RIO — A Alemanha estava em festa. A notícia da queda do Muro de Berlim foi recebida até com samba e batucada na capital alemã, detalhava o GLOBO em 11 de novembro de 1989. Era o fim do maior símbolo da Guerra Fria e da divisão do mundo entre bloco Ocidental, capitalista, e Oriental, socialista. Abria-se uma cortina de ferro que durante 28 anos dividiu ideologias, famílias e sonhos.
Em vários pontos da cidade, centenas de civis abriram passagens com britadeiras ou máquinas pesadas, no que foi chamada “a louca noite do fim do Muro de Berlim”. O então chanceler alemão Helmut Kohl, que interrompeu visita à Polônia para ver de perto a concretização de um sonho, dava as boas-vindas “à pátria alemã livre”.
A imprensa no mundo todo repercutia com destaque o início da derrubada dos 156 quilômetros de concreto, erguidos em 1961 pela República Democrática Alemã (RDA, Oriental), comunista. O GLOBO descrevia o clima de euforia em Berlim: “alemães de um e de outro lado, que sequer se conheciam, trocavam apertos de mão, abraçavam-se, abriam garrafas de champanhe, soltavam foguetes, riam e choravam”.
Ao ouvir a notícia pela rádio, a diretora de ensino do Instituto Goethe no Rio, SusanZerwinsky, à época com 20 anos, correu para a rua com os amigos.
— Ficamos a noite inteira acordados. Choramos, caminhamos, cumprimentamos os berlinenses do Leste e os convidamos para comer, beber e conversar. Todo mundo sentiu como se fosse uma família. É uma memória forte e muito emocionante de uma noite que eu nunca vou me esquecer — relembra Susan, que teve sua família dividida após a construção do muro.
Respeitado no Ocidente e criticado pelos russos, Mikhail Gorbachev foi o arquiteto de reformas na União Soviética (URSS) que ecoaram na Alemanha e levaram à desintegração do bloco, em 1991. Um dia após a queda do muro, o GLOBO trazia a reportagem intitulada “Gorbachev garantirá abertura alemã”, noticiando o envio de uma carta do ex-líder soviético ao então presidente George Bush, na qual expressava apoio às mudanças no país europeu.
REUNIFICAÇÃO
O sentimento de entusiasmo, porém, não foi dividido por parte dos alemães. Do lado Oriental, o historiador Michael Zeuske, professor da Universidade de Colônia, revela ter reagido com ceticismo.
— Quando vi a notícia à noite na TV, fiquei profundamente consternado. Não sei se sentia alegria, talvez uma consternação positiva. Fazia parte de um grupo de intelectuais que queria democratizar o socialismo sem uma unificação rápida com a outra Alemanha. A maioria da população da Alemanha Oriental, que em 1989 e 1990 queria a unificação rápida, dinheiro e carros modernos, foi a primeira a perder emprego — relata Zeuske.
Segundo ele, que vivia em Leipzig, na parte socialista, pouco se menciona sobre os problemas da Alemanha Oriental após a reunificação do país, em 3 de outubro de 1990.
— Os problemas que se seguiram desde a queda até hoje quase ninguém vê ou menciona, porque a ‘unificação’ alemã é descrita como um êxito. Desde então, a Alemanha Oriental sofreu uma transformação profunda, desindustrialização, despovoamento (menos algumas cidades, como Berlim e Leipzig) e falta de capital.
VESTÍGIOS DA GUERRA
De lá pra cá, o GLOBO acompanhou a extinção da União Soviética, a reconfiguração do mapa político e vestígios da Guerra Fria mostrando sua face na atual crise na Ucrânia. O conflito no Leste do país entre as forças de Kiev e separatistas pró-Moscou elevou as tensões entre Rússia e Estados Unidos.
Para o alemão Kai Michael Kenkel, professor de Relações Internacionais da Puc-Rio, a crise evidencia o interesse do governo russo em reassumir o papel que tinha antes da dissolução da URSS.
— A Rússia se sente encurralada e pressionada com a expansão das instituições ocidentais. Foi muito difícil para Moscou a inclusão das Repúblicas Bálticas à Otan, por exemplo. O país vive um complexo. Se enxerga como herdeira da União Soviética, mas a sua importância está encolhendo — avalia Kenkel.
Num movimento contrário às tensões na Ucrânia, a comunidade internacional aplaudiu em dezembro o fim do último símbolo da Guerra Fria na América. Os primeiros passos da reaproximação entre Estados Unidos e Cuba, anunciada pelos presidentes BarackObama e Raúl Castro, após mais de meio século de rompimento, contaram com cobertura especial do GLOBO.
Apesar da reconciliação entre potências rivais, de uma nova ordem hegemônica e integração das nações, a Coreia do Norte mantém intacto um muro invisível para se manter isolada, configurando-se o último bastião comunista no mundo e com poucos sinais de abertura.
— Por ser tão isolado e ter um controle muito forte sob a população, é um país que sofre menos pressão para seguir as tendências do mundo — analisa Kenkel.