Em abril deste ano, muito antes da eleição americana esquentar, o presidente dos Estados Unidos Donald Trump exclamou em seu Twitter: “Livrem-se da colheita de cédulas, isso está crescendo em fraudes!”.
Em 2019, um agente de campanha política chamado Leslie McCrae Dowless Jr., de 63 anos, foi preso na Carolina do Norte, acusado de adulterar votos em nome do candidato republicano Mark Harris e contratar pessoas para recolhê-los, em um distrito rural do estado. O processo resultou na primeira nova eleição ordenada por fraude na história da Carolina do Norte.
Em setembro deste ano, jornais americanos repercutiram um vídeo de uma suposta colheita de votos em Minnesota para a deputada democrata Ilhan Omar.
Mas o que é afinal essa “colheita” que tanto acusa Trump e que gera dúvidas sobre o processo eleitoral americano?
Basicamente, a colheita de cédulas (ballot harvesting, em inglês) é a ação de cabos eleitorais ou outras pessoas envolvidas nas eleições que coletam as cédulas de votos por correio, de casa em casa, e entregam em grande quantidade nos locais de votação.
Alguns estados têm leis que restringem a prática, outros a permitem expressamente ou não tem regulação. De acordo com a Ballotpedia (organização especializada em informações eleitorais americanas), 24 estados e o Distrito Federal permitem que alguém especificado pelo eleitor entregue os votos; 12 estados especificam quem pode fazê-lo (em geral, membros da família e cuidadores); um estado permite apenas o eleitor; e 13 estados não têm regras sobre isso.
Em 10 estados há também limites de quantidade de cédulas que uma pessoa pode depositar: Arkansas, Colorado, Louisiana, Maine, Minnesota, Nebrasca, Nova Jersey, New Hampshire, Dacota do Norte, Virgínia do Oeste.
Por exemplo, em Minnesota, ninguém pode ser "especificado" para mais de três pessoas – no vídeo referido acima, o "coletor" afirma estar com 300 votos.
O caso da Califórnia
Em 2016, o governador da Califórnia Jarry Brown assinou uma lei que legalizou a colheita de cédulas. Agora a lei californiana diz o seguinte: “Um eleitor que vote pelo correio que esteja impossibilitado de entregar sua cédula pode designar qualquer pessoa para fazê-lo…” (destaque nosso).
Republicanos acusam essa lei de ter sido a causa da derrota nas eleições para o Legislativo em 2018 no condado de Orange, tido como um reduto republicano, depois que 250.000 votos por correspondência foram computados na reta final da eleição.
Nesses casos, não há evidências de como as cédulas são preenchidas (se pelos eleitores, se pelo “coletor”), mas ao expor eleitores vulneráveis, sobretudo os mais velhos, a cabos eleitorais de toda sorte, a lei abre espaço para compra de votos, coerção de eleitores ou mesmo falsificação.
“Boleteros”
Mas não é só na Califórnia que problemas como esses acontecem. Também na Flórida, pessoas são pagas por campanhas políticas para “recolher” votos. Esse “trabalho temporário” é chamado de boletero.
Em Miami, estima-se que haja cerca de 100 boleteros trabalhando no condado de Miami-Dade. Eles basicamente agem como intermediários entre políticos e comunidades. Alguns barganham com políticos dependendo de quantos votos afirmam conseguir.
Em geral, os boleteros atuam em equipe: eles ligam e oferecem suporte para quem quer votar pelo correio. Depois que eles têm conhecimento de que as cédulas chegaram ao eleitor, eles vão pessoalmente conversar com os eleitores e os persuadem a preencher a cédula – supostamente com o candidato que o contratou. Normalmente eles não são computados nas despesas de campanha, sendo subcontratados e pagos em dinheiro.
De acordo com o Miami Herald, as grandes campanhas políticas geralmente não precisam dos serviços deles, porque os candidatos são bem conhecidos, mas nas campanhas locais eles são bem ativos.
Contudo, uma investigação reportada pelo jornal estadual Palm Beach Post revelou suspeitas de fraude nos votos pelo correio nas primárias democratas de 2016 envolvendo um candidato ao Senado e um candidato à Câmara de Deputados da Flórida.
Se em 2018 havia preocupação sobre a “colheita de cédulas”, não seria uma surpresa se houver contestação judicial a respeito dos votos pelo correio nesta eleição presidencial em alguns condados, sobretudo onde a diferença entre os candidatos na contagem de votos for pequena.
Contudo, se isso chegar a ocorrer, cada caso será avaliado pontualmente e não deve colocar sob suspeita o processo eleitoral como um todo.