Kenji Fujimoto, o sushiman que trabalhou durante mais de dez anos para a família Kim na Coreia do Norte viveu apavorado com a perspectiva de ser morto por um agente do governo. Seria um acerto de contas por ter voltado ao Japão e escrito um livro em que revela o estilo de vida extravagante do ditador Kim Jong-il e seus consortes.
De fato, um agente o encontrou em junho passado, mas, em vez de uma arma, ele o surpreendeu numa loja de conveniências sacando um convite de Kim Jong-un, filho do finado ditador que ele conheceu como um adolescente atarracado e precoce a quem chamava de "príncipe".
Kim aparentemente perdoara as transgressões do antigo cozinheiro da família e queria vê-lo novamente. Com alguma apreensão, Fujimoto concordou e, durante a recém-terminada visita de duas semanas, ele teve acesso raro ao enigmático novo líder.
De acordo com Fujimoto, Kim já realiza mudanças no reticente governo comunista, adotando um estilo de liderança mais acessível. Essa foi a impressão que teve durante um banquete em Pyongyang, capital da Coreia do Norte.
"O camarada general sorriu e disse: Sua traição foi esquecida", disse Fujimoto em entrevista ao New York Times.
O cozinheiro japonês não quis revelar seu nome verdadeiro nem a idade, temendo que a extrema-direita japonesa o ataque por se mostrar cordial com uma nação que sequestrou cidadãos japoneses durante as décadas de 1970 e 80.
Não existe forma de avaliar se o perdão de Fujimoto não passa de um exercício de propaganda destinada a suavizar a imagem da Coreia do Norte. O país ainda parece belicoso e ameaçador como sempre, com seus temíveis militares reunidos ao longo da fronteira com a Coreia do Sul e seu programa ativo de armas nucleares.
Na verdade, desertores recentes da Coreia do Norte dizem que o novo líder deu início a punições severas às pessoas que tentam fugir.
Para especialistas, a história de Fujimoto confirma uma visão emergente do novo líder como uma pessoa disposta a mudar pelo menos a forma, se não a substância, do último baluarte stalinista.
"Existem dois lados de Kim Jong-un", afirmou Cheong Seong-chang, analista do Instituto Sejong, na Coreia do Sul. "Militarmente, ele transmite a linha dura à Coreia do Sul, ao mesmo tempo em que parece um líder benevolente para seu povo e, também, ao mestre-cuca."
Nas fotografias registradas pelo fotógrafo oficial, Kim e a esposa estavam sentados à mesa na frente de Fujimoto, sorrindo calorosamente ao convidado.
Fujimoto ainda teve chance de rever sua esposa norte-coreana e a filha de 20 anos. Em 2001, ele as deixou para fugir do país sob o pretexto de fazer uma viagem curta ao Japão. Ele disse não ter voltado porque havia começado a ver conhecidos norte-coreanos "desaparecerem", deixando-o com medo de ser o próximo.
Ele também abandonou o estilo de vida privilegiado da família governante da Coreia do Norte, cujas mansões luxuosas contam com pistas de boliche, frotas de carros importados e banquetes acompanhados por apresentações de dançarinas e boxeadoras, como descritas no livro.
Fujimoto afirmou que sua visita, iniciada em 21 de julho, lhe mostrou que a Coreia do Norte progrediu um pouco desde os dias austeros do governo Kim Jong-il. Ele se disse surpreso ao ver lojas de alimentos em Pyongyang, quase sempre vazias durante a década de 1990, assolada pela fome, agora cheias de vegetais e carne.
Fujimoto disse que a maior parte da comida deve vir da China e que os empresários chineses se tornaram uma presença muito mais visível no país.