Fidel Castro sentado ao lado do ditador venezuelano Nicolás Maduro na celebração de seu aniversário de 90 anos, em Cuba Foto: Ismael Francisco/AFP| Foto:

Os golpes modernos não são aplicados com o emprego de tanques, tropas uniformizadas ou grandes rupturas. Nicarágua, Bolívia e inegavelmente a Venezuela nos ensinam que foi por meio do voto que seus presidentes chegaram ao poder e pretendem nunca mais deixá-lo. Nos três países, os governantes, depois de empossados, mudaram as regras do jogo para garantir reeleições infinitas.

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O nicaraguense Daniel Ortega está há doze anos na presidência. Evo Morales, o líder cocaleiro da Bolívia, assumiu em 2006 e no final deste ano disputará um novo mandato com duração até 2024. Maduro, que chegou por último como titular nesse time, foi eleito em 2013, mas faz parte do regime chavista iniciado há duas décadas. O venezuelano que balança na sua cadeira tem um mandato com duração até 2025.

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Um dos termômetros de que a democracia estava murchando nesses países foi a perseguição ao trabalho da imprensa. Os níveis de profissionalismo, liberdade e independência deveriam ser considerados como marcadores excelentes para saúde de suas instituições. Na Bolívia de Evo Morares, a mãe de um jornalista foi estuprada e estrangulada dias depois que o seu filho assinou uma reportagem que mostrava vínculos entre o narcotráfico e o governo.

Na Nicarágua de Ortega, o repórter Miguel Ángel Gahona foi assinado durante a cobertura dos protestos contra o governo. Dezenas de outros profissionais relataram agressões e perseguições ao longo de 2018. Emissoras de televisão que faziam a cobertura ao vivo das manifestações tiveram o sinal cortado por ordem de Ortega. Prisões arbitrárias e torturas foram registradas, como o caso de Roberto Urbina que perdeu parte da funcionalidade de uma das mãos, como consequência dos espancamentos.

No início da semana, o ditador venezuelano Nicolás Maduro encerrou abruptamente uma entrevista quanto confrontado com uma situação incômoda. Como se não bastasse, mandou prender e recolher o material de trabalho da equipe de TV. O jornalista mexicano-americano Jorge Ramos abriu o seu laptop e mostrou para o ocupante do Palácio de Miraflores um vídeo perturbador. Homens catando alimentos diretamente em um caminhão de lixo e comendo ali mesmo, no meio da rua.

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Se fosse um político, Maduro teria tirado de letra como qualquer outro pertencente à categoria. Mas, Maduro não é político. Como comandante de um Estado-Máfia, fez o que era esperado de um criminoso. Depois de deter e fuçar os equipamentos e celulares da equipe de Ramos, Maduro os deportou.

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Há quem veja Maduro como um ditador mais camarada de ele não ter mandado matar, esquartejar e dar um sumiço no que restou como no caso do jornalista saudita Jamal Khashoggi, que no ano passado foi assassinado nas dependências do consulado da Arábia Saudita, em Istambul.

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O caso de Ramos é apenas um. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, desde janeiro 19 jornalistas já foram presos pelas forças de segurança venezuelanas. Os números agravam a insegurança que imprensa atua na Venezuela, país que o Comitê para Proteção de Jornalistas identificou como o que mais prendeu profissionais de imprensa nas Américas. Entre eles está o alemão Billy Six que desde novembro está trancafiado sob acusação de espionagem.

O caso dos médicos cubanos

Ditadores têm fobia ao jornalismo. Considero que um dos melhores exemplos do que mais lhes causa horror vem do Brasil. No dia 15 de março de 2015, o Jornal da Band exibiu uma reportagem cujos ecos hoje assombram a mais longeva das ditaduras do Ocidente. A cubana. Em cinco minutos, o jornalista Fábio Pannunzio descreve em detalhes, amparado em uma gravação de áudio, o plano secreto desenhado dentro do Ministério da Saúde, para contratar médicos cubanos driblando a lei e as instituições brasileiras.

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Pannunzio veiculou pela primeira vez as provas de que, em conluio com a Organização Panamericana de Saúde (Opas), o PT montou uma fachada para justificar a contratação de profissionais médicos cubanos com o único objetivo de ajudar o regime de Fidel Castro, que na ocasião com contrato ainda era vivo. A reportagem que está prestes a completar quatro anos fará parte de uma ação que médicos cubanos, que conseguiram desertar do Programa Mais Médicos, estão movendo nos Estados Unidos contra a Opas.

A íntegra da gravação é a mais poderosa prova de que funcionários públicos brasileiros e do organismo internacional conspiraram para escravizar cerca de 20.000 médicos cubanos que passaram pelo Brasil até o final do ano passado – quando Cuba abandonou o Programa Mais Médicos. Opas sempre negou a participação no crime. Mas o áudio apresentado na reportagem tem quase o poder de uma confissão.

Nele, ficam provados que a Opas não só participou como é a autora intelectual do projeto que pilhou os médicos. A encrenca se torna ainda mais grave, pois a gravação revela os nomes das pessoas físicas envolvidas na conspiração. Caso o juiz da Flórida aceite a gravação como prova, as pessoas que foram gravadas também entrarão na mira das autoridades americanas.

Os advogados dos cubanos apresentarão queixas contra cada um deles. Isso significa levar às barras dos tribunais nos Estados Unidos pelo menos quatro ex-funcionários do Ministério da Saúde do governo Dilma Rousseff e dois ex-empregados da Opas no Brasil.

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O pessoal que adora passar férias em Nova York ou na Disney que se prepare. Havendo condenação, todos terão seus vistos cancelados. O crime de tráfico humano ou escravidão é imprescritível e entra no rol daqueles que impedem de forma definitiva uma pessoa de ingressar legalmente nos Estados Unidos.

Voltando ao jornalismo e às ditaduras. A reportagem brasileira poderá ajudar a colocar um ponto final em um modelo de escravidão moderna realizado por Cuba, com a cumplicidade e cobertura institucional da Opas. Sem dúvida, resultados como esse mostram como o jornalismo vale a pena. Mas conquistas como essa só seguirão ocorrendo se os jornalistas não se abstiverem de fazer jornalismo. Caso contrário, o destino será a irrelevância ou mero ativismo.

*Leonardo Coutinho é jornalista especializado em América Latina e defesa. É autor do livro “Hugo Chávez, o Espectro: Como o presidente venezuelano alimentou o narcotráfico, financiou o terrorismo e promoveu a desordem global”.