O Grupo Wagner é uma das empresas militares privadas mais famosas, mas, ao mesmo tempo, mais obscuras do mundo. Nesta quarta-feira (11), uma investigação da BBC News permitiu que viessem à luz novas informações sobre como estes mercenários russos atuam, seu envolvimento com militares da Rússia e a participação na guerra na Líbia, onde atuam ao lado de rebeldes comandados pelo general Khalifa Haftar.
Após a divulgação da matéria investigativa, o promotor público adjunto do Ministério Público Militar da Líbia, Mohamed Gharouda, anunciou que um mandado de prisão havia sido emitido para o filho do falecido ditador líbio Muamar Kadafi, Saif al-Islam Gaddafi, procurado por crimes de guerra cometidos pelo Grupo Wagner durante a ofensiva do general Haftar contra a capital Trípoli, em 2019.
A partir das novas revelações, entenda o que é, como e onde atua o Grupo Wagner e qual sua relação com o Kremlin.
O que é o grupo Wagner?
É uma empresa militar privada (PMC) russa que atua nas sombras de guerras civis e conflitos para defender interesses russos. Seus membros já estiveram envolvidos em operações de combate, coleta e análise de inteligência, serviços de proteção, treinamento, segurança, operações de informação e propaganda em várias partes do mundo. O Grupo Wagner está, segundo analistas, profundamente ligado às forças armadas da Rússia e aos serviços de inteligência do país.
Como eles surgiram?
Os primeiros integrantes do Wagner Group eram membros do Slavonic Corps Limited, uma das primeiras empresas militares privadas da Rússia que atuou na guerra civil da Síria em 2013, mas que foi rapidamente derrotada. O fundador do Grupo Wagner é Dmitry Utkin, ex-oficial do serviço de inteligência militar da Rússia (GRU), que lutou nas duas guerras da Chechênia. Wagner era seu nome de guerra, que acabou batizando o grupo.
As primeiras experiências da PMC ocorreram em 2014 na guerra civil do Leste da Ucrânia, onde os mercenários ajudaram a melhorar a capacidade de grupos rebeldes ucranianos em áreas como Donbass, e no conflito sírio, onde auxiliaram forças pró-Assad realizando missões de assalto e de reconhecimento. Na Síria, aliás, o Grupo Wagner conduziu operações em várias batalhas importantes ao lado do exército russo e sírio, incluindo a libertação de Palmira, em março de 2016, que nessa época era controlada pelo Estado Islâmico.
Quem são seus membros?
Especialistas no assunto afirmam que as pessoas que se juntam ao grupo são homens, geralmente de meia-idade, que moram em cidades do interior da Rússia, não têm boas perspectivas de emprego, têm uma família para sustentar e muitas dívidas a pagar. O dinheiro é o principal atrativo para eles.
Ex-combatentes disseram à BBC News que os mercenários não são recrutados por uma organização chamada Grupo Wagner. Eles são contratados por empresas de fachada para serviços temporários, como segurança ou trabalho em plataformas de petróleo. Antes de serem treinados, passam por testes físicos e de segurança.
Acredita-se que mais de 10 mil homens tenham assinado ao menos um contrato com a PMC.
O que eles fazem exatamente?
Segundo o especialista Sergey Sukhankin, a participação na guerra da Síria mostrou que o Grupo Wagner pode ser empregado com sucesso em tarefas militares quando a força adversária é relativamente fraca – quando se depararam com tropas americanas na batalha de Khasham, na Síria, em 2018, foram massacrados.
Também podem atuar junto com formações regulares, fazendo missões de reconhecimento e coletando inteligência; podem fazer segurança de locais estratégicos onde há interesse financeiro russo envolvido; e podem ser usados também para dar treinamento a militares locais. Essas duas últimas funções, segundo o pesquisador, são desempenhadas regularmente pelas companhias militares privadas ocidentais.
Onde o grupo atua?
Depois de operações bem-sucedidas na guerra civil da Síria, o grupo se modernizou e se expandiu. Estudiosos acreditam que seus mercenários atuam ou atuaram em vários conflitos ao redor do mundo, como na África Subsaariana, na Líbia e na Venezuela, onde fizeram segurança para o ditador Nicolás Maduro. Para as missões eles contam com vários equipamentos militares, como rifles, tanques e sistemas de radar de última geração.
Como o grupo age?
Um ex-mercenário admitiu para a BBC que prisioneiros são executados, afirmando que “ninguém quer uma boca a mais para alimentar”. Outro disse que não havia regras de conduta claras. Se um prisioneiro capturado não tinha conhecimento para transmitir, ou não podia trabalhar como "escravo", então "o resultado era óbvio".
Um tablet que pertencia a um desses mercenários que atuou na Líbia recentemente foi parar nas mãos de um jornalista da emissora britânica. Segundo ele, o aparelho continha evidências do envolvimento desses combatentes com a implantação de minas e armadilhas terrestres em áreas civis do país.
Qual a relação com Moscou?
A Rússia nega qualquer envolvimento com o Grupo Wagner, mas estudiosos do tema apontam relações. O próprio fato de Dmitry Utkin ter servido no GRU e ainda ser próximo ao Kremlin é um indicativo. A BBC também teve acesso a uma "lista de compras" de armamentos, que, segundo analistas, "estariam disponíveis apenas para soldados russos".
Outro documento obtido pela emissora britânica cita Evro Polis, uma companhia russa que seria, segundo relatos, beneficiária de contratos para o desenvolvimento de campos de gás e petróleo na Síria. Alguns pesquisadores russos acreditam que a Evro Polis esteja ligada ao empresário de São Petersburgo Yevgeny Prigozhin, muito próximo do presidente Vladimir Putin. Prigozhin nega ter relação com a Evro Polis ou com o Grupo Wagner.
Também se sabe que desde 2015 a Rússia vem aumentando o uso de companhias privadas militares como uma ferramenta de política externa.
De acordo com pesquisas do CSIS, os mercenários russos – não apenas do grupo Wagner – são ativos na África, Oriente Médio, Europa, Ásia e América Latina, atuando em prol dos interesses do governo russo ou da oligarquia russa, expandindo o comércio e a sua influência econômica nos países em desenvolvimento. Entre esses interesses é possível destacar: petróleo e gás na Síria; ouro, urânio, armas e diamantes na República Centro-Africana; petróleo, ouro e armas na Venezuela; e projetos de infraestrutura e hidrocarbonetos na Líbia.
Além disso, PMCs como o Grupo Wagner representam um componente importante da campanha de guerra irregular da Rússia, muitas vezes em cooperação com o Kremlin e agências de segurança dentro do governo. Ou seja, os mercenários atuam em campos em questões em que os militares russos não poderiam.
Segundo a Avaliação Anual de Ameaças de 2021 da Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, “empresas privadas militares e de segurança administradas por oligarcas russos perto do Kremlin estendem o alcance militar de Moscou a baixo custo, permitindo que a Rússia negue seu envolvimento e se distancie das vítimas no campo de batalha”.