Vários diplomatas norte-americanos que trabalham em Havana parecem ter sintomas de concussão sem nem mesmo terem machucado a cabeça, segundo os médicos.
A suspeita era de que tivessem sido vítimas de um "ataque sônico", mas o FBI descartou a possibilidade de janeiro.
Entretanto o relatório dos especialistas, divulgado na publicação JAMA, não soluciona o mistério; pelo contrário, levanta ainda mais dúvidas sobre o que poderia ter causado as lesões.
Os incidentes ocorreram em 2016, quando 18 dos 21 afetados contaram ter ouvido sons estranhos em casa e/ou quartos de hotéis onde se encontravam. Altos, pareciam zumbidos ou metal rangendo, guinchos ou silvos, dependendo do relato.
Muitos disseram perceber um aumento na pressão do ar, como se estivessem andando de carro com a janela meio aberta. Três notaram uma vibração estranha.
Com exceção de uma pessoa, todos tiveram sintomas imediatos: dor de cabeça, dor em um ouvido, perda de audição. Dias ou semanas depois, surgiram outros, incluindo problemas de memória, dificuldade de concentração, variações de humor, dores de cabeça e fadiga.
Depois que o caso veio à tona, os EUA ordenaram que 15 diplomatas cubanos deixassem o país.
Investigação
O Departamento de Estado pediu aos pesquisadores da Universidade da Pensilvânia que investigassem o caso, e o relatório resultante confirmou problemas neurológicos nos diplomatas, incluindo sinais do que parecem ser concussões.
"A análise foi realizada com o grupo mais qualificado do mundo, através de métodos de última geração", declara C. Edward Dixon, professor de Cirurgia Neurológica da Universidade de Pittsburgh, não envolvido na pesquisa. Segundo ele, a descoberta sugere "danos cerebrais significativos".
Outros especialistas se mostraram mais céticos, destacando as falhas inerentes de tal tipo de estudo, a despeito da experiência dos profissionais que o conduziram. Segundo eles, seria prematuro concluir que há uma nova síndrome misteriosa tendo como base um caso desconhecido.
O principal autor da análise, o Dr. Douglas H. Smith, diretor do Centro de Lesões e Reconstrução Cerebral da Universidade da Pensilvânia, enfatizou que ainda há muito que descobrir.
"Esse é um relatório preliminar. Achamos que seria importante divulgá-lo em termos de saúde pública." E acrescenta: "Os sintomas eram inegáveis. Todo mundo que viu os pacientes ficou cem por cento convencido. Parecia alguma patologia ligada à concussão, principalmente por causa da velocidade de processamento e da incapacidade de se lembrar das coisas, que são os sintomas clássicos. Todos nós acreditamos que seja uma verdadeira síndrome. É um tipo de concussão sem o trauma causado pelo golpe na cabeça", acrescenta Smith.
Como acontece com parte dos pacientes que sofrem esse tipo de choque, alguns dos diplomatas melhoraram sozinhos, enquanto outros recuperaram o equilíbrio e/ou a cognição com terapia. "Alguns estavam se sentindo péssimos, mas conseguiram voltar ao trabalho", revela Smith.
Para Smith e seus colegas, não foi o som audível que causou as lesões, já que ele não tem a capacidade de lesionar o cérebro. Eles especulam que talvez algum dispositivo possa ter produzido outro tipo de energia danosa, além dos ruídos, como infrassom de baixa frequência, ultrassom de alta frequência e micro-ondas, que podem afetar o cérebro.
Relatório
Um problema com o relatório é o fato de não ter grupo comparativo, segundo Karen Postal, ex-presidente da Academia Norte-Americana de Neuropsicologia Clínica.
Os pesquisadores se basearam em uma bateria de testes que definem a cognição enfraquecida/comprometida com resultados abaixo de 40 por cento. "Acontece que eles são considerados normais entre 25 e 75 por cento", explica Postal.
Um grupo de controle teria mostrado se os diplomatas de Cuba foram melhores ou piores que outros objetos de análise semelhantes – idealmente outros funcionários do Departamento de Estado que relataram problemas de sono, que podem interferir no pensamento.
"É comum entre pessoas sem lesões cerebrais ter um ou dois resultados baixos quando são submetidas a uma bateria de testes. Eles representam uma variabilidade normal", estabelece Postal.
O Dr. Christopher Muth, neurologista do Centro Médico da Universidade Rush, em Chicago, escreveu um editorial, observando que o relatório deveria ser analisado com cautela.
Sintomas
Os funcionários foram examinados, em média, 203 dias após os supostos acidentes e não se sabe se comentaram os sintomas uns com os outros.
"Dependendo do sintoma, você tem só a palavra da pessoa que o está sentindo", diz Muth.
Porém, ele observa que os examinadores sabiam que os pacientes vinham reclamando de sintomas neurológicos. Como algumas conclusões dependem da interpretação subjetiva do médico, essa pode ter sido tendenciosa.
Uma vez que vários desses sintomas são comuns na população em geral, "você não precisa necessariamente criar uma síndrome para explicá-los. Ao mesmo tempo, não há nenhum diagnóstico simples e imediato para explicar as conclusões do estudo", admite Muth.
O Dr. Lee Schwamm, vice-presidente do departamento de Neurologia do Massachusetts General Hospital, também tem suas dúvidas quanto aos resultados.
"Não quero que ninguém pense que esses pacientes estão inventando tudo isso; claro que eles merecem credibilidade, simpatia e uma avaliação cuidadosa."
Porém, segundo ele, a fragilidade da análise – da qual os pesquisadores não têm culpa alguma – pede calma. Principalmente pelo fato de terem se passado mais de 200 dias antes da avaliação, o que eleva o risco de "memória tendenciosa", ou seja, as recordações passam a se tornar menos confiáveis.
"Temos que manter aberta a possibilidade para o fato de que, em um estado de vigilância e ansiedade redobradas, é normal que vários indivíduos desenvolvam os mesmos sintomas. Às vezes, até uma sugestão pode provocá-los", conclui.
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â Ideias (@ideias_gp) February 19, 2018