Uma corrida armamentista na região da Ásia/Pacífico começa a determinar um rearranjo na geopolítica militar global e a empurrar para o Oriente o que especialistas chamam de “centro gravitacional das forças estratégicas”. Foi ali que os orçamentos com defesa explodiram nos últimos cinco anos. Rússia, Indonésia, Filipinas, Japão e China lideraram esse movimento que deve se manter, ao menos, pelos próximos cinco anos, segundo analistas. A estimativa do Centro IHS Jane de Terrorismo e Insurgência é de que, até 2020, estes países tenham uma fatia equivalente a um terço do total dos gastos do planeta com defesa, contra um quinto em 2010.
Em apenas cinco anos, a Rússia aumentou em 65% o volume das suas despesas militares. A Indonésia, por sua vez, quase dobrou o orçamento no setor, enquanto a China investiu 47% a mais no período, segundo o último relatório do IHS Jane. A necessidade de a Rússia se reafirmar como importante potência militar desde a evidente deterioração da sua capacidade instalada após o fim da Guerra Fria, e o crescimento econômico da China, com a sua inegável e crescente relevância geopolítica, estariam por trás destes números.
“As políticas assertivas da China, além das várias questões territoriais do país com os vizinhos, fizeram com que se armassem. O crescimento chinês tem causado um movimento de ação e reação na região”, ressalta o especialista em Defesa do King’s College, de Londres, Harsh Pant.
Na quinta-feira (31), o Vietnã acusou a China de violação de sua integridade territorial depois que dois aviões chineses pousaram em um arrecife no Mar do Sul da China, quatro dias após uma outra aeronave chinesa ter feito o mesmo. É por esta região, disputada por Brunei, Malásia, Filipinas, Vietnã e Taiwan, que passam, anualmente, mais de US$ 5 trilhões (R$ 20,2) do comércio mundial.
O Japão é um dos países que mais gastaram com defesa nos últimos anos e ampliou os investimentos neste setor desde 2012, na administração do premier Shinzo Abe. Somente em 2015, foram US$ 40 bilhões, o sétimo maior orçamento militar do mundo. O anúncio da Coreia do Norte de que teria feito um bem-sucedido teste com uma bomba de hidrogênio causou nervosismo na região. “As tensões atuais mostram que os desafios na Ásia serão enormes “, enfatiza Pant.
Os Estados Unidos continuam sendo o país que mais gasta militarmente em valores absolutos, US$ 624,9 bilhões –quase 38% dos US$ 1,65 trilhão desembolsados no mundo inteiro no ano passado – deixando muito para trás o segundo e o terceiro colocados: a China, com US$ 175 bilhões, e o Reino Unido, com US$ 65,9 bilhões, respectivamente. Mas, nestes países, e na Europa de maneira geral, os últimos cinco anos foram marcados por sucessivos cortes nos orçamentos de Defesa, sobretudo depois da crise financeira global de 2008, da qual somente agora começam a se recuperar de fato. “Não é exagero dizer que estamos diante de um movimento de reequilíbrio das forças globais, e que isso deve se traduzir no deslocamento das forças estratégicas para o Oriente”, reforça Pant.
“As tensões atuais mostram que os desafios na Ásia serão enormes “
O analista do IHS Jane, Craig Caffrey, afirma que, pela primeira vez desde a sua criação, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) deverá ter seus gastos ultrapassados pelo resto do mundo. Por mais que os recentes atentados terroristas na Europa e o avanço do Estado Islâmico devam aumentar as pressões por uma expansão das despesas com segurança nos EUA e na Europa a partir deste ano, é inegável que o ritmo de crescimento destes gastos estão em queda livre. Trata-se da resposta destes governos a uma cobrança cada vez mais forte por parte da sociedade por mais investimentos em áreas sociais, e ao aprofundamento do debate fiscal.
As tensões no Mar do Sul da China e o aumento dos orçamentos militares parecem ter entrado em definitivo na agenda da corrida presidencial americana. O presidente da Câmara dos Representantes americana, Paul Ryan, criticou a administração de Barak Obama e defendeu uma Marinha forte: “ Não podemos ter um presidente que proponha diminuir a nossa frota para níveis pré-Primeira Guerra Mundial”.
Segundo Craig Caffrey, o centro gravitacional está, sim, mudando-se para a Ásia. A Rússia é de longe o país que mais tem ampliado proporcionalmente os seus gastos com Defesa. O aumento em 2015, quando foram gastos US$ 54 bilhões, apesar da queda recorde do preço do petróleo e das sanções econômicas a que foi submetida pelo Ocidente desde a guerra na Ucrânia, aumentou em 25% a participação militar do orçamento. O governo de Vladimir Putin estaria gastando mais, na avaliação de Caffrey, para, a um só tempo, se afirmar no cenário global e fazer frente ao incremento da China. A ideia é não ficar para trás e garantir a sua posição de potência bélica. “Ainda que esteja cortando em outras áreas, sociais inclusive, a Rússia se deu conta de que tinha um poderio militar grande, porém ultrapassado”, afirmou Caffrey.
O aumento dos gastos na China, Filipinas, Indonésia, Vietnã e outros asiáticos ocorre por várias razões. A primeira é que o crescimento econômico nestes países ainda é sólido, o que permite que gastem mais sem maiores esforços - diferentemente do que acontece na Rússia. Segundo Caffrey, a hegemonia chinesa estaria por trás do movimento nos outros países, ao perceberem que não deram prioridade à Defesa nos últimos anos: “Os números mostram que estamos num mundo cada vez mais multipolar e complexo.”
Mas não é só isso. Segundo o professor da King’s College, os americanos podem estar repensando o seu papel de garantidor da estabilidade neste lado do planeta. Segundo Pant, a Europa deve ter um papel cada vez mais irrelevante na região, na expectativa de que os americanos venham a ocupar o espaço. Mas ainda é cedo para dizer o que os EUA, que hoje têm no Japão, Coreia do Sul e Austrália fortes aliados na região, farão daqui para frente.
No mundo inteiro, os gastos com armamentos e Defesa continuam crescendo. Devem chegar US$ 1,68 trilhão este ano, pelas contas do IHS Jane. No Oriente Médio, onde as tensões também têm crescido diante dos desentendimentos entre a Arábia Saudita e o Irã, os gastos seguem aumentando. A Arábia Saudita tem hoje o oitavo maior orçamento do mundo.”Eles se creem os garantidores do equilíbrio na região “,finaliza Caffrey.
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