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Novos empreendedores cubanos investem em serviços

Eles são jovens, cubanos e estão loucos para investir. Os trabalhadores por conta própria — conhecidos como cuentapropistas — começaram timidamente, em outubro de 2010, quando o governo de Raúl Castro passou a incentivar os pequenos negócios na ilha. Hoje, são quase 490 mil empreendedores, 29% deles jovens, segundo dados do Ministério de Trabalho e Previdência Social de fevereiro deste ano. As principais atividades, no entanto, ainda são voltadas a serviços: venda de alimentos, transporte de cargas e passageiros, arrendamento de casas (as “casas particulares”, que crescem cada vez mais com o aumento do turismo) e as telecomunicações.

Dentre os novos empreendedores, um espaço antes ocupado pelo governo, começa a crescer: o de bares e restaurantes, que não têm mais a cara dos antigos paladares — restaurantes próprios que explodiram em 1995, inspirados na novela “Vale tudo”, que era então exibida no país. Se os paladares, mesmo nome do negócio da personagem de Regina Duarte na trama, eram voltados para os turistas que começavam a aportar na ilha, os novos negócios estão interessados principalmente em outro público: os cubanos. Ainda há problemas, como os altos impostos e a dificuldade em conseguir matéria-prima. Mesmo assim, os pequenos negócios começaram a aumentar.

“É uma característica muito própria dos cubanos, que estão investindo em atividades onde o Estado não é tão eficiente” explica Jesús Pulido, da Associação Nacional de Economistas e Contadores de Cuba. — Sucessivamente vamos analisando em que atividades esse processo é ou não melhor. O primeiro passo foi liberar a força de trabalho, o que nos levou a quase meio milhão de trabalhadores por conta própria. Agora, precisamos desenvolver ainda mais as cooperativas, para que não sejam apenas agropecuárias.

Negócios familiares

Quem tem dinheiro guardado, seja das remessas de familiares que vivem nos Estados Unidos — que aumentaram nos últimos anos após flexibilização das regras pelo governo Obama —, seja do turismo, já começa a investir. O Nostalgicar, por exemplo, começou como um pequeno negócio familiar e hoje conta com 22 motoristas particulares e quatro funcionários, além do casal que criou a empresa, Nidialys Acosta e Julio Manuel. Engenheiro mecânico, ele trabalhava em uma pequena oficina, até que, em 2012, teve a ideia de reformar um Chevrolet de 1955, do tio. Com o carro restaurado, passou a oferecer passeios turísticos por lugares e cidades históricas. A mulher abandonou o emprego pouco tempo depois para se dedicar ao novo negócio.

“Comecei a divulgar a empresa no boca a boca. Deixava cartões em hotéis e casas particulares. O negócio começou a dar certo e decidimos comprar o segundo carro”, conta Nidialys.

A restauração de um carro antigo, que custa entre 4.500 e 7.000 CUCs (moeda equivalente ao dólar), pode levar um ano. A do Chevrolet rosa demorou 11 meses. Mas o investimento deu certo. “Com as parcerias com agências de turismo, não paramos de crescer. Nossa agenda já está lotada para o próximo mês. Agora temos mais um negócio, de restauração de carros antigos.”

Mas nem só de turistas vivem os novos negócios. Aberto há seis meses, o King Bar é um bar descolado em Vedado, bairro mais residencial e menos turístico que a famosa Habana Vieja. Com página na internet e no Facebook, o lugar tem cardápio local, como a famosa “ropa vieja” — carne assada desfiada —, mas também opções internacionais, como as tapas espanholas. A frente dele está Junior Romero, de 39 anos, produtor cultural que busca incentivar novos cantores, como Alejandro Bouet, atração dos domingos.

“Também alugamos o bar para eventos, mas a ideia é criar um espaço alternativo para grupos musicais menores e novos cantores” afirma Romero, às voltas com o show do dia.

O público é formado por muitos cubanos jovens, que vão assistir aos shows ou comemorar o aniversário no local, e alguns turistas. Os pratos variam entre 2,50 e 8 CUCs — para opções mais requintadas como lagosta e filé mignon. As bebidas, como o mojito, saem por 3 CUCs.

É ali, em Vedado, onde está a maioria dos novos negócios culturais. Outra boa novidade, aberta há menos de um ano, é a Fábrica de Arte Cubano (FAC), um espaço de dois andares focado na cultura local. O embrião do projeto começou há seis anos, explica o cineasta Inti Herrera:

“Começamos como algo itinerante até que, no ano passado, conseguimos alugar esse espaço (uma antiga fábrica desativada)” explica. “Cada zona está pensada para oferecer um tipo de arte e temos uma programação diferente nos quatro dias em que abrimos, de quinta a domingo.”

O público, formado por cubanos, começou a atrair turistas. Mesmo assim, eles ainda são maioria, beneficiados por preços mais baratos, estudantes pagam metade, e pelas atrações musicais. A entrada (2 CUCs) pode ser paga em moeda local.

“É um espaço cultural que poderia estar em qualquer cidade do mundo” conta Luís Barberia, músico que viveu na Europa por 20 anos e voltou ao país no ano passado. “Quando chegarem de vez as mudanças quem não estiver preparado ficará pelo caminho.”

Não muito longe dali, o Topoly é um ponto fora da curva: o restaurante, aberto em agosto do ano passado, é o único típico do Irã na cidade. O dono é Farokh Nourbkht, um produtor cultural que vive na França, mas visita a capital cubana com frequência há mais de dez anos. Embora seja um grande defensor do projeto, ele admite que há obstáculos: apenas 5% dos produtos do cardápio são produzidos no país, onde não existem mercados especializados. Especiarias têm que ser importadas.

“Por causa do preço acabo atraindo mais turistas, o que não é meu objetivo principal. E, obviamente, com a reaproximação com os EUA, teremos mais americanos” diz o iraniano, que tem duas filiais em Paris. “Já esperava uma mudança como essa. A política americana em relação à Cuba e ao Irã não era justa.”

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