A ONG internacional Missão Portas Abertas, que monitora casos de perseguição religiosa contra cristãos no mundo há 31 anos, divulgou nesta terça-feira (16) seu relatório anual com dados atualizados sobre a situação dos 50 países onde há maior repressão relacionada à fé cristã.
A Lista Mundial da Perseguição, como é chamada a pesquisa, partiu de uma coleta feita pela organização no período de 1º de outubro de 2022 a 30 de setembro de 2023. De acordo com as informações divulgadas, o número de cristãos em situação de profunda perseguição ultrapassa os 365 milhões, o que equivale a um em cada sete em todo o mundo. No ano passado, a lista indicava 360 milhões de perseguidos.
Coreia do Norte, Somália e Líbia são os primeiros países do ranking, respectivamente, seguidos de outros da África e Oriente Médio. Segundo a Missão Portas Abertas, a ditadura de Kim Jong-un continua como a mais perigosa para os cristãos. Apesar da diminuição de relatos de violência, muitos cidadãos foram repatriados da China e, provavelmente, enviados para prisões e campos de trabalho forçado, realidade observada por voluntários da ONG que atuam na península coreana.
A ONG classifica os países em duas categorias: a de perseguição extrema e severa. Neste ano, dois países subiram de classificação, atingindo níveis extremos entre os mais perigosos para seguidores da fé cristã. São eles a Síria e a Arábia Saudita, que ocupam, respectivamente, a 12ª e 13ª posições na lista.
Na América Latina, os destaques vão para as ditaduras da Nicarágua, que subiu 20 posições no mapa mundial - passando da posição 50º para a 30º -, como resultado da onda de repressão contra a Igreja pelo regime de Daniel Ortega, e de Cuba, onde o sucessor de Castro, Miguel Díaz-Canel, tem aumentado a imposição do comunismo à população.
A hostilidade contra a igreja pelo regime nicaraguense pode ser notada por meio de restrições à liberdade religiosa e de expressão. Os críticos do governo, incluindo muitos bispos, foram presos no país, sendo o caso mais emblemático do sacerdote Rolando Álvarez, que foi expulso do país nesta semana e será enviado ao Vaticano; universidades e outras instituições ligadas à igreja tiveram seus registros cancelados e propriedades e meios de comunicação de cristãos foram confiscados pelo regime de Daniel Ortega.
Diversos líderes religiosos tiveram a cidadania cancelada, além de serem forçados ao exílio. Celebrações cristãs em espaços público foram proibidas e a ditadura da Nicarágua fechou sua embaixada em Roma, na Itália.
No ano passado, 55 países decidiram assinar uma declaração conjunta denunciando os crimes do ditador nicaraguense na ONU, ocasião na qual o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, rejeitou a participação do país.
Países como Estados Unidos, Austrália, Canadá, Alemanha e França assinaram o documento, que foi endossado até mesmo por governos latino-americanos de esquerda, como Chile, Peru e Colômbia. O presidente chileno Gabriel Boric, por exemplo, destacou o caráter ditatorial de Ortega na ONU, enquanto representantes do Brasil permaneceram em silêncio.
À época, segundo informou o portal UOL, representantes do governo brasileiro chegaram a sugerir mudanças no texto final pedindo que houvesse mais espaço para diálogo com a ditadura de esquerda instalada por Ortega. A proposta, entretanto, foi considerada inadequada pelos demais países.
O secretário-geral da Portas Abertas no Brasil, Marco Cruz, relaciona o crescimento da violência e discriminação contra o cristianismo ao atual cenário internacional, envolvendo conflitos em diferentes partes do mundo. “O crescimento da violência, de guerras, fome e perseguição étnica e religiosa refletem pontualmente no trabalho da Portas Abertas, que utiliza as informações dos países e de quem atua e apoia, de forma efetiva, cristãos perseguidos nas diferentes nações”, afirmou.
Cristãos deslocados em Manipur
Entre os destaques da nova Lista Mundial de Perseguição está a situação de Manipur, um dos estados da Índia, onde cerca de 60 mil cristãos foram deslocados em meio aos conflitos políticos entre as etnias Meitei e Kuki, iniciados em maio de 2023.
Os atos de violência entre os grupos étnicos causaram a morte de aproximadamente 160 cristãos, até o momento. Em Madhya Pradesh e Chhattisgarh, outros estados indianos, 200 cristãos de 70 famílias foram expulsos de suas comunidades, segundo aponta a ONG.
Crise política e econômica na África Subsaariana favorece perseguição
A crise política e econômica de alguns países da África Subsaariana contribui com a expansão de atividades extremistas na região, que muitas vezes se ligam ao Estado Islâmico ou outros grupos terroristas que perseguem o cristianismo em comunidades locais.
Segundo a ONG, centenas de casas, lojas de cristãos e igrejas foram alvo de jihadistas no período da pesquisa. A situação foi agravada em países onde aconteceram golpes militares e cristãos não tiveram espaço para denunciar as violações de Direitos Humanos e liberdade religiosa.
A Portas Abertas denuncia que a falta de liberdade foi intensificada com a compra de tecnologia de vigilância, monitoramento, e a presença do grupo Wagner que, após ser expulsos da Rússia, intensificou suas atividades mercenárias na África.
Estima-se que, dos 34,5 milhões de deslocados na África Subsaariana, 16,2 milhões sejam cristãos. Eles lutam para sobreviver sem alimentação, moradia e cuidados básicos de higiene e saúde. No período da pesquisa, entre outubro de 2022 e setembro de 2023, mais de 14 mil igrejas na região foram atacadas ou fechadas, número sete vezes maior do que o apresentado na lista passada.
Síria e Arábia Saudita em foco no Oriente Médio
Esses dois países subiram de categoria na Lista Mundial de Perseguição deste ano, passando de perseguição severa para extrema. A Arábia Saudita, apesar de um discurso nacional de defesa da liberdade religiosa, registrou um aumento da violência contra cristãos no país.
Já a Síria foi marcada por um terremoto que atingiu o país em fevereiro de 2023 e contribuiu para que muitos cristãos, que já viviam em situação precária, se deslocassem ou deixassem o território. A destruição e a tomada de igrejas históricas pelo grupo extremista Hayʾat Taḥrīr al- Shām também foi responsável pela migração de adeptos do cristianismo.
China tem recorde de igrejas fechadas
A China liderou a lista entre os países com o maior número de igrejas fechadas, com no mínimo 10 mil incidentes nesse sentido. O ano foi marcado por episódios de pastores detidos e levados a interrogatório, sem que pudessem ter contato com advogados e familiares.
Os cristãos também sofreram repressão nas escolas, onde foram questionados, por meio de relatórios, sobre práticas religiosas em casa.
A Argélia é outro país onde a perseguição foi forte no último ano. De acordo com a ONG Portas Abertas, apenas quatro das 46 igrejas afiliadas à Igreja Protestante da Argélia (EPA, da sigla em francês) estão abertas em todo o território.
Crescem ataques contra cristãos
Segundo a Missão Portas Abertas, houve um aumento de sete vezes nos registros de ataques a igrejas, escolas e hospitais cristãos. No ano passado foram notificados 2.110 casos, enquanto neste relatório foram 14.766.
O número de seguidores da fé cristã espancados ou ameaçados também passou de 29.411 na lista de 2023 para 42.849. Já os ataques a residências e comunidades cristãs aumentaram 371% em relação aos números da de 2023, passando de 4.547 para 21.431.
Os cristãos forçados a abandonar suas casas ou a se esconderem mais do que duplicaram, chegando a 278.716 casos, o que contrasta com os 124.310 do ano passado.
Apesar da Coreia do Norte ser o país mais repressor à fé cristã, a Nigéria segue na liderança entre os mais violento para cristãos viverem, com o maior número de adeptos do cristianismo assassinados e sequestrados por professarem a fé.
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