Entrevista
Quando tiram a roupa, ativistas expõem a autonomia da mulher
Karina Janz Woitowicz, pesquisadora
Professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Karina Janz Woitowicz é doutora em Ciências Humanas e coordena um grupo de estudos de gênero e mídia. Para ela, a forma de ativismo do Femen funciona como uma provocação sobre a posição da mulher na sociedade.
"Ao escandalizar determinados setores da sociedade com a ousadia de tirar a roupa em espaços públicos, o Femen chama a atenção para o reconhecimento da liberdade e da autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas", diz Karina.
O Femen atrai admiradores e censores. Você arriscaria listar os motivos da antipatia?
Tais intervenções de rua, como tirar a roupa e pintar o corpo, podem ser vistas como uma forma alternativa de ativismo. Pelo caráter polêmico que essas manifestações apresentam, e por desestabilizarem posturas mais conservadores ligadas a um padrão de feminilidade e moralidade imposto às mulheres, o movimento é também alvo de incompreensões. O grande desafio, nesse caso, consiste em conciliar o debate político feminista com a estratégia de exposição do corpo, para que o movimento não corra o risco de ser interpretado como algo exótico e esvaziado de conteúdo reivindicatório.
O Femen ganha adeptas no mundo todo. Você acha que ele pode ter repercussão entre os brasileiros?
Em certa medida, pode-se fazer uma relação entre o Femen e a Marcha das Vadias, movimento de mulheres que está correndo o mundo para denunciar a violência machista e chegou com força ao Brasil. A exposição do corpo, frases provocativas de impacto e o próprio uso do nome "vadias" para designar as mulheres constituem mecanismos de visibilidade pública próximos ao que propõe o Femen. As reações ao movimento têm sido as mais diversas, de tal modo que, mesmo no país do carnaval, mostrar o corpo em forma de protesto é algo que gera muitas resistências.
Protestos como os realizados pelo Femen podem de fato gerar mudanças?
O papel de um movimento como o Femen é inserir um tema ou provocar uma reflexão na chamada agenda pública. As mudanças culturais, por serem lentas e gradativas, nem sempre podem ser reconhecidas.
Estrevista feita pelo repórter Irinêo Baptista Netto
A mulher está pelada. Ela exibe os seios nus no meio da torcida do time sueco de futebol, é jovem, magra e com cabelos castanhos compridos. Usa shorts jeans rasgados com cinto e tênis Converse nos pés. Nas mãos, segura um cartaz: "Fuck Euro 2012".
Ao redor de Oksana Shachko esse é o nome dela , torcedores munidos de cerveja sorriem, posam para foto e se divertem com a cena, no último dia 19. Oksana, não. Ela está com um semblante irado, gritando, num protesto solitário contra a proposta do governo ucraniano de descriminalizar a prostituição, exatamente na época da Eurocopa 2012, o evento esportivo que faz da Ucrânia e da Polônia o centro do mundo futebolístico.
Para Oksana e outras 400 integrantes do Femen, o grupo ativista que defende várias causas, nem todas feministas, tirar a roupa é um meio de atrair atenção. Quando elas protestavam de roupa, ninguém dava a mínima.
Na organização, somente 20 mulheres encaram o desafio da nudez em público. A julgar pelos comentários colocados na página do Femen, no Facebook, as reações aos protestos que organizam vão da admiração ao ódio, passando pelo desprezo ressentido.
"Às vezes, odeiam a gente, às vezes, amam. Mas nosso objetivo principal é causar reações, é mexer com a cabeça das pessoas", diz Inna Shevchenko, porta-voz do Femen, em entrevista rápida por telefone à Gazeta do Povo.
Talvez a razão para as críticas negativas seja o conservadorismo, de acordo com Joana Maria Pedro, doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal de Santa Catarina. "A moralidade é uma cobrança onde as diferenças de gênero são bem marcadas. Tirar a roupa no carnaval ou na praia não é o mesmo que tirar a roupa ou parte dela para fazer um protesto. Penso que essa deve ser uma das razões da antipatia", diz Joana.
Diz a lenda (e a Wikipedia) que o Femen surgiu em 2008 pelas mãos de Anna Hutsol, ainda sem as características atuais. Era então um grupo de estudantes ucranianas que resolveu protestar contra problemas que consideravam graves: o turismo sexual, o desrespeito à mulher e até a falta de banheiros públicos em Kiev. Durante uma dessas manifestações, Oksana decidiu tirar a roupa e mostrar os seios e assim o Femen ganhou a atenção do mundo. Depois desse episódio, elas adotaram a nudez como estratégia.
Questionada sobre qual teria sido o protesto mais importante do Femen, Inna prefere não escolher um, dizendo que cada um deles permitiu que o grupo ganhasse notoriedade internacional.
Por que não?
"Simpatizo com essas mulheres jovens que estão rindo do puritanismo ocidental", diz Joana. "Abusam do corpo das mulheres para vender carro e outras mercadorias. Pois bem, por que não usá-lo para conseguir melhores leis que venham acabar com discriminações? Uma coisa é o mercado usar o corpo, outra é a dona do corpo definir que quer mostrá-lo para chamar atenção para sua reivindicação."
400 ativistas fazem parte do Femen, de acordo com informações fornecidas pelo próprio grupo. Dessas, cerca de 20 protestam sem roupa.
Interatividade
O que você pensa sobre a estratégia do grupo ativista Femen de usar a nudez para chamar atenção para questões como turismo sexual e desigualdade contra as mulheres?
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