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Diante do risco de um acidente nuclear na maior usina da Europa, em Zaporizhzhia, na Ucrânia, tomada por russos em março, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) terá uma missão exclusivamente técnica a partir de quarta-feira (31). O objetivo é evitar um desastre nuclear, como o de Fukushima, no Japão, em 2011, por exemplo, quando houve derretimento de três dos seis reatores nucleares da usina.
A organização autônoma, criada em 1957 no seio das Nações Unidas, foi estabelecida para servir "exclusivamente aos usos pacíficos da energia atômica" e trabalha pelo desencorajamento do uso nuclear para fins militares. Com sede em Viena, tem 137 países-membros, entre os quais estão todos os países europeus. A agência entrará na Ucrânia como entidade neutra diante do conflito.
"Eu não tenho o papel de mediador entre Rússia e Ucrânia, minha função é limitada", disse o o diretor da AIEA, Rafael Mariano Grossi, em entrevista ao jornal francês Le Monde, durante a preparação para a viagem à Ucrânia. Ele explica que fará uma visita técnica, primeiramente para diagnosticar qual é a situação do local e quais os atuais riscos.
Mesmo assim, Grossi diz que trabalha por um acordo que estabeleça que técnicos da AIEA possam ficar permanentemente na usina, para garantir a segurança do continente.
Uma das prioridades da visita é verificar a condição do sistema de energia de Zaporizhzhia, fundamental para resfriar os reatores. Em Fukushima, por exemplo, o acidente aconteceu porque o sistema de resfriamento não funcionava. "É imperativo que a gente vá até lá pessoalmente para estabilizar a situação", garante Grossi, apontando para a falta de informação dada pelos russos sobre a usina desde março, o que deixa os técnicos internacionais no escuro.
Riscos de acidente ou incidente nuclear
"A instalação funciona, mas com dificuldades, então, na atual situação, um acidente pode acontecer", reforça Grossi. "Há interrupções do sistema elétrico e problemas com os combustíveis utilizados por lá. Um acidente pode fazer a gente passar do sinal verde para o vermelho rapidamente. Por isso estou realmente inquieto", destaca o diretor da AIEA.
Desde a explosão de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia soviética, a segurança nuclear foi reforçada no mundo, com reatores mais robustos. Porém, diante de uma guerra, com soldados russos no comando de uma usina tão importante dentro do país inimigo, não existem garantias de segurança.
Apesar da atual infraestrutura, o vaso de pressão - onde o urânio é colocado - "não foi projetado para resistir a munições explosivas, como projéteis de artilharia", afirma Robin Grimes, professor de física de materiais do Imperial College London, em entrevista ao jornal The Telegraph.
Na segunda-feira (29), os países do G7 declararam "profunda preocupação" com o risco de um acidente nuclear e pediram "entrada da AIEA sem restrições". "Qualquer tentativa da Rússia de desconectar a central da rede elétrica ucraniana será inaceitável", diz o grupo dos sete mais ricos do mundo em comunicado.
O G7 ainda destaca que as ações militares russas aumentam o risco de um acidente ou incidente nuclear e colocam em perigo "a população da Ucrânia, dos estados vizinhos e da comunidade internacional".
Também na segunda-feira, a operadora das centrais ucranianas, Energoatom, indicou no Telegram que há risco de incêndio e vazamento de radiação. Segundo a empresa, os russos atacam constantemente a usina e os arredores, na cidade de Energodar. De domingo para segunda, dez habitantes ficaram feridos após os bombardeios no local, entre eles quatro funcionários.
"A infraestrutura da estação foi danificada, existem riscos de fuga de hidrogênio e de substâncias radioativas, além de uma alta possibilidade de incêndio", indica a Energoaton. "Os funcionários ucranianos da estação continuam trabalhando heroicamente, fazendo todo o possível para garantir a segurança nuclear e radiológica, assim como para eliminar as consequências dos danos", completa a empresa.
Riscos para os técnicos da AIEA
De acordo com a empresa de energia estatal, as tropas russas estão "se preparando para a chegada da missão da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA)" e "aumentaram a pressão sobre os funcionários da usina nuclear, para evitar que sejam reveladas provas de seus crimes na central e de seu uso como base militar".
Dmytro Kuleba, ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, em viagem a Estocolmo, na Suécia, anunciou o tamanho do desafio dos técnicos da agência internacional nos próximos dias. "Esta será a missão mais difícil da história da AIEA por conta dos ataques russos e da maneira como a Rússia tenta legitimar sua presença na região", alertou Kuleba.
Da mesma forma, o diretor da AIEA comenta sobre a preocupação com a segurança para atravessar o país e chegar até Zaporizhzhia. "É um longo trajeto. A Ucrânia é grande e é preciso atravessá-la sob condições de segurança que não são as ideais", lembra o responsável pela agência.
"Não temos blindados e teremos que contar com o apoio dos veículos das Nações Unidas. É uma operação na qual as forças dos dois lados devem trabalhar juntas: em determinado momento, passaremos das mãos dos ucranianos às mãos dos russos, que controlam Zaporizhzhia", antecipa Grossi.