Antes de falar do cinematográfico julgamento de Saddam Hussein, vejamos como começou a invasão do Iraque. É provável que o leitor se pergunte: não é uma guerra? A resposta é: não! Foi mesmo uma invasão. Havia mais de uma alternativa para derrubada do ditador Saddam, mas George W. Bush optou pela errada: proclamou uma guerra contra todo o país. O governo Bush não se envergonhou com a falta de apoio moral por parte da comunidade internacional e tampouco com o "não" à invasão, sentenciado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em 2003 o Iraque foi invadido pelo argumento da luta do bem contra o mal e para encontrar a existência das supostas armas de destruição em massa e implantar a democracia no milenar Iraque. Nada disso se realizou. O Império continuou firme "trabalhando pela democracia" no território árabe. Pouco tempo depois, Saddam Hussein foi encontrado e preso em seu bunker. Os americanos não tinham planejado o "pós-guerra" e muito menos sabiam como lidar com uma cultura tão distante da sua; subestimaram a velha Babilônia.
Museus e bibliotecas foram saqueados privando o mundo de alguns objetos de arte de valor histórico praticamente incalculável. Deixemos de lado os abusos da prisão de Abu Ghraib e a inacreditável situação da privação de direitos humanos na base militar dos EUA em Guantânamo, Cuba, que constrangem o Direito. Não ocorreu o tão esperado apoio do povo iraquiano à invasão. Hoje morrem no Iraque, em média, cerca de cinqüenta pessoas por dia, a maioria civis. A situação está fora de controle do comando militar americano a ponto de alguns generais admitirem que é preciso mudar de tática o quanto antes.
Voltemos a Saddam. Mesmo tendo sido um tirano que massacrou milhares de pessoas inocentes, como prisioneiro ele tem direitos. Seu julgamento tem sido um teatro sofrível. Os intermináveis adiamentos e interrupções do julgamento ferem a justiça. Não é isso que se espera da "maior potência democrática do mundo". Aliás, democracia fora dos Estados Unidos parece ter um outro conceito para o governo americano. Recentemente quando da eleição dos senadores americanos, o julgamento de Saddam tomou as manchetes internacionais e a sentença de morte foi eloqüentemente exigida e anunciada. O objetivo era ganhar votos para os republicanos. As urnas mostraram o contrário e Bush foi derrotado. Esta semana, ainda segundo jornais americanos, a atuação do governo Bush no Iraque chegou aos ínfimos 17% de aceitabilidade pela população.
O que mais preocupa é o comentário de que os Estados Unidos querem prosseguir com o julgamento de Saddam Hussein porém, de modo velado, secretamente, inclusive para a execução da pena. Se isto ocorrer, haverá, de imediato, dois aspectos importantes a considerar: o primeiro, é o impacto internacional que isto terá. O segundo, é o desrespeito pela própria justiça. Esses dois aspectos contribuirão para a derrocada moral da maior potência militar do planeta. Seria conduta digna de uma republiqueta. As convenções internacionais sobre direitos humanos teriam que ser revistas. Restaria apenas o lamento pelos milhares de mortos, tanto soldados americanos como soldados e civis iraquianos. Acredito que seria um motivo para mudança de era; não pela morte de um ditador mas, pela injustiça e desrespeito à própria humanidade. Ficaria evidente para todos nós que o governo Bush queria apenas o petróleo e não a democracia iraquiana. Ficaria comprovado que a cruzada fundamentalista do presidente americano concretizou-se nesta região do mundo. Se a intenção do presidente americano é promover um julgamento espúrio de Saddam Hussein, isto não seria um benefício e sim um golpe para a civilização. Espero que isto não ocorra para não que não seja ferid de morte a convenção de Haia e, conseqüentemente, todo aparato jurídico conquistado através da supremacia da razão sobre a ignorância. A razão e o bom senso devem eliminar atitudes obsoletas em se tratando de direitos humanos. Em geral, os árabes vêem a invasão anglo-americana no Iraque como um assalto imperialista contra pessoas indefesas. O que tem ocorrido até aqui lhes dá razão.