Nas democracias são as leis que garantem e limitam as liberdades. A comunidade internacional se inspira em declarações solenes que reconhecem os direitos invioláveis do homem, como a liberdade de expressão, que é condição indispensável para usufruto de muitas outras liberdades.
Na internet, por muito tempo celebrada como o reino da verdadeira liberdade, verificam-se atualmente restrições, limitações e censuras que com o passar do tempo arriscam contaminar fortemente seu caráter democrático.
O caso mais impressionante verificou-se no dia 8 de janeiro, com a decisão de Twitter e Facebook de suspender os perfis pelos quais o presidente em fim de mandato dos Estados Unidos, Donald Trump, interagia com seus seguidores.
A partir daí, uma escalada de polêmicas e reações que, independentemente da cor política, colocaram em evidência a ambiguidade do papel das redes sociais na dinâmica da liberdade de expressão. Tratam-se de guardiãs e censoras das opiniões disformes das opiniões dominantes ou de sujeitos privados totalmente respeitadores da liberdade de expressão e interessados apenas nas implicações comerciais e publicitárias do tráfego gerado em suas plataformas?
O debate está apenas no início, mas nesta segunda-feira (11) registraram-se algumas posições de autoridades que ajudarão a aquecê-lo .
O debate começou com as declarações de alguns analistas que acusaram Trump de ter-se beneficiado, para sua ascensão ao poder, de notícias falsas veiculadas nas redes sociais. Além disso, alguns de seus oponentes argumentaram que o ataque de seus partidários ao Capitólio, em Washington, começou com essas notícias falsas.
Mas, independentemente da cor política, na Europa e no resto do mundo, autoridades governamentais relevantes tomaram partido contra o Facebook, o Twitter e outros gigantes da web.
Ainda mais após o encerramento, nesta segunda-feira, do Parler, plataforma social utilizada principalmente pelos fãs de Trump e por militantes de direita. A mídia social ficou offline depois de ser banida de Apple, Google e Amazon.
O cerne da questão é precisamente confiar a sujeitos privados as chaves da liberdade de expressão, que é o sal das democracias. Daí também a necessidade de um enquadramento legal para as plataformas, ao nível das responsabilidades e da licitude de algumas condutas.
Muitas são as esperanças de introdução de um controle “imparcial” dos conteúdos, uma espécie de autoridade que possa delimitar o perímetro dos direitos dos utilizadores, retirando dos gestores da plataforma todo o tipo de fiscalização. Mas mesmo essa hipótese se presta a acusações de arregimentação das opiniões.
Segundo Joseph Borell, alto representante da União Europeia, “é preciso regular melhor os conteúdos das redes sociais, respeitando escrupulosamente a liberdade de expressão, mas não é possível que este regulamento seja implementado principalmente de acordo com regras e procedimentos estabelecidos por entidades privadas”.
A chanceler alemã, Ângela Merkel, também se dissocia do que a mídia social tem feito com Trump. “É possível interferir na liberdade de expressão, mas dentro dos limites definidos pelo legislador, e não por decisão da direção de uma empresa - explicou seu porta-voz, Steffen Seibert, em entrevista coletiva. Por isso, a chanceler considera problemático que as contas do presidente americano nas redes sociais tenham sido definitivamente encerradas”.
Até o comissário europeu para o mercado interno, Thierry Breton, expressou sua “perplexidade” com a decisão das plataformas de banir o presidente americano Donald Trump das redes sociais “sem controle legítimo e democrático” e relançou o projeto europeu para regulamentar os gigantes da web.
“O fato de um CEO poder desligar o alto-falante do presidente dos Estados Unidos sem qualquer controle e avaliação é desconcertante”, disse Breton. “Não é apenas uma confirmação do poder dessas plataformas, mas também mostra as profundas fragilidades na forma como a nossa sociedade se organiza no espaço digital”.
A questão da responsabilidade legal das plataformas está, portanto, chegando ao ápice. Eles rejeitam o papel de editores, mas não podem e não devem censurar opiniões ou encerrar contas com base na avaliação do conteúdo postado pelos usuários.
A ambiguidade deve ser resolvida, considerando que o conceito de fake news, incitamento ao ódio e violência deve ser aplicado caso a caso e, portanto, não pode ser tomado como um parâmetro objetivo para censurar uma conta para sempre.
Se um sujeito privado, de natureza societária e comercial, portanto sem legitimidade democrática e investidura popular, intervém de livre e espontânea vontade no gozo dos direitos garantidos pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, significa que é necessário interrogar-se seriamente sobre a natureza da rede e sobre as regras necessárias para impedir outras demonstrações de força por parte dos gigantes da web.
É preciso introduzir, através de um sistema de freios e contrapesos, um equilíbrio virtuoso entre a liberdade comercial, liberdade de expressão e outros direitos individuais garantidos por sistemas jurídicos nacionais e internacionais.
Aliás, a UE já comunicou que pretende tratar da regulamentação jurídica das redes sociais o mais rapidamente possível, equilibrando as necessidades e expectativas de todos, evitando a anarquia, mas também a censura antidemocrática.
Ruben Razzante é professor de Direito da Informação na Universidade Católica de Milão.
©2020 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano.
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