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Crise energética

O conturbado mercado de energia da Europa intervencionista

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participa de um evento sobre "Como alcançar uma Europa amiga do clima", em Berlim, Alemanha, 29 de agosto de 2022. (Foto: EFE/EPA/FILIP SINGER)

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A Comissão Europeia está lutando para baixar o preço da energia para os europeus diante de um inverno que deverá ser complicado, intervindo ainda mais em um mercado de energia já suficientemente intervencionado.

Os inimigos do livre mercado viram na necessidade de uma "intervenção extraordinária" patrocinada pela União Europeia um triunfo da socialdemocracia contra o liberalismo que deixa a economia à mercê de agentes privados (produtores e consumidores), que se regulam de tal forma que ambos se beneficiam nas transações. No liberalismo, os dois lados concordam com o preço de um bem ou serviço: o preço é aceito pelo produtor porque lhe dá margem de lucro, e pelo consumidor porque vê o pagamento pelo bem que recebe como adequado.

Essa "extraordinária intervenção" na Europa só teria sido um triunfo do Estado se a energia fosse um mercado livre na União. Mas não é, de forma alguma. De fato, podemos pensar que a qualificação "extraordinária" que a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, deu às medidas aprovadas na semana passada pode nos levar a pensar que foi necessário tomá-las porque a "intervenção ordinária" do mercado - aquela que rege cada um dos países da UE - não funcionou.

Um mercado fortemente regulamentado

“O mercado europeu de eletricidade é provavelmente o mais intervencionado do mundo. Entre 70 e 75% da tarifa de eletricidade na maioria dos países europeus são referentes a custos regulados, subsídios e impostos estabelecidos pelos governos. E, no restante, o custo das licenças de CO2 vêm do que foi determinado por esses mesmos governos que limitam a oferta e impõem por decreto o mix energético”, diz o economista Daniel Lacalle.

Se o mercado de energia fosse realmente livre, seria pago apenas o consumo de eletricidade e algum imposto sobre os serviços que recebe em sua conta. As infraestruturas, por exemplo, devem ser conservadas e é natural que parte dessa conservação seja paga com dinheiro público contabilizado na fatura sob a forma de imposto.

Mas ao analisar as contas de energia vemos que, de um encargo de 100 euros (mais de 500 reais), apenas 24 euros (cerca de 122 reais) correspondem ao custo de produção e comercialização da eletricidade consumida. Enquanto 22 euros (cerca de 112 reais) são para pagar impostos e 54 euros (mais de 276 reais) são usados ​​para os chamados “custos regulados”, que, como o próprio nome sugere, não têm nada a ver com o mercado. Entre esses custos, estão os incentivos públicos para energias renováveis ​​e cogeração.

Um mercado não pode ser chamado de livre quando os governos decidem como a energia que é vendida deve ser produzida (endurecendo as condições ou proibindo diretamente fontes como carvão e energia nuclear) e incentivam outros com dinheiro público (como as renováveis), ou cujo sistema de preços não é estabelecido diretamente.

Ao contrário, o atual sistema é regulado com base na geração, onde o preço do megawatt/hora é fixado pela energia mais cara – o gás, necessário em usinas de ciclo combinado – enquanto as outras fontes mais baratas (hidrelétrica, eólica, solar e nuclear) não podem vender a preços mais baixos.

Daí os chamados "lucros que caem do céu" que as empresas que não produzem gás recebem e que a Comissão Europeia quer agora tributar: como os regulamentos as obrigam a vender muito mais caro do que custa para elas produzir, as margens de lucro aumentam consideravelmente sem incorrer em custos adicionais.

“Chamar o mercado de eletricidade de livre, com governos impondo qual tecnologia compõe a matriz energética, monopolizando e limitando licenças, proibindo investimentos em algumas tecnologias, fechando outras e fixando 75% dos custos, além de impor uma taxa de CO2, limitando a oferta, só pode ser piada”, acrescenta Lacalle.

Tempo para reformas profundas

Essa regulação leva a tremendos paradoxos. Por exemplo, durante esses meses de guerra, a Espanha está comprando gás dos Estados Unidos, que usam método fracking - injeções de água pressurizada que fraturam as rochas do subsolo para extrair hidrocarbonetos - um método proibido na Espanha. Com outro modelo mais eficiente, os consumidores poderiam usufruir de tarifas mais baixas.

Esse sistema intervencionista funcionava de forma razoável quando as condições estavam “normais”. Mas a guerra na Ucrânia e a chantagem de Putin com o gás (a Rússia era até então o principal fornecedor dessa matéria-prima) e o petróleo romperam o sistema. Os Estados-Membros e Bruxelas tiveram de voltar a intervir com mais força nesse mercado, já intervencionado o suficiente.

No entanto, o problema é anterior à guerra. Como disse o jornal francês Le Monde, “essa crise energética é o indicador doloroso de um sistema que poderia ter certas vantagens em tempos de calmaria, mas que hoje se tornou obsoleto ao minar os interesses dos próprios europeus. Muito mais preocupada com a liberalização do seu mercado interno do que com os desafios da soberania, a UE se encontra presa em mecanismos desenhados num quadro político que hoje apresenta seus limites”.

Como disse antes, uma das medidas que a UE vai adotar para combater a escalada de preços é tributar as energias renováveis ​​e nucleares pelos "lucros extraordinários" que obtêm ao vender a eletricidade que produzem ao preço mais alto fixado pelo gás. Mas esses benefícios extraordinários existem exatamente porque a regulamentação os impede de vender ao preço que produzem.

É óbvio que, como acrescenta o Le Monde, “a energia deve ser definida como um bem comum protegido da concorrência artificial de curto prazo”, que seria prejudicial aos cidadãos. O mercado de energia é muito complicado e precisa de alguma regulamentação, mas o fato de agora ser necessário intervir para evitar o descontrole dos preços não é culpa do livre mercado, mas do intervencionismo inadequado. Quando essa crise passar e virmos as consequências dessa má gerência, deveremos considerar uma reforma radical que leve em consideração a eficiência dos negócios, o bem-estar do consumidor e a sustentabilidade do planeta.

©2022 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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