Com sorrisos, apertos de mão e palavras de calor mútuo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, entraram para os livros de história como os primeiros líderes de seus países a se encontrarem frente a frente. Mas se a sua cúpula de Cingapura se tornará um evento verdadeiramente histórico depende muito mais do que vem a seguir.
Os Estados Unidos e a comunidade mundial já tentaram controlar a Coreia do Norte. Três presidentes norte-americanos que antecederam Trump participaram de acordos nos quais o país de Kim havia se comprometido em suspender sua atividade nuclear. Em cada caso, os compromissos desmoronaram-se, as promessas revelaram-se sem sentido, e a Coreia do Norte continuou sua marcha firme rumo ao desenvolvimento de ogivas nucleares e os meios para lançá-las ao longo do Oceano Pacífico.
Desta vez, Trump e Kim embarcaram em uma abordagem radicalmente diferente, evitando o processo de baixo para cima, como o do passado, para um começo de cima para baixo em que o presidente surpreendentemente concordou com um encontro com os norte-coreanos. Mas a cúpula de Cingapura é apenas um primeiro passo do que pode ser uma negociação demorada e difícil entre as duas nações.
O presidente está contando com suas habilidades pessoais para convencer Kim de que o abandono do programa de armas nucleares e a segurança que ele está oferecendo à Coreia do Norte são os melhores interesses dos EUA e do mundo. Isso exigirá uma barganha difícil no futuro. O comunicado conjunto assinado pelos dois líderes ofereceu poucas evidências que apoiem a promessa do líder norte-coreano quanto à "completa desnuclearização".
Para alcançar as metas delineadas por Trump, será preciso disciplina e comprometimento - que não fazem parte do kit de ferramentas de política externa do presidente norte-americano. Ele deve resistir ao tipo de impetuosidade que demonstrou a caminho de Cingapura, quando retirou abruptamente o apoio dos EUA a um comunicado conjunto negociado com outras nações no encontro do Grupo dos Sete no Canadá. Seu ressentimento com o que disse o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, na coletiva de imprensa pós-encontro criou uma ruptura nas relações com os aliados mais próximos dos Estados Unidos.
Os Estados Unidos precisarão do apoio de países em todo o mundo, especialmente da Coreia do Sul, do Japão e da China, para ajudar a pressionar a Coreia do Norte a iniciar o processo de desnuclearização com a maior rapidez possível. No entanto, a cúpula provocou um desconforto com os sul-coreanos, que pareciam pegos desprevenidos pelo anúncio do presidente de que exercícios militares de longa duração seriam suspensos para diminuir as tensões com a Coreia do Norte.
Simbolismo
Reuniões de cúpula são uma combinação de simbolismo e substância. O fato de o presidente ter voado pela metade do mundo para encontrar o impiedoso ditador de uma nação com armas nucleares é um grande ato simbólico. A virada de rumo de Kim, depois de uma enxurrada de lançamentos de mísseis no início do mandato de Trump, para se engajar na diplomacia também simbolizou a mudança no clima entre os dois países. Tudo isso carregou de significado o momento em que eles se cumprimentaram pela primeira vez nesta terça-feira.
Nem Trump nem Kim pareciam rígidos ou reticentes quando caminharam um em direção ao outro, com os braços estendidos para um primeiro aperto de mão. Eles não sorriram para a primeira foto formal, mas logo depois, quando começaram a andar ao longo de um pórtico, relaxaram consideravelmente e os dois sorriram. "Teremos um ótimo relacionamento", disse Trump a repórteres depois que os dois se sentaram.
Esse foi o clássico Trump, assim como sua resposta "muito, muito boa" à pergunta de como havia sido a reunião depois que eles terminaram o encontro individual e se dirigiram a uma reunião bilateral com seus assessores. Câmeras os seguiram de uma reunião para outra, dando ao mundo vislumbres de sua linguagem corporal. Em um momento feito para a TV, Trump conseguiu o tipo de extravagância de relações públicas que queria, mas sem qualquer indício real da essência das conversas.
Leia também: Mesmo com acordo vago, Trump quebrou um impasse
O comunicado conjunto que veio depois fez pouco para responder às perguntas sobre o que - e quando - a Coreia do Norte estava preparada para acabar com suas armas e seu programa de armas nucleares. O documento enfatizou a natureza histórica do encontro entre os dois líderes, mas incluiu poucos detalhes sobre as negociações que estão por vir.
História
A história há muito tempo gravou um punhado de reuniões de cúpula na memória coletiva: a Conferência de Yalta de 1945 entre Franklin D. Roosevelt, o britânico Winston Churchill e o soviético Joseph Stalin, que moldaram o mundo pós-guerra; a cúpula em Reykjavik, na Islândia, em 1986, entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, que parecia terminar em fracasso, mas acabou abrindo caminho para um posterior acordo de armas; a diplomacia pessoal de Jimmy Carter enquanto negociava a paz entre Menachem Begin, de Israel, e Anwar Sadat, do Egito, em Camp David, em 1978; o brutal encontro entre John F. Kennedy e Nikita Khrushchev em Viena em 1961, que deixou o jovem presidente abalado e pode ter encorajado o líder soviético a colocar mísseis em Cuba.
O capítulo da história que dirá se a cúpula de Cingapura será lembrada como o começo de um sucesso, ou o início de outro beco sem saída com os norte-coreanos, não será escrito nos próximos meses, nem anos.
Muitas pessoas apontam para a viagem de Richard Nixon à China em 1972 e seu encontro com o líder chinês Mao Zedong como um possível paralelo à cúpula Trump-Kim, com o objetivo de esquentar as relações há muito tempo congeladas. Mas a historiadora Margaret MacMillan, que narrou essa viagem em seu livro "Nixon e Mao: A semana que mudou o mundo", observou que a jornada de Nixon começou com menos incertezas do que a de Trump quando foi encontrar com Kim.
Leia mais: Kim e Trump se reúnem em encontro histórico
"Muito do trabalho de base já havia sido feito antes de ele chegar e os objetivos eram mais modestos", disse ela. Nesse caso, foi para iniciar um caminho em direção ao estabelecimento de relações diplomáticas, que não foram concluídas até depois que Nixon deixou o cargo. "A desnuclearização é muito, muito mais difícil do que estabelecer relações diplomáticas", acrescentou ela.
O historiador Robert Dallek, observando os paralelos e as diferenças entre a visita de Nixon em 1972 e os eventos desta semana, disse que, na época, não foi pedido aos chineses que "mudassem governos ou cortassem o desenvolvimento de armamentos de qualquer tipo". A administração Trump não está pressionando pela mudança de regime na Coreia do Norte; ao contrário, o presidente e o secretário de Estado Mike Pompeo tentaram assegurar a Kim que esse não é o objetivo dessas conversas.
Vitória de quem?
Os riscos para Trump e Kim são significativos, embora o ditador norte-coreano já tenha obtido o que seus predecessores não fizeram, que é uma reunião com o presidente dos Estados Unidos. Mas ele quer e precisa de mais.
Leia também: A cúpula entre EUA e Coreia do Norte, um encontro que pode mudar o mundo
Bill Richardson, que foi embaixador nas Nações Unidas durante o governo Clinton, disse que a cúpula em si foi uma vitória para a Coreia do Norte "porque ilustra a estatura de Kim como uma figura mundial e o ajuda internamente". Mas ele acrescentou que a decisão de Trump de aceitar uma reunião "vale o risco" - se houver um acordo. "Negociar com a Coreia do Norte de baixo para cima não funciona", acrescentou ele, referindo-se à abordagem dos governos anteriores. "Talvez de cima para baixo funcione".
Trump disse muitas vezes que está preparado para abandonar as negociações com a Coreia do Norte se concluir que Kim não leva a sério a desnuclearização. Mas o fracasso não é do interesse de nenhum dos líderes.
Wendy Sherman, ex-funcionária do Departamento de Estado com experiência em negociações com a Coreia do Norte e o Irã, disse que o jovem Kim vai querer encontrar uma maneira de permanecer no poder por muito tempo. Porém, ele está sob pressão para construir a economia de sua nação empobrecida e se abrir para o resto do mundo sem colocar seu país ou a si mesmo em risco.
Trump gostaria de mostrar ao mundo que ele pode realizar o que outros presidentes antes dele, particularmente seu antecessor imediato, Barack Obama, não conseguiram fazer. Ele também quer um grande sucesso na política externa que poderia usar para ajudar em sua campanha para a reeleição em 2020. "Há um potencial de interesse alinhado", disse Sherman. "Mas ainda é muito, muito difícil."
Os apertos de mão e sorrisos deram um tom para as reuniões do dia e o presidente norte-americano estava previsivelmente otimista na conclusão das negociações. Mas ainda há muito a acontecer. O simbolismo é importante, mas a substância é tudo.
Leia também: Três notícias que movimentaram o mundo em meio à cúpula entre EUA e Coreia do Norte
Deixe sua opinião