O presidente americano, Joe Biden, se diz um “católico devoto” e “pessoalmente pró-vida”, mas já tomou várias atitudes de estímulo ao aborto no seu governo, sob o argumento de que não pode impor sua religião aos outros.
A divulgação na imprensa americana de um rascunho de uma decisão majoritária da Suprema Corte, que deve derrubar a jurisprudência federal sobre o aborto nos Estados Unidos, reavivou o conflito de Biden com a doutrina da Igreja Católica.
Na semana passada, Biden informou que ordenou aos advogados da Casa Branca que preparem “opções para uma resposta da administração ao ataque contínuo ao aborto e aos direitos reprodutivos” caso a revogação da jurisprudência do caso Roe vs. Wade seja confirmada.
“O direito de uma mulher escolher é fundamental. Roe foi a lei do país durante quase 50 anos. A igualdade exige que não seja anulada”, alegou Biden.
Curiosamente, nos anos seguintes a Roe vs. Wade, ele se opunha fortemente ao aborto. Senador por Delaware em 1973, ele disse à época que a Suprema Corte foi “longe demais” na decisão. Nos anos 1970 e 80, Biden votou a favor de uma emenda para proibir o financiamento federal de abortos e foi autor de outra para vetar recursos para pesquisas estrangeiras sobre o assunto. Em 1982, apoiou uma proposta de emenda constitucional para derrubar Roe vs. Wade.
Entretanto, Biden mudou sua opinião ao longo dos anos, o que causa indignação em figuras importantes da Igreja Católica americana.
No ano passado, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB, na sigla em inglês) aprovou um documento sobre a Eucaristia que prega a defesa dos nascituros e reitera como “escândalo” a rejeição dos católicos “em sua vida pessoal ou profissional” a doutrinas ou ensinamentos morais da Igreja.
O documento não cita Biden nem orienta que seja negada a comunhão a políticos católicos que apoiam o aborto, mas reforça que “os leigos que exercem alguma forma de autoridade pública têm uma responsabilidade especial de incorporar os ensinamentos da Igreja”.
A negativa da comunhão chegou a ser debatida devido à insatisfação de bispos católicos com a posição pró-aborto de Biden. Em novembro de 2020, poucos dias após o democrata ser eleito presidente, Joseph Strickland, bispo de Tyler, Texas, pediu no Twitter que Biden “se arrependa de sua discordância do ensinamento católico sobre aborto e casamento [o presidente apoia o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo], para sua própria salvação e para o bem de nossa nação”.
Em outubro do ano passado, poucos dias antes de Biden se reunir com o papa Francisco no Vaticano, Thomas Tobin, bispo de Providence, em Rhode Island, pediu que o sumo pontífice confrontasse o presidente americano sobre o aborto.
“Querido papa Francisco, você declarou corajosamente que o aborto é 'assassinato'. Por favor, questione o presidente Biden nesta questão crítica. Seu apoio persistente ao aborto é uma vergonha para a Igreja e um escândalo para o mundo”, escreveu no Twitter.
Após a reunião com Francisco, Biden disse à imprensa que o tema aborto não foi discutido durante o encontro, mas que o papa teria afirmado que o presidente americano poderia “continuar recebendo a comunhão” porque seria “um bom católico”.
Tobin manifestou sua decepção em seguida. “Temo que a Igreja tenha perdido sua voz profética. Onde estão os João Batistas que enfrentarão os Herodes de nossos dias?”, criticou.
“Ponto de ruptura”
Na semana passada, após Biden afirmar que pretende tomar medidas caso a revogação de Roe vs. Wade seja confirmada pela Suprema Corte, houve mais críticas.
“Vamos ser completamente honestos. Joe Biden é um herege. Um apóstata. Qualquer bispo que não reconheça isso, que não o chame ao arrependimento, ao sacramento da confissão e não insista para que ele corrija seu erro como um católico professo está errado. Desculpem, este é o momento de dizer a verdade”, disparou o diácono Keith Fournier, editor-chefe do site Catholic Online.
Strickland, por sua vez, fez outro apelo a Biden. “Senhor presidente, o senhor está errado, completamente errado, e à medida que continua a impulsionar esta agenda, o senhor contribui para a divisão nesta nação até o ponto de ruptura. Eu oro para que seu coração endurecido se abra para a santidade da vida do nascituro e da mãe”, afirmou o bispo.
A exemplo do documento sobre a Eucaristia do ano passado, a USCCB não citou Biden nem outros políticos pró-aborto nos comunicados que publicou após a divulgação do rascunho que indica a derrubada de Roe vs. Wade. Mas pediu orações para que a revogação da jurisprudência seja confirmada pela Suprema Corte.
Numa convocação ao jejum e à oração do Santo Rosário na próxima sexta-feira (13), o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, presidente da conferência, e o arcebispo de Baltimore, William Lori, presidente do Comitê de Atividades Pró-Vida da USCCB, pediram “pela integridade do nosso sistema judicial, e que todos os poderes do governo se dediquem à busca do bem comum e à proteção da dignidade e dos direitos da pessoa humana, desde a concepção até a morte natural” e “pela conversão dos corações e mentes daqueles que defendem o aborto”.
No comunicado, a USCCB também manifestou preocupação com as interrupções de missas e “intimidação” de juízes da Suprema Corte por parte de ativistas pró-aborto.
Na semana passada, o site Politico divulgou o rascunho de uma decisão que indica que a Suprema Corte deve reverter o entendimento do caso Roe vs. Wade, de 1973, que autorizou o aborto no país em determinadas circunstâncias, e devolver aos estados americanos a liberdade de legislar sobre o assunto. A decisão oficial deve ser divulgada até julho.
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