos nativista, menos interessado em retórica anti-imigração e mais disposto a cooperar com o establishment europeu. O que resta saber, porém, é se um governo composto por dois partidos enfraquecidos e internamente divididos pode conquistar os italianos e durar o tempo suficiente para enfrentar os problemas econômicos profundamente arraigados do país.

"Esta é uma solução fraca, complicada e frágil - com uma legitimidade democrática muito fraca", disse Giovanni Orsina, professor da Universidade Luiss Guido Carli, em Roma. "Esses partidos há um ano vêm perdendo eleições [regionais e locais]".

Mesmo para os padrões de um país que teve mais de 60 governos desde a Segunda Guerra Mundial, as últimas semanas foram chocantes. No início de agosto, Salvini parecia que estava prestes a se tornar primeiro-ministro e a transformar a Itália no país mais à direita da Europa Ocidental. Em vez disso, a Itália está à beira de um governo muito diferente: um que não inclui o seu partido mais popular.

As maquinações políticas que uniram o 5 Estrelas e o Partido Democrático só foram possíveis porque os dois partidos estavam preocupados com os resultados que teriam em uma nova eleição. O 5 Estrelas, que foi derrotado durante mais de um ano por Salvini em disputas políticas, perdeu grande parte de seu apoio. O Partido Democrático, enquanto isso, lentamente tentou reconstruir sua liderança.

Os partidos estão assumindo riscos consideráveis ​​ao trabalhar juntos. O Movimento 5 Estrelas fez seu nome como um "outsider" rebelde da era da internet, atacando o Partido Democrático como corrupto e desconectado da realidade. O Partido Democrático há muito tempo denuncia os políticos do 5 Estrelas como novatos incompetentes, propensos a teorias da conspiração. Durante semanas, eles debateram sobre a forma de um possível novo governo - com o líder do Partido Democrático, Nicola Zingaretti, recuando em sua oposição a Conte.

"Nós amamos a Itália e achamos que vale tentar essa experiência", disse Zingaretti a repórteres nesta quarta-feira. "Virar as costas para a responsabilidade e a coragem de tentar é a única coisa que não podemos nos permitir. Queremos acabar com a temporada de ódio, rancor e medo."

Se os dois partidos formarem uma coalizão e puderem colocar sua animosidade para trás, eles terão a oportunidade de governar até o fim da legislatura em 2023. Essa perspectiva deixaria Salvini fora do poder por anos, potencialmente diminuindo o entusiasmo dos eleitores por um político que refez a política italiana à sua imagem e tornou-se o rosto da ultradireita na Europa Ocidental.

Foi por causa dessa popularidade que Salvini disse no começo de agosto que já estava cansado da obstrução do 5 Estrelas e pediu um voto de desconfiança contra Conte. "Vamos devolver a escolha aos eleitores o mais rápido possível", disse Salvini naquele momento.

Conte renunciou antes de enfrentar a votação. Mas ao sair, Conte - um advogado retirado da obscuridade no ano passado pelo 5 Estrelas para se tornar o primeiro-ministro da coalizão - deu alguns golpes duros em Salvini. Ele disse que Salvini estava "obcecado" com políticas rígidas anti-imigração e que estava "constantemente" focado em aumentar seu próprio apoio. Nas últimas semanas, o apoio à Liga de Salvini caiu para 34%, em comparação com 39% no final de julho, de acordo com uma pesquisa publicada pelo jornal Sole 24 Ore. As pesquisas mostram que Conte é o político da Itália em quem os cidadãos mais confiam.

Salvini disse nesta quarta-feira que os membros do 5 Estrelas e do Partido Democrático "fariam de tudo para manter os seus cargos" e acusou o 5 Estrelas de se venderem como revolucionários populistas e formar um governo com os "maiores defensores do sistema".

Conte pretende ter mais poder no próximo governo. O Movimento 5 Estrelas fez da seleção de Conte como primeiro-ministro um ponto-chave nas negociações com o Partido Democrático. O co-fundador do partido, o comediante Beppe Grillo, disse que Conte é o primeiro líder em muito tempo que "não pode ser ridicularizado por ninguém".

No ano passado, o presidente americano Donald Trump falou com admiração sobre o governo da Itália - incluindo sobre suas táticas contra os migrantes, de autoria de Salvini. Mas na terça-feira, Trump apoiou Conte, escrevendo no Twitter que Conte "ama muito seu país e trabalha bem com os EUA. Um homem muito talentoso que, esperamos, continuará sendo o primeiro-ministro!"

Até o momento, os mercados financeiros acolheram bem a ideia da nova coalizão - supondo que os líderes em Roma serão mais propensos a seguir as regras financeiras europeias e a ter melhor relacionamento com os legisladores em Bruxelas. Salvini fez questão de rejeitar os editais do bloco e, embora os membros do 5 Estrelas também tendam a ser eurocéticos, essas visões serão amenizadas pelo Partido Democrático.

No início desta semana, Zingaretti havia listado, entre os requisitos para uma aliança, "uma clara escolha europeia não discutível e o compromisso de construir uma Europa profundamente renovada, baseada no desenvolvimento, trabalho e solidariedade".

Com relação à imigração, a Itália poderia suavizar sua posição - mas apenas até certo ponto. Salvini, com alarde nas mídias sociais, fechou os portos italianos para a maioria dos navios de resgate de migrantes - e elaborou novas leis para limitar a capacidade deles de operar no Mediterrâneo. Os políticos da esquerda acusaram Salvini de causar pânico sobre a migração. Mas os líderes que estão além da divisão ideológica compartilham a opinião de Salvini de que a Itália carregou um fardo injusto e não foi ajudada pelo resto da Europa na distribuição de migrantes por todo o continente. Analistas observam que o antecessor de Salvini como ministro do Interior, Marco Minniti, trabalhou com menos alarde para reduzir o número de migrantes vindos da Líbia. Minniti é um membro do Partido Democrático.

"Se você reabrir os portos, as ONGs do Mediterrâneo se multiplicam novamente, os traficantes começam a jogar as pessoas desesperadas em nossas costas e o fluxo recomeça, esse governo está em um impasse, porque isso não é algo que o país vai aceitar", disse Orsina. "Acho que a retórica mudará, mas não a substância."

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