O 226.º Papa da Igreja Católica, Joseph Alois Ratzinger (Bento XVI), foi eleito no conclave de 2005, mas, só agora, quase 5 anos após ter assumido a função, o Pontífice parece dar pistas claras do que realmente pensa. E essa leitura só é possível graças ao lançamento de Luz do Mundo O Papa, a Igreja e os Sinal dos Tempos, um livro-entrevista em que o Papa fala, entre outras coisas, da possibilidade de renúncia do cargo e do uso de preservativos por profissionais do sexo.
"A utilização do preservativo por prostitutas pode ser um primeiro passo para a moralização", declarou o Santo Padre ao jornalista alemão Peter Seewald, autor do livro. Bento XVI quis dizer que o uso da camisinha com o objetivo de impedir que a aids se espalhe pode ser justificado em certos casos.
Uma posição pessoal que não encontra respaldo nos mandamentos da Igreja Católica, contrária à qualquer tipo de método contraceptivo, como a camisinha. Embora alguns líderes católicos também já tenham falado sobre o uso limitado da camisinha em alguns casos, foi a primeira vez que o Papa mencionou tal possibilidade.
Dom Rafael llano Cifuentes, bispo emérito de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, esteve com Bento XVI em duas "visitas ad limina" obrigação dos bispos de a cada cinco anos se encontrarem com o Papa no Vaticano e teve a possibilidade de conversar com Ratzinger sobre o assunto. "Eu o consultei a respeito deste assunto e a coisa está restrita apenas a determinados casos, como no caso da mulher de vida pública [prostituta] que usa o preservativo para evitar o contágio. Não é para evitar ter filhos, mas para se resguardar de uma possível doença", explica o bispo. "A Igreja entende que qualquer relação sexual tem que estar aberta à vida", completa dom Llano, deixando claro que a declaração do Papa não prevê o uso do preservativo indiscriminadamente, como forma de contracepção por exemplo.
Retificações foram feitas pelo Vaticano, mas até agora não houve nenhum pronunciamento oficial. Ou seja, até o momento do fechamento desta edição não havia uma palavra oficial do Vaticano sobre as declarações de Bento XVI.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Sul II responsável pelas dioceses e arquidioceses do Paraná foi procurada para comentar as declarações do Sumo Pontífice, mas por várias razões não pôde atender às solicitações da reportagem. Muitos dos bispos estavam em "visita ad limina" ao Vaticano e só retornam no início desta semana. Outros preferiram não comentar o assunto, alegando que ainda não tiveram acesso ao livro sobre o Papa.
Realidade
Apesar das várias especulações ocasionadas pelas declarações do Pontífice, os especialistas tentam desmitificar a questão. "Não resta dúvida que uma das motivações dessa declaração é que precisamos reconhecer que a aids e as doenças sexualmente transmissíveis (DST) são uma realidade factível, inalienável e que têm de ser enfrentadas", avalia Adriano Holanda, professor e chefe do departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná e que desenvolve pesquisas na área de Psicologia da Religião. "Não dá mais para tapar o sol com a peneira", completa.
Ao contrário de alguns membros do clérigo, as declarações de Bento XVI foram muito bem recebidas pelos profissionais e organismos de saúde. Para Eduardo Araújo, diretor-adjunto do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, a declaração do Papa "é importante, já que aponta o preservativo com um mecanismo usado para prevenir a aids e abre a possibilidade para que a própria Igreja discuta a questão como uma barreira de proteção."
Ele admite que há diferenças dogmáticas entre a Igreja e o Estado, mas acredita que a declaração permitirá que as ações já realizadas ganhem um outro contorno. "Esta é uma declaração bastante promissora, pelas ações que o ministério já desenvolve com a CNBB e a Pastoral", avalia Araújo. "O que aconteceu torna possível que, entre os fiéis, a Igreja reconheça que eles tenham além da confissão uma barreira de proteção à sua saúde. É a igreja reconhecendo a limitação do próprio homem, tendo o preservativo como aliado", conclui.