Não é novidade que a Europa está se reorganizando para não depender mais do gás russo até 2030. Antes das sanções impostas ao país comandado por Vladimir Putin, cerca de 40% do combustível consumido pelo continente vinha da Rússia. Uma das possíveis saídas para a Europa é aumentar as importações da África, que atualmente representam 10% do que é utilizado em solo europeu.
A Itália saiu na frente. Menos de uma semana depois da invasão russa à Ucrânia, o chefe da diplomacia, Luigi di Maio, foi à Argélia fazer as primeiras negociações. Até fevereiro, 45% das importações de gás italianas partiam da Rússia. Em abril, o país assinou com o presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, um acordo que permite o aumento de 40% nas importações. Depois disso, negociações aconteceram também na República do Congo e na Angola.
A Alemanha também não perdeu tempo. Em maio deste ano, o chanceler alemão, Olaf Scholz, enviou representantes para a capital do Senegal, Dacar, para confirmar o interesse em importar do país africano. E o presidente senegalês, Macky Sall, garantiu a negociação. “Estamos prontos para trabalhar numa perspectiva de alimentar o mercado europeu de gás natural liquefeito (GNL)”, disse Sall em coletiva.
Possibilidades na África
De acordo com o Instituto Statista, em 2020 a Argélia foi o maior produtor de gás do continente africano, com 39,4 milhões de metros cúbicos. A Nigéria ficou na segunda posição, com pouco mais de 35 milhões. Em seguida, o Egito, com 7 milhões e a Líbia, com 4.
A Nigéria, a Argélia e o Níger aproveitaram as fragilidades geradas pela guerra na Ucrânia para tirar do papel um projeto antigo. Trata-se da criação de um gasoduto transaariano de 1970. A Nigéria também resgatou um plano grandioso de construção de um gasoduto submarino que deve contornar a África Ocidental e chegar até a Espanha.
O Senegal e a Mauritânia vão explorar um campo descoberto em 2015, com reservas estimadas em 1,4 trilhão de metros quadrados, o que seria o suficiente para abastecer 35 anos de consumo da Itália, por exemplo. A produção em 2030 pode chegar a 10 milhões de toneladas. Em curto prazo, o Senegal deve explorar o petróleo do campo de Sangomar, ao sul de Dacar, que poderá produzir 200 mil barris por dia a partir do ano que vem.
O Moçambique também construiu estruturas para produção de gás. Segundo o Instituto de pesquisa Iris, o país pode se tornar um gigante do mercado de gás natural, ao lado de Qatar, Estados Unidos e Austrália.
Ameaças climáticas e terrorismo
A República do Senegal e outros países africanos criticam as medidas climáticas tomadas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima no ano passado, que visa acabar com financiamentos de projetos de exploração de combustíveis fósseis no exterior sem técnicas de captura de carbono até o final de 2022.
Em coletiva, o presidente senegalês disse que a decisão é injusta. “Os países industrializados continuam a utilizar fontes muito poluentes, como carbono e petróleo. E querem condenar os combustíveis fósseis dos países que não têm indústria e onde a maior parte da população não tem acesso à energia. É injusto”, desabafou Macky Sall.
A África é rica em recursos, mas está exposta a grandes riscos climáticos. Por mais que seja o continente que gera menos gás carbônico por habitante, as indústrias de extração de combustível trazem risco para a região.
Outro empecilho é o ataque de grupos jihadistas. Em 2010, grandes empresas do setor de combustíveis, como ExxonMobil e ENI, miraram nas reservas da província do Cabo Delgado, em um projeto de 15 bilhões de euros. A previsão era de que a produção começasse na região ainda em 2022. No entanto, depois de um ataque jihadista, o projeto foi adiado para 2024 ou 2026.
Na região do delta do Níger, grupos armados se manifestam contra instalações petrolíferas. No entorno, atuam grupos terroristas como Boko Haram e Al-Qaeda.
Concorrência
O conselheiro de energia do chefe de Estado senegalês, Mamadou Fall Kane, contou em coletiva que as primeiras exportações estão previstas para o mercado asiático. “Mas nada impede de renegociar os destinos com a operadora, devido às mudanças na geopolítica da energia”, explicou.
O analista Benjamin Augé, em entrevista ao Le Monde, não foi tão otimista sobre a capacidade da África de suprir a demanda europeia: “Nenhum país africano, neste momento, é capaz de aumentar massivamente sua produção, tendo em vista que as necessidades europeias são para agora e não para 2035”.
A economista e especialista em energia Carole Nahkle disse à BBC que considera pouco provável que, no momento, a África possa suprir a demanda que era atendida pela Rússia. “Mas, em longo prazo, veremos mais investimentos para tornar possível extrair gás do solo africano e enviá-lo à Europa”, projetou.