Para as capitais ocidentais uma década atrás, o agora líder supremo da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, prometia ser o bastião da democracia em uma região repleta de conflitos religiosos. A Turquia era uma aliada da OTAN, entre a Europa e o volátil Oriente Médio. Quando Erdogan quis assegurar um lugar a seu país nas fileiras da União Europeia, apresentou-se como um líder muçulmano moderado e modernizador na era pós-11 de setembro. Correspondia às percepções de que o país estava se tornando uma sociedade liberal regida pela tolerância e pelo Estado de direito.
Mas isso foi antes que ele começasse a acumular poderes supremos, e antes de sua brutal repressão à dissidência após uma tentativa de golpe, dois anos atrás. Foi antes de a Turquia ter chegado a uma crise financeira causada em grande medida por suas tendências autoritárias e pela administração não ortodoxa da economia. O que restava da noção de que seria uma força liberalizante foi totalmente extinta.
Para o Ocidente, Erdogan se transformou de esperança – ele seria a prova de que o Islã e a democracia poderiam coexistir pacificamente – em mais um autocrata, cujo populismo, grandiloquência e desprezo pelos livros contábeis geraram calamidade.
Especialistas regionais afirmam que imaginar o líder da Turquia como um agente do progresso liberal sempre foi algo fantasioso. Erdogan – que atuou como primeiro-ministro do país por 11 anos antes de se tornar seu presidente, em 2014 – forjou sua carreira política com a intenção islâmica de desafiar os limites do secularismo imposto pelo Estado turco.
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Suas primeiras reformas democráticas e a afirmação do controle civil sobre os militares tinham basicamente como meta a entrada no bloco europeu, ao mesmo tempo permitindo que o povo muçulmano da Turquia praticasse sua religião sem a interferência estatal. "Para nós, a democracia é um meio para um fim", declarou Erdogan uma vez.
No entanto, mesmo no país, a União Europeia exerceu uma forte influência na tentativa de modernizar a sociedade. A UE alinhava os interesses comerciais – o acesso ao vasto mercado europeu – à necessidade da democratização. Para cair nas graças europeias, a Turquia aboliu os notórios tribunais de segurança do Estado, ampliou os direitos humanos e eliminou a pena de morte. "Esse é um processo que vai mudar a percepção da vida na sociedade turca. É um mecanismo que vai nos integrar ao mundo moderno e liberal", disse em 2005 o então presidente da Câmara de Comércio de Istambul, Murat Yalcintas.
Se foi realmente assim, hoje a situação parece uma oportunidade perdida.
A Europa nunca se sentiu confortável com a admissão de uma nação esmagadoramente muçulmana, lar de mais de 70 milhões pessoas. Repetidas rejeições entremeadas de sentimentos antimuçulmanos acabaram impacientando a Turquia, especialmente porque a Bulgária e a Romênia conseguiram entrar no bloco europeu, apesar da reputação de corrupção desenfreada.
Caminho abandonado
Nos últimos anos, Erdogan abandonou o caminho reformista ao forjar novas alianças, especialmente com a Rússia e seu líder, Vladimir Putin. Prendeu jornalistas, apreendeu os ativos de oponentes políticos e esmagou a dissidência, acumulando controle total sobre o poder turco. Comanda a economia como uma rede de apadrinhamento, esbanjando crédito para empresas controladas por comparsas, estimulando o crescimento através da dívida.
Sua farra de gastos melhorou a vida dos turcos da classe operária, que compõem a base política de Erdogan, construindo hospitais, escolas, abrindo estradas e outras infraestruturas, e alimentou a expansão da construção fornecendo créditos governamentais e garantias que incentivaram empresas privadas a assumir dívidas alarmantes.
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Os perigos já se acumulavam quando a crise financeira global surgiu, em 2008, levando os maiores bancos centrais do mundo a liberar uma enxurrada de crédito barato. Eles derrubaram as taxas de juros a zero, ao mesmo tempo em que compravam títulos para fazer com que o dinheiro barato fosse abundante.
As pressões que Erdogan sentira para respeitar os limites tradicionais da aritmética haviam desaparecido. O dinheiro era praticamente gratuito, dando-lhe suprimentos infinitos para erguer seus monumentos: construiu um enorme aeroporto em Istambul; prédios de apartamentos encheram os horizontes. A britadeira se tornou a trilha sonora nacional.
"Foi a maneira mais fácil de incentivar a economia. Ele pegou o dinheiro e o usou para seus próprios propósitos políticos", disse Jacob F. Kirkegaard, membro do Instituto Peterson para a Economia Internacional em Washington.
Porém, ao estimular a economia com dinheiro estrangeiro emprestado, Erdogan efetivamente cedeu o controle do destino da Turquia aos financiadores que não respondem a ele, mas ao mercado global.
Problemas agravados
De uns anos para cá, quando o Fed e outros bancos centrais começaram a elevar as taxas, o investimento passou a chegar mais lentamente aos mercados emergentes, pois a preferência era dada aos Estados Unidos, o que gerou problemas desde o México até a Malásia, passando pela Turquia.
O êxodo do dinheiro turco eliminou quase metade do valor da moeda da nação, a lira, no ano passado, o que elevou o preço dos bens importados, forçando os turcos a pagar mais por comida e combustível.
Segundo Kirkegaard,
É um caso clássico de populismo. O crescimento é incentivado por algum tempo, mas há uma conta a ser paga. E quando chega o dia do vencimento, os populistas tendem a ficar mais autoritários e opressivos.
Os problemas da Turquia foram agravados por outras adversidades que, pelo menos em parte, são influenciadas pelas decisões tomadas por governos ocidentais.
Quando a guerra na vizinha Síria se transformou em catástrofe, e quando a administração Obama optou pelo afastamento, milhões de refugiados começaram a chegar. A Europa tentou se proteger desse fluxo, deixando que a Turquia enfrentasse a crise. Os imigrantes disputavam postos de trabalho com os turcos menos qualificados, impondo uma tensão nos serviços do país.
Conforme o conflito se acirrava, deu-se um frágil cessar-fogo entre as forças turcas e curdas, o que deu lugar a uma nova luta. Erdogan usou a retomada das hostilidades combinada com uma tentativa do golpe, em 2016, como razão para uma repressão intensificada aos oponentes, reais ou imaginários.
Trump, o mais novo inimigo
A ação de Trump fez a lira turca cair de novo, ao mesmo tempo em que dava a Erdogan algo útil: a prova ostensiva de que os inimigos da Turquia eram os culpados por seus problemas econômicos.
Independentemente da ótica política, a crise do país foi em grande parte gerada internamente. O autoritarismo de Erdogan destruiu a confiança nas instituições turcas, especialmente no banco central, órgão crucial para estancar a queda econômica.
Em junho, empresas privadas turcas fizeram dívidas em moeda estrangeira que chegaram a US$220 bilhões, de acordo com números governamentais, cerca de um quarto da economia total. Persuadir os acionistas internacionais a estender essas dívidas e poupar as companhias da bancarrota exige que o banco central aumente a taxa de juros, mas Erdogan se negou a isso, alegando, contrariamente à economia básica, que a inflação é causada por uma alta taxa de juros.
Sua relutância em aumentá-la reflete medos racionais: tal movimento sufocaria o crescimento e, provavelmente, mergulhar a Turquia em recessão. Porém, é provável que evitar essa medida equivalha a um caminho mais lento e sinuoso para o mesmo destino, pois os investidores fogem do país e abandonam a lira. Essa atitude pode acabar às portas do Fundo Monetário Internacional com um pedido de ajuda.
Se as coisas chegarem a esse ponto, Erdogan voltaria a uma situação familiar, com o dinheiro nacional amarrado novamente às relações com a Europa e os Estados Unidos, embora não da maneira que ele esperava.
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