Quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, em 2016, o presidente russo Vladimir Putin enviou um telegrama para cumprimentá-lo, expressando seu desejo de estabelecer um “diálogo construtivo” para que a relação entre as duas nações “saísse de sua condição crítica”, referindo-se ao isolamento diplomático imposto à Rússia pelos EUA e outros países do Ocidente após a declaração de anexação da Crimeia, em 2014, e desentendimentos sobre os conflitos na Síria e sobre o Irã.
Sete meses depois d episódio, os dois líderes se encontraram pessoalmente pela primeira vez na cúpula do G20, na Alemanha. Trump descreveu a breve reunião como “formidável”. Putin afirmou que havia “todos os motivos para acreditar” que ambos seriam “capazes de pelo menos restabelecer parcialmente o nível de cooperação de que precisamos”.
Desde então, o clima entre os dois países teve tudo para piorar: os EUA denunciaram formalmente funcionários do governo russo por interferência nas eleições presidenciais americanas de 2016 e a Rússia não cumpriu com as promessas que havia feito a Trump quanto ao cessar-fogo na Síria. Mesmo assim, Trump insiste em uma aproximação com o Kremlin. Nesta segunda-feira (16), Putin e o republicano vão se sentar frente a frente em uma das mais esperadas cúpulas entre os dois países em anos.
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O governo americano não deu detalhes sobre a pauta do encontro, que ocorrerá em Helsinque, na Finlândia, mas Trump afirmou que os dois certamente irão conversar a respeito das alegações sobre a interferência russa nas eleições americanas. Outros assuntos que podem ser discutidos são a presença americana na Síria, a anexação da Crimeia e a redução das armas nucleares no mundo.
Não está claro quem tem mais chances de sair ganhando com esse encontro. Por um lado, Trump tenta criar uma imagem de líder que dialoga com seus rivais em busca de paz, o que pode ajudá-lo a conquistar popularidade em casa em ano de eleições legislativas, como ocorreu após seu encontro com o ditador norte-coreano Kim Jong-un. Enquanto isso, Putin quer recuperar sua credibilidade frente às potências ocidentais, somando a cúpula de alto nível ao sucesso da Copa do Mundo em mostrar a Rússia sob uma nova perspectiva, mais internacional e mais receptiva aos estrangeiros.
Analistas, entretanto, alertam que uma aproximação entre os países poderia prejudicar ainda mais as relações dos EUA com os aliados ocidentais e reforçar a atitude agressiva da Rússia em todo o mundo. Entenda o que está em jogo no tão esperado encontro dos dois líderes;
Interferência russa nas eleições americanas
Na sexta-feira, quando a procuradoria-geral anunciou o indiciamento de 12 funcionários do departamento de inteligência russo por promoverem um ataque hacker aos computadores do partido Democrata e da campanha de Hillary Clinton durante as eleições presidenciais de 2016, houve pressão para que Trump cancelasse o encontro com Putin.
“Se ele [Trump] e sua equipe não estão dispostos a tornar os fatos desta acusação uma prioridade da reunião com Putin, então ele precisa cancelar a cúpula de Helsinque", disse o senador Mark Warner, o principal democrata do Comitê de Inteligência do Senado, que conduziu sua própria investigação sobre a interferência da Rússia.
Mas a Casa Branca não cedeu à pressão. Enquanto os russos se apressavam em negar qualquer envolvimento no caso, a cúpula foi confirmada pelo governo dos EUA.
A denúncia do Departamento de Justiça dá conta que 12 agentes de inteligência russos promoveram um ataque hacker aos computadores do partido Democrata e da campanha de Hillary Clinton durante as eleições presidenciais de 2016, com o objetivo de interferir nas eleições americanas.
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O promotor Robert Mueller e sua equipe vêm trabalhando desde maio de 2017 para determinar se algum aliado de Trump conspirou com a Rússia para interferir nas eleições. Com a nova acusação, o escritório da promotoria já apresentou denúncias contra 32 pessoas, por crimes como lavagem de dinheiro e mentir para o FBI. Vinte e seis dos acusados são russos e, provavelmente, nunca serão levados a julgamento.
Antes da acusação vir à tona, Trump havia afirmado que mencionaria o assunto no encontro, mas disse a repórteres que Putin provavelmente negaria as acusações. “Tudo o que posso fazer é dizer: 'Você fez isso'? E, 'Não faça isso de novo'. Mas ele pode negar”.
Se Trump comprar o discurso do Kremlin, estará negando o que três agências de inteligência americanas concluíram no ano passado - e que o comitê de Inteligência do Senado, liderado pelos Republicanos, ratificou: que de fato a Rússia interferiu nas eleições.
Crimeia
O fundador e chefe da consultoria Geopolitical Future, George Friedman, aponta que os russos buscam desta aproximação o fim das sanções norte-americanas, mas que, para isso, eles precisarão ceder na questão que causou o declínio das relações entre as duas nações: a Ucrânia. “Isso envolveria a retirada clara e aberta de todo o apoio russo às forças de lá e a criação de algum tipo de arranjo que permitisse que a Crimeia existisse formalmente fora da Rússia”, sustenta Friedman, embora reconheça que isso dificilmente irá ocorrer.
Na verdade, comentários recentes de Trump dão a entender que os dois podem chegar a um acordo quanto à Crimeia, mas que favorecesse somente os russos. No encontro do G7 no mês passado, o presidente norte-americano teria falado que a Crimeia poderia ser considerada território russo já que a maioria da população de lá fala russo. Na cúpula da Otan, na semana passada, Trump disse que se os EUA deveriam ou não reconhecer a Crimeia como parte da Rússia era “uma questão interessante”.
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De maioria russa, a Crimeia foi anexada à Ucrânia em 1954 na formação da União Soviética. Em 2014, após a queda do presidente da Ucrânia, Viktor Yanukovych, aliado do presidente russo, Vladimir Putin, o grupo político pró-Rússia tomou o poder na Crimeia e aprovou a anexação a Moscou. A manobra até hoje não foi reconhecida por organismos internacionais e foi motivo de sanções das potências do Ocidente.
Síria
A guerra na Síria é outro ponto de tensão entre EUA e Rússia. Os EUA mantêm tropas na Síria para combater o Estado Islâmico. A estratégia americana é apoiar as forças curdas, que tomaram a liderança na luta contra o terrorismo, e trabalhar em aliança com outros países. Entretanto, os EUA estão apoiando rebeldes que querem ver Bashar al-Assad fora do governo sírio - o que coloca o país contra os interesses da Rússia, que tem ajudado Assad a manter-se no poder durante a guerra civil.
No ano passado, Putin disse que respeitaria um cessar-fogo no canto sudoeste do país, perto de Israel, onde os rebeldes apoiados pelos EUA estavam baseados - uma promessa que ele reiterou em sua última reunião com Trump em novembro. Mas em vez disso, no mês passado, a Rússia apoiou uma ofensiva do regime de Bashar Assad na área, ignorando os alertas do Departamento de Estado americano de "sérias repercussões". No final da semana passada, as forças sírias forçaram a rendição da maioria dos rebeldes, usando táticas como bombardeios de hospitais.
O perigo agora é que Trump aceite mais promessas vazias do chefe do Kremlin, como a ajuda de Putin para retirar tropas iranianas nas áreas de fronteira com Israel, em troca de abandonar as posições norte-americanas remanescentes na Síria, incluindo o controle de uma faixa rica em petróleo do território,que fornece aos Estados Unidos uma importante vantagem na determinação do resultado final da guerra civil na Síria. Mesmo que tivesse essa vontade, Moscou não tem capacidade para expulsar o Irã da Síria. Além disso, Rússia e Irã são aliados em apoiar Assad.
Acordo nuclear
Na sexta-feira anterior à cúpula, Donald Trump mencionou que discutiria uma redução de armas nucleares com Putin, com o intuito de acalmar temores de uma corrida armamentista entre os dois países. "A proliferação [de armas nucleares], para mim, é o maior problema do mundo", disse Trump.
Desde 2011 os dois países possuem um acordo, batizado de New Start, que essencialmente limita seus arsenais nucleares ao passo que permite a troca de dados sobre os programas de cada país. Esse acordo é válido até 2021, mas pode ser prorrogado por mais cinco anos. Talvez o encontro em Helsinque seja uma oportunidade para os líderes se entenderem a respeito dessa extensão.