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A Alemanha observou no último dia 3 de novembro uma grande manifestação pró-Palestina ocorrer na cidade de Essen, localizada no estado da Renânia do Norte-Vestfália. De acordo com informações das autoridades locais, cerca de 3 mil pessoas saíram às ruas para demonstrar seu apoio para a “resistência palestina” e condenar a contraofensiva israelense, que está em curso em Gaza desde os ataques terroristas do Hamas realizados contra o território de Israel no último dia 7 de outubro.
A manifestação pró-Palestina contou com palavras de ordem e com diversos cartazes que atacavam o Estado judeu. No entanto, em nenhum momento os participantes pediram a libertação dos cerca de 239 reféns que estão sob controle dos terroristas do Hamas em Gaza.
Segundo informações da mídia local, a Alemanha atualmente está tendo que lidar com diversas manifestações pró-Palestina espalhadas por várias partes do país. Berlim, capital alemã, que tem uma grande comunidade de muçulmanos, contou nas últimas semanas com vários protestos de pessoas pró-Palestina pedindo por um cessar-fogo em Gaza, mas sem condenar o Hamas.
Alguns desses protestos que vêm ocorrendo na Alemanha não se concentram somente no conflito que está ocorrendo no Oriente Médio. Foi o caso da manifestação que ocorreu em Essen, onde foi possível observar diversas pessoas levantando bandeiras de grupos considerados como terroristas pela comunidade europeia e pedindo pela criação de um califado no continente europeu.
A manifestação de Essen, de acordo com informações das autoridades, foi convocada pelas redes sociais e amplamente divulgada pelo movimento alemão conhecido como “Geração Islâmica”, um grupo criado por muçulmanos que residem no país europeu e que pregam a criação de um grande califado islâmico que começaria pela Europa e alcançaria o mundo inteiro.
Na manifestação, Ahmad Tamin, identificado como porta-voz do grupo e que aparece com frequência em vídeos e fotos do movimento nas redes sociais, diz que os muçulmanos que residem na Europa deveriam se unir em torno da bandeira do movimento extremista islâmico conhecido como Hizb ut-Tahrir, que prega a criação de um grande califado islâmico mundial regido pela lei da sharia, semelhante ao que ocorre atualmente no Afeganistão sob o regime dos talibãs.
Ahmad Omeirate, um estudioso islâmico que mora na Alemanha, revelou ao jornal alemão BILD que Tamim divulgou um vídeo no YouTube momentos após os ataques terroristas do Hamas a Israel, que contou com mais de 58 mil visualizações em apenas um dia, onde justificava abertamente os ataques do Hamas como uma ação de “autodefesa”, glorificando o brutal assassinato de mulheres, homens, crianças e idosos. Segundo Omeirate, na manifestação de Essen, Tamim expressou novamente a mesma opinião.
O que é o movimento “Geração Islâmica”?
Em seu site oficial, o movimento Geração Islâmica conta com diversos conteúdos que explicam e tentam justificar as ideias mais extremistas do islamismo. O movimento extremista se define como um grupo de “muçulmanos motivados e determinados” que defendem os “verdadeiros valores do islã” e que se dirige principalmente a jovens muçulmanos da Alemanha que enfrentam uma “crise de identidade” por causa da cultura ocidental.
Segundo informações do Gabinete Federal para a Proteção da Constituição, órgão de inteligência do governo alemão, o movimento islâmico foi criado em 2014 e opera inteiramente de forma online, por meio da veiculação de material e informações sobre pautas que possam atrair outros muçulmanos que pensam igual a eles. O movimento também conta com grupos no Facebook e em aplicativos de mensagens.
Os canais do movimento islâmico alemão na internet contam com diversos seguidores. A página do movimento no Facebook tem atualmente mais 70 mil curtidores.
O grupo conta ainda com um bom alcance em seu canal no YouTube, com vídeos atingindo altos números de visualizações.
Nesses canais, o movimento Geração Islâmica aborda principalmente a atual situação política e social da Alemanha e de outros países do Ocidente. Com seus materiais, o movimento instiga os demais muçulmanos a se unir e voltar para as suas verdadeiras “identidades islâmicas”, sem se “sujar” com os valores ocidentais e pregam a criação de um califado islâmico que começaria na Europa e alcançaria o mundo inteiro. Para os membros da Geração Islâmica, a sociedade ocidental é “pecaminosa”.
A ideologia seguida pelos membros da Geração Islâmica é a mesma pregada pelo Hizb ut-Tahrir, de que o mundo deveria estar sob o controle de um califado islâmico regido pelas leis da sharia. O movimento extremista Hizb ut-Tahrir foi banido pelo governo alemão em 2003, sob a acusação de ser um grupo extremista, antissemita, racista e antidemocrático, que prega a destruição do Estado de Israel por meio da Jihad – a guerra santa.
O Hizb ut-Tahrir foi fundado em 1953 em Jerusalém por Taqiuddin al-Nabhani, um estudioso e juiz islâmico. O grupo se espalhou por mais de 50 países ao longo dos últimos anos e foi oficialmente banido em 13, contando com a Alemanha e alguns outros países de maioria muçulmana, como Turquia, Jordânia e Paquistão, que não veem com bons olhos as ideias do grupo.
Em um relatório divulgado em junho deste ano, o Gabinete Federal para a Proteção da Constituição classificou o movimento Geração Islâmica como uma organização de fachada do Hizb ut-Tahrir. Segundo o órgão de inteligência, o Hizb ut-Tahrir estaria utilizando o movimento para poder agir ilegalmente na Alemanha e poder atrair novas pessoas.
Ahmad Tamin, que se identifica como porta-voz do grupo, é o único que aparece com frequência nos materiais divulgados pela Geração Islâmica. Em seus canais oficiais, o grupo não identifica sua hierarquia.
Apesar de veicular bastante material nas mídias sociais, encontrar informações precisas sobre o movimento Geração Islâmica da Alemanha é extremamente difícil. O grupo esconde ao máximo suas informações mais sensíveis e tudo o que se consegue encontrar é o pouco que o governo alemão identificou e deixou público.
Nas manifestações de Essen, ocorridas no último dia 3, as mulheres que foram para as ruas estavam com vestimentas que cobrem quase todo o corpo - o que é frequentemente visto em países com leis islâmicas rígidas – e caminhavam atrás dos homens, sem fazer muito barulho.
A polícia acompanhava de perto a movimentação, mas em nenhum momento interveio, nem mesmo quando os participantes começaram a fazer símbolos em referência ao Estado Islâmico (como o dedo levantado para cima) e gritar palavras de ordem solicitando a instalação de um califado europeu, ideia propagada pela Geração Islâmica como o “único jeito de solucionar” os atuais problemas sociais.
Momentos após o fim do protesto ocorrido na cidade, o prefeito de Essen, Thomas Kufen, expressou sua preocupação em relação a manifestação alegando que, ao contrário do propósito declarado de abordar o "sofrimento" na Faixa de Gaza, os organizadores "pareciam mais interessados na propagação de ideias extremistas".
Kufen descreveu a situação como "difícil de suportar", enfatizando a presença de islâmicos "antidemocratas e antissemitas nas ruas de Essen", que estavam protegidos pela "Lei Fundamental Alemã". Apesar de reconhecer a dificuldade para os cidadãos locais compreenderem tal manifestação, Kufen disse que a polícia local, mesmo discordando da manifestação, pouco podia fazer, já que é "obrigada a acompanhar de forma neutra tais eventos de acordo com a legislação de direitos de manifestação na Alemanha".
Nesta quarta-feira (8), dias após a manifestação em Essen, o ministro do Interior do estado da Renânia do Norte-Vestfália, Herbert Reul, solicitou por meio de uma carta direcionada à Nancy Faeser, ministra do Interior da Alemanha, uma análise sobre ideia de proibir a operação do movimento Geração Islâmica na Alemanha, uma vez que há indícios de que o movimento tem ligações com o grupo banido Hizb ut-Tahrir. Reul disse que os membros do grupo estão "violando abertamente a lei de associação terrorista do país". O Ministério do Interior alemão até o momento ainda não tomou uma decisão sobre o assunto.
Autoridades da Renânia do Norte-Vestfália estimam que atualmente 130 pessoas do estado participam ativamente do movimento Geração Islâmica, e que eles podem estar mobilizando um número maior de pessoas por meio da veiculação de propaganda e materiais em seus canais digitais.