Há seis anos em exílio na Europa, Shirin Ebadi, a iraniana que em 2003 recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho corajoso de defesa dos direitos das mulheres e das crianças, revelou que costuma receber ameaças de morte, motivadas pelas suas críticas ao regime, mas que nem por isso vai ficar calada. “Eu não tenho ambição política nem tenho medo de morrer, o meu único compromisso é a defesa dos direitos humanos”, disse, pouco depois de participar de um simpósio sobre o Irã, promovido por uma ONG alemã, lembrando que mesmo com o acordo nuclear de Viena e o fim das sanções o país não chegou mais perto da democracia.
Os líderes do “movimento verde” de 2009 continuam presos, frequentemente há execuções, inclusive de adolescentes, as mulheres continuam oprimidas. Para a advogada de 68 anos, o presidente Hassan Rouhani, eleito há dois anos, não conseguiu cumprir as suas promessas de mais democracia porque “no Irã o presidente não tem nenhum poder, este está apenas com o líder supremo, o aiatolá Khamenei”.
O fim das sanções contra o Irã poderá ajudar no processo de democratização do país?
Eu fiquei feliz com o fim das sanções, porque elas puniam o povo, e não o governo. Nesse aspecto, acho que a medida vai ajudar a melhorar a situação material da camada mais pobre da população. Por outro lado, fiquei decepcionada com os negociadores ocidentais, que mais uma vez demonstraram estar preocupados apenas com a própria economia e a própria segurança. Um erro foi não ter usado a chance para fazer pressão para a melhoria da situação dos direitos humanos no Irã. Os líderes do “movimento verde” Mir Hossein Moussavi e Mehdi Karroubi, continuam em regime de prisão domiciliar. As execuções continuam, nada melhorou.
Quando o presidente Hassan Rouhani foi eleito para suceder Mahmoud Ahmadinejad despertou otimismo entre os iranianos. Até que ponto a situação de direitos humanos melhorou?
Não melhorou. Rouhani fez muitas promessas eleitorais, mas ele já sabia antes de ser eleito que estava de pés e mãos atados. O presidente tem poderes bastante limitados. O dono do poder é o líder supremo, o aiatolá Khamenei.
É verdade que o aiatolá Khamenei, idoso e doente, poderá deixar o poder em breve ou pelo menos a médio prazo?
Muitas pessoas dizem que ele está bastante enfermo. Mas se isso é verdade ou não, não posso dizer.
Eu não tenho ambição política nem tenho medo de morrer, o meu único compromisso é a defesa dos direitos humanos.”
Muitos brasileiros que visitam o Irã ficam surpresos com um país relativamente moderno, onde as mulheres usam o lenço muçulmano, mas são a maioria nas universidades. Na sua opinião, isso é só fachada ou o Irã tem se modernizado?
O Irã é um país com um civilização rica e uma população altamente escolarizada. Se a senhora se refere ao povo iraniano, certamente se trata de um povo moderno. Mas o sistema é até uma contradição, porque é uma ditadura teocrata. Outro aspecto é que o Irã influencia na região, agravando a guerra civil da Síria, abrindo uma outra frente no Iêmen, depois de ter tido um papel importante na guerra civil do Iraque. O Irã interfere também no Bahrein. Quer dizer, o Irã tenta exportar o seu modelo de ditadura teocrata.
O fundamentalismo religioso é então a principal causa do problema no Irã?
O problema não é religioso, mas apenas político. A religião é instrumentalizada para sedimentar o poder ditatorial do “líder supremo”, mas ela não é a causa. A religião é instrumentalizada também para a opressão da mulher, mas eu tenho certeza que a causa da discriminação está na estrutura paternalista da sociedade. As mulheres iranianas lutam ainda com mais convicção pela emancipação do que as europeias. Elas têm acesso à educação. Sessenta por cento dos universitários são mulheres. Trata-se de um paradoxo. Uma mulher pode fazer doutorado na universidade, pode também ser ministra, mas assim mesmo ela continua valendo menos do que um homem perante a lei, mesmo que seja uma comparação com um homem analfabeto. Um homem pode ter quatro mulheres, mas uma mulher que quer se separar não tem nenhum direito. Perde automaticamente a guarda dos filhos. Eu, mesmo como advogada, tenho diante da lei apenas a metade do valor que tem um homem.
Houve algum progresso pelo menos no que se refere à situação das crianças?
Eu acho que não. A idade média de casamento para as meninas é de 13 anos, para os meninos, de 15 anos. Trata-se do aspecto onde as crianças são vítimas da tradição. A maioridade penal é um aspecto ainda mais grave, porque é de nove anos para meninas e de 13 anos para meninos. Isso explica porque também crianças podem ser executadas de acordo com o sistema penal iraniano.
Quando a senhora observa o exemplo nos países da região, vê o perigo de uma guerra civil também no Irã?
Depois dos anos de violência da revolução e da guerra, os iranianos não temem nada mais do que um conflito armado. No momento, a oposição planeja lutar pela democratização mediante o uso de meios apenas pacíficos. Mas é verdade que 80% dos iranianos são contra o regime. A oposição foi sufocada com violência, mas não deixou de existir.
A senhora vive no exílio desde 2009. O seu marido e a sua irmã, que ficaram no Irã, continuam presos? Ainda tem planos de voltar ao seu país?
No começo, foi horrível. Eu estava por acaso na Europa quando o governo começou a sufocar com toda a violência possível, a oposição. Eu sabia que seria presa se voltasse e por isso resolvi permanecer na Europa. O meu marido e a minha irmã, que tinham ficado, foram presos e perseguidos. Mas agora já foram libertados. Assim mesmo, nada voltou a ser como era antes. Os meus bens no Irã foram confiscados. E continuo sendo alvo de ameaças de morte, acusada de danificar a imagem do Irã. Mas eu não admito ser intimidada. Todos morrerão um dia. Eu não admito ficar calada diante da violação dos direitos humanos só porque recebi uma ameaça de morte. As ameaças partem do Irã. Eles querem que cale a boca para continuar violando os direitos humanos sem chamar a atenção do mundo.
A senhora esteve recentemente no Brasil para participar de um evento. Como viu os laços estreitos entre o governo do ex-presidente Lula e o regime de Teerã?
Da mesma forma que critico a política do Ocidente. Prioridade têm os interesses econômicos. Mas eu continuo com a esperança de que o tema democracia e direitos humanos entre na pauta dos interlocutores internacionais do Irã. Regimes, mesmo de esquerda, não podem fazer negócios com o Irã e ignorar como o regime desrespeita os direitos humanos.
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