Em setembro do ano passado, uma imagem enviada à Terra pelo telescópio Hubble causou espanto entre a comunidade científica. Em meio à escuridão do espaço remoto, uma bela supernova desafiava a regra de que explosões de estrelas seguem um padrão caótico. A nebulosa NGC 6302, localizada há 3,8 mil anos-luz da Terra, se abre em duas vertentes de gases e forma uma espécie de borboleta sideral.
A Nebulosa Borboleta, como ficou conhecida, intriga justamente por adquirir um formado conhecido na vida do planeta Terra. Uma resposta possível a esta improvável padronização pode ser encontrada na teoria da geometria fractal, desenvolvida pelo matemático polonês Benoit Mandelbrot. Para o teórico, o Universo dispõe de um número finito de formas a ser usadas na criação ao contrário do que se poderia supor devido à variedade de elementos presentes no Cosmos.
Para o físico brasileiro Marcelo Gleiser, professor de Filosofia Natural e Física e Astronomia no Dartmouth College (New Hampshire, EUA), estas pequenas limitações na criação cósmica podem ser uma evidência de que o Universo não é tão elegante e simétrico como alguns cientistas costumam descrever.
No recém-lançado Criação Imperfeita (Record, 350 páginas, R$ 49,90), Gleiser defende que a busca pela Teoria Unificadora, uma fórmula que explique desde o funcionamento do núcleo do átomo até a expansão do Universo, é contraproducente e condenada à frustração. Gleiser, um ex-unificador confessso, afirma que a expansão e a permanência do Universo só é possível devido às assimetrias e desequilíbrios dos sistemas cosmológicos.
Ao lado, trechos da entrevista que Gleiser concedeu à Gazeta do Povo, por telefone, a partir dos Estados Unidos.
Perfeição do Universo
Primeiro, eu digo que este nosso Universo de perfeito não tem nada. Basta ver todas as assimetrias e imperfeições que existem não só na vida, mas também nas mutações, na assimetria das moléculas, nas partículas de massa, no fato de existir mais matéria que antimatéria.
Então uma das coisas que eu falo no livro é que o autor do Universo é o desequilíbrio. É justamente essa falta de perfeição essa falta de simetria que gera a transformação, e a história do Universo é uma história de transformações sucessivas. Não é necessário que a gente tenha um outro Universo para comparar com o nosso, porque nós podemos, dentro desse nosso Universo, desenvolver essa dicotomia de perfeição e imperfeição.
Nós sabemos o que é perfeito e o que é imperfeito. E com isso podemos usar o que eu chamo de uma nova estética para a natureza. A natureza não é bela porque é perfeita, ela é bela porque ela é imperfeita.
Unificação
A maioria dos cientistas não dá a menor bola para teorias unificadas. Eles vão para os laboratórios, trabalham em seus sistemas e materiais, nas suas observações astronômicas, e não estão preocupados em procurar uma grande síntese de todo o conhecimento físico.
Eu jamais iria contra a busca de simetria na natureza, porque afinal de contas a simetria é uma ferramenta absolutamente fundamental na nossa busca por significado no mundo natural. Nós precisamos usar o conceito de simetria como uma ferramenta para encontrar relações entre como os sistemas naturais interagem e se manifestam.
Então existem várias questões que a gente pode abordar, e obter para elas unificações parciais. Mas essa noção de que existe uma unificação perfeita e absoluta por trás de tudo que existe pra mim não tem o menor respaldo no mundo natural.
Metafísica
Se argumenta que, se o Big Bang é um evento único, tudo o que foi criado por ele tem uma mesma causa". Mas se dermos esse pulo, construímos uma projeção quase que inconsciente da visão de Deus. Isso equivale a dizer que tudo começa em Deus, que Deus é perfeito, que Deus é único, portanto tudo vem dessa fonte única.
Entretanto a ciência funciona de maneira diferente. A física é uma uma narrativa que a gente constrói para poder entender como é o funcionamento do mundo. E essa narrativa tem limitações. Ela não consegue explicar tudo, inclusive é incapaz, ao menos por enquanto, de entender a própria origem do Universo, e nem sei se isso é conceitualmente possível.
Para entender algumas questões profundas, a gente teria que compreender um outro tipo de ciência, que é a ciência das leis da natureza. Por que o nosso Universo não é de alguma outra forma? Esse tipo de ciência não é nem ciência, é metafísica.
Tem muita gente pensando nessas coisas: multiverso, panorama das supercordas... Mas não existe nenhuma razão empírica para a gente acreditar que o mundo físico seja assim.
Papel da ciência
Eu acho que existem vários tipos de ciência. Temos uma pesquisa de base, que é a que eu faço. Ela é bastante "não prática", bem teórica, bem abstrata. E temos um tipo de ciência mais aplicada. Esse tipo de ciência certamente depende muito do momento histórico em que está inserido.
No meu livro, eu estou tentando ser um pouquinho mais ambicioso e criar uma reorientação das forma como se entende a ciência. Fazer um chamado para olhar o mundo de uma maneira diferente do que a gente tem olhado.
A Terra, dentro desse contexto cósmico que eu discuto, é um planeta extremamente raro. Toda a trajetória da vida na Terra que eu conto no livro é justamente para mostrar o quanto a vida não é óbvia, o quanto a vida é rara, e principalmente o quanto a vida é complexa.
Limites do conhecimento
A gente nunca vai saber tudo o que existe para se saber, porque os nossos instrumentos nunca vão ter o alcance total para revelar o que existe na natureza. Existe aquilo que a gente conhece, que vai crescendo à medida em que os instrumentos vão ficando cada vez mais poderosos, mais precisos, mas sempre vai existir aquilo que a gente não conhece. O espaço que a gente desconhece deve ser preenchido com mais ciência, mas sempre vai haver os espaços vazios no conhecimento humano.