Depois de ser empossado e assumir a presidência, em 1º de dezembro, Andrés Manuel López Obrador discursou no Congresso, abordando todos os pontos de sua política nacionalista: combate à pobreza, estímulo ao desenvolvimento social, fortalecimento do Estado de direito e a guerra à corrupção.
A grande ausência da fala foi a referência específica a uma das questões mais urgentes de seu jovem governo: os milhares de migrantes que atravessam o país em caravanas e agora estão reunidos em Tijuana, bem na fronteira com os EUA.
López Obrador fez campanha com uma plataforma centrada no auxílio à população, mas a crise de Tijuana escancarou os desafios representados pelo êxodo migratório em larga escala na região e a pressão que exerce sobre a relação do México com a América Central, origem da maioria dos migrantes, e com os EUA, para onde eles se dirigem.
O agrupamento na fronteira também põe na berlinda as dificuldades enfrentadas pelo país como destino de migrantes, e não só como nação de passagem, com um aumento dos pedidos de asilo e de outros tipos de assistência que afetam um sistema despreparado para esse tipo de demanda.
"Essa crise revelou que os sistemas instaurados para lidar com a imigração, tanto nos EUA como no México, não funcionam e não têm condições de solucionar o problema que temos nas mãos", constata Carlos Heredia, professor da CIDE, na Cidade do México.
"A presença das caravanas e a pressão que elas representam para a região estão forçando o México e a América Central a abordar a questão como nunca foi feito antes", prossegue.
"O fato é que as elites econômicas e políticas mexicanas e centro-americanas há muito lidam com a imigração como se fosse um problema exclusivo dos EUA, alegando que é para lá que as pessoas querem ir, que é melhor não se envolver. Só que a coisa explodiu de tal forma que ninguém mais pode se esconder por trás de uma desculpa esfarrapada e antiga, o que não deixa de ser positivo", completa.
O ministro do Exterior de López Obrador, Marcelo Ebrard, esteve em Washington no início do mês para uma reunião com membros do gabinete de Trump para discutir, entre outras coisas, a migração. Os governos estão tentando concretizar um plano para exigir dos migrantes em trânsito pelo México e buscando asilo nos EUA que permaneçam em terras mexicanas até a conclusão do procedimento, o que pode levar anos.
A proposta é da administração Trump como estratégia para aliviar o fardo do sistema norte-americano, há muito sobrecarregado, e representaria uma mudança radical na forma como a coisa funciona hoje. Segundo as práticas atuais, aquele que pedir asilo e receber a aprovação inicial na fronteira pode permanecer nos EUA enquanto o processo estiver em andamento.
O número de pedidos de asilo nos EUA disparou nos últimos anos, agravando o volume estratosférico de requisições que já atravancam os tribunais, nos quais se encontram mais de 760 mil casos pendentes, segundo dados da Universidade de Syracuse. Mas o plano pode ser altamente impopular no México.
"Além das dificuldades óbvias impostas por um sistema saturado e uma burocracia insuficiente para lidar com a questão, a aceitação será complicada, porque fará surgir a questão do 'E o que ganhamos com isso?'", diz Carlos Bravo Regidor, professor da CIDE.
Em troca de sua anuência, os mexicanos esperam que Trump contribua com seu peso político e verba para a criação de um plano abrangente que amenize os fatores de motivação, ou seja, a pobreza e a violência, que fazem com que os centro-americanos deixem seus países de origem.
Em 1º de dezembro, López Obrador, os presidentes da Guatemala e Honduras e o vice de El Salvador assinaram um tratado para desenvolver esse tipo de estratégia, que as autoridades mexicanas já comparam ao Plano Marshall, a iniciativa de reconstrução da Europa Ocidental liderada pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial.
Acontece que esse é um projeto complicado, que levará tempo para ser desenvolvido. Em curto prazo, López Obrador e seus parceiros locais e regionais do estado fronteiriço de Baja California, onde fica Tijuana, têm de lidar com as implicações decorrentes do excesso não planejado de gente.
A primeira caravana saiu de Honduras em meados de outubro e foi engrossando pelo caminho até conter mais de quatro mil pessoas, muitas tendo se juntado à multidão para aproveitar o que consideram a maneira mais segura e barata de chegar aos EUA.
E, quando chegou a Baja California, se deparou com outros grupos semelhantes, com destino ao norte. No total, cerca de oito mil migrantes se encontraram na fronteira, parando em Tijuana.
As autoridades municipais e estaduais, com o auxílio de grupos civis, tiveram de se virar para acomodar todo mundo, abrindo um abrigo temporário em um ginásio de esportes que rapidamente lotou, alcançando o dobro de sua capacidade.
De uns dias para cá, as filas andam longas no centro temporário de Tijuana, onde agências estaduais e federais vêm ajudando os estrangeiros na requisição de legalização no México e na procura de emprego.
O governo lhes oferece duas opções: asilo ou visto humanitário, válido por um ano e renovável. Quem requisitar o primeiro tem direito a atividade remunerada enquanto o processo estiver em andamento, enquanto que o segundo já inclui a permissão de trabalho.
Segundo informações do governo federal, uma semana atrás, mais de 600 centro-americanos dos comboios conquistaram o documento e mais de 400 deram entrada no pedido de asilo no México.
A proporção na qual os migrantes passaram a se registrar para legalizar sua situação aumentou bastante depois que os agentes norte-americanos tiveram de usar gás lacrimogêneo para intimidar as centenas de pessoas que se afastaram dos protestos e correram rumo à fronteira.
Para muitos, a opção humanitária parece mais atraente porque, ao contrário do asilo, permite uma flexibilidade maior na hora de considerar a moradia.
Além disso, o tempo de processamento é bem menor, com as autoridades prometendo a conclusão do requerimento em duas semanas. As petições de asilo, por outro lado, chegam a levar de seis meses até um ano, mesmo que a lei estipule um prazo máximo de três meses.
Mesmo antes do fenômeno das caravanas, o sistema mexicano já estava assoberbado devido a um número muito maior que o normal de requisições de migrantes que escolheram o país como santuário.
Em 2017, foram mais de 14.600 pessoas, ou onze vezes mais que em 2013, segundo estatísticas oficiais. E, durante os primeiros oito meses de 2018, foram 14.544 pedidos, 50 por cento a mais que no mesmo período do ano anterior. A ONU estima que 47 mil se inscrevam em 2019.
Já os migrantes tentam entender as consequências de suas escolhas – ainda que, para muitos, nada supere a atração exercida pelos EUA, cujo fascínio atrai o maior volume de migração do hemisfério.
Recentemente, encontrei o hondurenho Oscar López Davila, 31 anos, em um centro temporário de processamento, explorando os prós e contras do visto humanitário em relação ao asilo.
"A verdade é que eu quero mesmo é ir para os EUA. Minha intenção é esperar baixar a poeira da comoção causada pelas caravanas e aí tentar descobrir um jeito, legal ou não, de ir para lá. Posso até ficar aqui um ano, esperar a coisa se acalmar... mas meu sonho é mesmo americano", conclui.
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