A cientista política guatemalteca Gloria Álvarez é uma importante voz contra o populismo na América Latina. Libertária, ateia e plantadora de árvores, como se identifica em suas redes sociais, Glória lançou sua candidatura à Presidência da Guatemala nas eleições deste ano, aos 34 anos.
Ela ganhou fama mundial após um vídeo com o seu discurso sobre os males do populismo ter sido visto por mais de 1,5 milhão de pessoas em 2014.
Gloria está no Brasil para divulgar os seus livros e para uma corrida agenda de palestras em diversas capitais. O tour continua por outros países da América do Sul.
Em Curitiba, Glória Álvarez falou com a Gazeta do Povo nesta sexta-feira (12) durante um encontro na Associação Comercial do Paraná.
Por que você decidiu se candidatar à presidência?
Primeiro, para elevar o nível do debate. Porque o nível do debate e a oferta política na Guatemala dão vergonha. Nós passamos por um período de descontentamento político que nos levou a escolher um comediante [Jimmy Morales, ator comediante e atual presidente do país]. Eu não votei por ele, mas escolheram esse comediante, que em quatro anos não fez nada. E agora, se ele não fizer algo, a Guatemala vai cair em um nível de apatia. Então, me ocorreu apresentar a minha campanha presidencial para que as pessoas comecem a pensar que sim, há uma possibilidade de propostas concretas, só que os candidatos não querem fazê-las.
Na Guatemala, há uma lei que impede que pessoas com menos de 40 anos assumam a presidência. Como é essa questão?
É isso mesmo. E, de fato, ao final do meu vídeo eu digo: lembrem-se que a Constituição, que tem a minha idade, é de 1985, diz que é preciso ter 40 anos para ser presidente. O meu objetivo é que os guatemaltecos se questionem por que seguem leis que não têm lógica alguma e nem base científica. Eu sabia de antemão que não iria poder concorrer, e a minha intenção era deixar a proposta para começar a abrir esse questionamento, e conseguimos, isso é bom.
A lei foi mudada?
Ela pode ser [mudada]. Mas isso exigiria a vontade das pessoas. Eu apresentei a candidatura 15 dias antes do prazo final do Tribunal Supremo Eleitoral para se apresentar candidatos. Para exemplificar que, se quisessem, a lei poderia ser mudada, mas isso requer que as pessoas se movam.
Você é autora dos livros "Cómo hablar con un progre" [Como falar com um progressista, sem versão em português] e "Cómo hablar con un conservador" [Como falar com um conservador, também sem tradução para o português]. Esses dois grupos a incomodam, ou você se identifica com algum deles?
Me incomodam, porque um corta a sua liberdade econômica, e o outro quer lhe dizer como viver a sua vida, porque creem que só há uma maneira moral e ética de viver a vida. Afinal, são grupos que dividem a sua liberdade e o limitam.
Como você avalia a recente virada à direita de países da América Latina? Primeiro, você acredita que há um movimento à direita na região?
Sim. O que me preocupa é que a direita, quando governa, governa de maneira mercantilista, e não com o livre mercado. De fato isso foi o que houve nos anos 1990. Oligopólios, que venderam a ideia de livre mercado mas fizeram privatizações para eles e seus amigos. E sempre com protecionismo, tarifas e mercados restringidos. É simplesmente como socialismo carnívoro ou socialismo vegetariano. Mas, ao final, neste continente nunca há um livre mercado absoluto, e nos anos 1990, o problema com os mercados protegidos é que eles criam oligarquias. E o problema com as oligarquias, é que elas criam ressentimento para as pessoas pobres. E o problema é que quando as pessoas pobres se cansam, elas vão para um messias populista, como um Chávez, ou um Lula, ou um Evo Morales. E o problema é que quando esses socialistas governam, não acabam com a corrupção das oligarquias, mas sim eles formam oligarquias e levam a corrupção a outro nível.
O que me preocupa é que a direita, quando governa, governa de maneira mercantilista, e não com o livre mercado
Por exemplo, a Odebrecht – que não é da direita corrupta, é do Lula e do socialismo do século 21 – é o pior caso de corrupção da história da América Latina. E quando esse modelo colapsa, as pessoas então se voltam para a extrema direita. E quando a extrema direita cria oligarquias, com protecionismos, e os pobres se cansam, eles se voltam ao messias socialista.
E assim vivemos neste continente; nos queixamos dos governos, dizemos que nos roubam e que são corruptos, mas queremos que o governo controle tudo. E um governo que controla tudo rouba tudo.
O que eu penso do atual pêndulo à direita? Tomara que não repitam os anos 1990.
Quais são os desafios para o avanço das ideias liberais na América Latina?
O maior desafio é que as pessoas querem se sustentar em seus próprios pés. Ou seja, as pessoas querem a liberdade, mas não gostam de tomar a responsabilidade. O problema neste continente é que tem muita gente que tem pavor da liberdade, e preferem a ilusão de que alguém mais se encarregar de sua vida. Como postular suas ideias libertárias que não oferecem nada de graça a ninguém? Que não oferecem um paraíso na Terra, quando existem tantos populistas? Esse é o maior desafio das ideias libertárias. Ainda assim, creio que está crescendo o interesse porque as pessoas se cansaram, se cansaram da esquerda da direita.
O problema neste continente é que tem muita gente que tem pavor da liberdade, e preferem a ilusão de que alguém mais se encarregar de sua vida
O populismo não vai acabar nunca?
A humanidade se move em ciclos. Há ciclos de miséria, há ciclos de escravidão, há ciclos mais livres. O problema é que a América Latina, em todos os ciclos, não abandona uma mentalidade populista: o caudilho, o ditador, a coroa. Sempre se está buscando que o indivíduo viva por um Estado em todas suas facetas. E a direita também não acaba com isso. Tomara que acabem, tomara que haja livre mercado de verdade. Porque se houvesse livre mercado, as pessoas não ficariam marginais na pobreza, e então os populistas não teriam caldo de cultura para voltar a ressurgir.
Qual deveria ser o papel do Estado, em sua opinião?
Para mim, o papel do Estado [deveria ser] limitado a garantir segurança e justiça. Creio que um Estado bom é um Estado limitado. Forte, mas limitado, onde sua maior tarefa seja garantir a igualdade perante a lei, que é a igualdade sobre a qual ninguém fala. Ou a desigualdade sobre a qual ninguém fala nesse continente. Todo mundo está obcecado com a desigualdade material, mas ninguém fala da pior desigualdade de todas, que é a desigualdade perante a lei. E como há desigualdade perante à lei, não há respeito pela vida, não há respeito pela propriedade privada e não há respeito pela liberdade. Nenhum indivíduo pode seguir adiante se esses três direitos humanos, fundamentais, não estão garantidos.
Creio que um Estado bom é um Estado limitado
Nossos governos fazem muito o que não têm que fazer, e muito pouco do que têm que fazer. De fato, os organismos judiciais em todo o continente são os menos financiados e os menos livres. Por isso as pessoas estão erroneamente obcecadas em crer que o Executivo é o mais importante dos poderes. "Quem vai ser o próximo presidente?" Cremos que com a mudança de presidente mudamos magicamente, quando o poder mais importante de todos é o Judiciário. Esse é o que deveria ter o maior orçamento e maior importância. Porque o Judiciário determina que as leis sejam iguais para todo mundo. O presidente é irrelevante.
É como uma empresa, de que adianta ter um gênio como CEO se não há visão, missão ou valores? Se não há objetivos, se não há metas mensuráveis? Isso é o que dá o Estado de Direito, que é o que não temos.
Para mim, a única tarefa do Estado é segurança e justiça. Eu creio na separação absoluta de Estado e economia, e de Estado e educação, como há a de Estado e religião. Para mim, são três coisas que não têm como estar no governo.
O Judiciário é o mais importante?
Sim. Para mim é: Judiciário, Legislativo e Executivo. Porque da Constituição, do que estabelecemos que é justo em um país, se desprendem os castigos e o sistema de méritos que vai haver em um país. Desse sistema de méritos e castigos devem sair as leis – leis congruentes. E essas leis são o que o presidente deveria executar.
Aqui é totalmente o inverso. Temos leis incongruentes. Por exemplo: na Guatemala, se garante a propriedade privada no artigo 2 ou 3 da Constituição, mas há um artigo depois do 40 que diz que o Estado pode te expropriar sempre que considere [que existe uma] emergência nacional. Quem é o Estado? Os burocratas que estão no turno. O que é uma emergência nacional? O que ocorrer aos loucos que seja uma emergência nacional. Como temos regras do jogo que se tornam incongruentes, temos uma justiça que é discricionária, e temos legislativos que legislam questões incongruentes. Então as pessoas põem todas as suas esperanças no Executivo. O cara não pode operar fazendo magia. Então, para mim, o Judiciário é super importante.
Como você viu a decisão [do presidente americano] Donald Trump de cortar a ajuda para Guatemala, Hondura e El Salvador? Em primeiro lugar, você acredita que esse tipo de ajuda é eficaz para resolver crises internas?
Me parece fantástico. Essa ajuda não é ajuda. A melhor ajuda é o emprego. O sistema de ajuda internacional, e há excelentes livros sobre isso – da africana Dambisa Moyo, por exemplo, que escreveu "Dead Aid", ou de William Easterly, "The White Man's Burden". O sistema de ajuda internacional, que vem desde 1948, já gastou US$ 3 trilhões desde que iniciou. E as crianças continuam morrendo de diarreia, de malaria, e continua havendo pobreza. É evidente que o sistema de ajuda só criou parasitas que não estão interessados em acabar com a pobreza, porque vivem da pobreza. "Lords of poverty" [senhores da pobreza] que vivem no primeiro mundo, falando da pobreza no terceiro mundo.
É evidente que o sistema de ajuda só criou parasitas que não estão interessados em acabar com a pobreza
O que acaba com a pobreza é o livre mercado. O grande favor que Trump pode nos fazer é cortar toda a ajuda e fazer que todos os produtos da Guatemala e da América Central possam entrar livremente e competir, e vice-versa. Isso é o que acaba com a pobreza.
Uma estimativa diz que se as taxas de migração se mantiverem, até o final do ano, cerca de 1% da população de Guatemala e Honduras terão saído do país. Quais são as causas dessa crise?
Primeiro, sobre a população da Guatemala. Todo mundo especula, porque estamos há 15 anos sem ter um censo. Assim, quem sabe quantos somos? Quem sabe quantos somos pobres, classe média? Não há dados. Sabe-se que existem cerca de 2 milhões de guatemaltecos nos Estados Unidos, e se calcula que somos 16 milhões no país. O que não se mede não se pode saber se está progredindo.
As causas da saída dos latino-americanos: votam por governos socialistas, arruínam os seus países, e logo esperam que os Estados Unidos sejam um paraíso capitalista. Em lugar de ficar em seus países para tratar de arrumá-los. E depois vão aos Estados Unidos exigir aos políticos gringos as coisas que não exigem aos seus políticos em seu país.
Votam por governos socialistas, arruínam os seus países, e logo esperam que os Estados Unidos sejam um paraíso capitalista
A melhor política contra a migração, novamente, é o livre mercado. Se o seu país progride, você tem menos incentivos para sair. Por que as pessoas vão embora? Pela desigualdade perante a lei. Em Guatemala é muito difícil ser empreendedor. Porque é preciso saber a qual burocrata pagar todos os subornos, e a corrupção para legalizar a sua empresa, se não trabalha na informalidade – 80% da economia é informal, porque é muito difícil ser formal.
Para mim, essa é a maior causa da migração. Não é que a Guatemala tenha uma violência espantosa; é a falta de oportunidade e a falta de certeza jurídica. As pessoas não vão para os Estados Unidos para que lhes deem as coisas de graça, mas sim para que as deixem trabalhar.
O livre mercado é o remédio para todos os males?
Todos os males. Um professor me disse que se eu tivesse uma farmácia, quando chegasse alguém com uma doença, eu lhe daria um papel em que estaria escrito: "não se preocupe, porque o mercado cura tudo".
Mas é que não se deve ver o livre mercado como um santo dogmático. São bilhões de pessoas tomando milhares de decisões a cada segundo. Cada uma decidindo a quanto vender e a quanto comprar. Sem coerção, sem violência, e sem que ninguém os impeça. Para mim, esse é o melhor método; não é perfeito, não é mágico. Mas é muito melhor do que a pretensão de que entre todos esses indivíduos há alguns que são mais sábios, e que estando sentados na burocracia podem controlar a economia. Se desconfiamos do indivíduo por ser tonto, não vejo por que confiar nele na burocracia para controlar a economia. De fato, é melhor que esteja disperso, porque assim os custos são absorvidos por cada um. A liberdade não é perfeita, mas pelo menos garante que ninguém mais tome as decisões por um. E isso é o que necessitamos nessa região.
Qual é a sua opinião sobre a situação na Venezuela, você acredita que uma transição para a democracia é possível no curto prazo?
Não sei. Mas te digo o que eu faria com a Venezuela. Primeiro, estrangularia diplomaticamente essa ditadura. Para mim, parece hipócrita por parte dos nossos países, ter embaixada em nossos territórios. O que estamos [fazendo] é aceitar essa ditadura, porque há embaixadores e burocratas que estão vivendo de um salário que custou o sangue dos venezuelanos. Todos os nossos países, exceto o Peru, que foi o único que retirou a embaixada, seguimos em cima do muro. "Pobrezinhos dos venezuelanos", mas todos temos embaixadas da ditadura. Primeiro, eu queria estrangular diplomaticamente essa ditadura, expulsar a embaixada.
O segundo é um plano de emergência de migração, para que os venezuelanos possam chegar aos países e ser bem-vindos. Querem trabalhar? Podem trabalhar. Se quiserem trabalhar por menos do que o salário mínimo, perfeito. Iria ajudar a essa pobre gente a sair e ter oportunidades. Depois disso, se invadirem militarmente a Venezuela ou não, para mim é irrelevante.
O problema é que nós vivemos em um continente onde temos políticos que preferem ficar bem do que fazer o correto. Por que temos esses políticos? Porque nós, os eleitores, votamos por isso. Não gostamos que nos falem de livre mercado, não gostamos que nos falem de separar o Estado da economia, não gostamos que nos digam que o Estado vai ser pequeno, não nos importa quanto o governo nos roube, queremos mais governo. Essa é a nossa realidade.
Nós vivemos em um continente onde temos políticos que preferem ficar bem do que fazer o correto
Todos os organismos agiram muito tarde. Até o ano de 2015, a ONU tinha a Venezuela em sua comissão de direitos humanos. Os organismos internacionais foram os últimos a atuar quando já vínhamos gritando fazia anos.
E todo esse pessoal, Oliver Stone, Naomi Campbell, Michael Moore, onde estão agora? Eu não os vejo recebendo refugiados venezuelanos em sua casa, ou pedindo perdão por apoiar o regime. Nessa região, a princípio todo mundo [apoiava Hugo Chávez], e quando tudo dá errado, começam a tomar medidas. Mas são medidas muito covardes.
Algum país da América adota o livre mercado como você prega?
No momento, não. Até o Chile está tratando de mudar a sua constituição, de reverter as coisas que fizeram o país ter maior qualidade de vida. É muito difícil, porque dar apoio a um político neste continente é dar um tiro no pé.
Veja o [presidente da Argentina Mauricio] Macri. Ele se candidatou com ideias libertárias e conseguiu se endividar com o FMI [Fundo Monetário Internacional] em US$ 30 milhões. Isso é o que tem de libertário?
É muito difícil que a gente possa dizer que um político é exemplar. Há medidas que me parecem exemplares, coisas concretas. Mas se há um regime, não. Nenhum que faça o suficiente.
Como você classifica o governo [do presidente do Brasil] Jair Bolsonaro?
Espero que ele cumpra tudo o que prometeu. Espero que quando ele saiu em uma foto com o livro "A Lei" de Frédéric Bastiat não tenha sido só uma foto; espero que ele o leia e o aplique, e que se dê conta de que a lei não está para controlar nem a economia e nem a liberdade individual das pessoas. Espero que o sistema de previdência, que querem reformar, [seja capitalizado], espero que baixem os impostos, e espero que não se retratem. Porque entendi que um sindicato agrícola se levantou e ele então disse "melhor não falar disso, então". Espero que, se está no poder, que não seja um Macri parte 2.