Cerca de uma em cada oito pessoas na Terra está apta para votar nas eleições que começaram nesta quinta-feira na Índia. Com 900 milhões de eleitores, as votações são um testemunho da democracia da Índia e de seu compromisso com o voto universal (todos os adultos eram elegíveis para votar a partir de sua primeira eleição nacional, ao contrário de muitos países).
As votações não são apenas extensas, mas significativas. De certa forma, a Índia está em uma encruzilhada. Sua economia está se expandindo, mas não rapidamente o suficiente para levar dezenas de milhões de pessoas para a classe média do jeito que a vizinha China fez. Enquanto isso, a Índia parece ter adotado uma forma de nacionalismo religioso que poderia mudar a natureza de sua democracia.
Narendra Modi, o primeiro-ministro polarizador e carismático da Índia, pretende fazer a Índia avançar em ambas as frentes. Líder do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata, ou BJP, ele assumiu o poder em 2014, prometendo milhões de empregos e o fim dos escândalos de corrupção.
A vitória de Modi marcou a ascendência de uma forma de nacionalismo "baseada não em princípios seculares, mas na premissa de que a cultura indiana é coincidente à cultura hindu", escreveu Milan Vaishnav, do Carnegie Endowment for International Peace, em um recente artigo sobre as eleições. O resultado desta campanha "determinará os contornos do futuro da Índia como uma república secular" comprometida em abraçar a diversidade e o pluralismo religioso.
Oitenta por cento dos indianos são hindus, mas o país também abriga a segunda maior população muçulmana do mundo, com bolsões de cristãos, sikhs, jainistas, budistas e outras minorias religiosas. A diversidade cultural e linguística da Índia se assemelha mais à União Europeia do que a um de seus estados-membros, escreveu Ruchir Sharma no The Guardian. Isso "por sua vez, restringe a capacidade de um líder, mesmo um carismático como Modi, de dominar o país".
No entanto, Modi chegou mais perto disso do que qualquer líder nos últimos tempos. Embora a Índia tenha um sistema parlamentarista, Modi conseguiu transformar eleições nacionais em disputas como as presidenciais. Depois de tomar posse, dizem os críticos, ele demonstrou uma tendência autoritária, deixando de lado seu próprio gabinete e minando a independência de instituições como o equivalente indiano ao FBI (Departamento Federal de Investigação dos EUA). "A maioria dos observadores simplesmente se refere ao 'sarkar Modi [governo Modi]', sublinhando sua personalização do poder", escreveu Sanjay Ruparelia, um cientista político.
Antes da onda populista nacionalista
Modi assumiu o poder antes que esta recente onda de populistas nacionalistas começasse a ganhar eleições em todo o mundo, mas ele se encaixa nos moldes. Como o presidente Donald Trump, ele capitalizou o ressentimento majoritário. Também como Trump, Modi é um mestre das mídias sociais que prefere se comunicar diretamente com os eleitores, inclusive através de seu aplicativo de smartphone que leva o seu nome. Modi não realizou uma única coletiva de imprensa no cargo, e os jornalistas considerados críticos ao governo enfrentaram uma pressão crescente. Relatos de violência por grupos extremistas hindus aumentaram durante o seu mandato.
Apenas alguns meses atrás, parecia que a campanha eleitoral seria disputada em terreno menos favorável a Modi, com questões como o aumento do desemprego e da angústia entre os agricultores na linha de frente. Depois veio o atentado suicida de 14 de fevereiro na Caxemira controlada pela Índia, que matou 40 policiais paramilitares. Um grupo terrorista paquistanês assumiu a responsabilidade pelo ataque e a Índia lançou um ataque aéreo retaliatório contra o que disse ser um campo de treinamento militante dentro do Paquistão, perto da cidade de Balakot.
A Índia não divulgou nenhuma evidência para sustentar suas alegações de que atingiu seu alvo e matou dezenas de militantes (o Paquistão disse que as bombas da Índia caíram em uma encosta aberta, e os moradores locais dizem que ninguém ficou ferido). No entanto, Modi fez dos ataques uma peça central de sua campanha – prova não apenas de sua posição linha dura em relação à segurança nacional, mas da perfídia de qualquer um que questione a linha oficial.
"A nova Índia vai matar terroristas em suas casas", disse Modi em um recente comício em Uttar Pradesh, o maior estado da Índia. Enquanto isso, ele disse, seus oponentes pedem evidências do impacto do ataque, um sinal de que eles não confiam nas forças armadas nem respeitam os sacrifícios de soldados. Em outro comício na terça-feira, ele pediu que os eleitores de primeira viagem votassem em honra do ataque aéreo de Balakot.
A estratégia de Modi é "construir uma política de ansiedade, apresentando a Índia como estando sob ataque implacável e em perigo mortal de inimigos externos e internos", escreveu Pratap Bhanu Mehta, cientista político e vice-chanceler da Universidade Ashoka, no Indian Express. "Isso cria uma cultura onde questões elementares de fato e de responsabilidade são imobilizadas".
Modi reserva a maior parte de seu desprezo para o seu principal oponente: Rahul Gandhi, o líder do Congresso Nacional Indiano, cujo pai, avó e bisavô serviram como primeiro-ministro. Modi o chama de "príncipe” de "membro da dinastia" e tem o atacado abertamente, acusando Gandhi de "fugir" de áreas onde os hindus são a maioria.
Enquanto Modi está fazendo o seu melhor para apresentar sua vitória como inevitável, o resultado é incerto. Comparado com cinco anos atrás, a oposição está mais unificada, e Modi deve enfrentar uma tendência anti-incumbência entre os eleitores indianos. Os agricultores acumularam queixas e suas preferências continuam sendo um mistério. Ainda assim, pesquisas de opinião sugerem que Modi vai ganhar a reeleição quando os resultados das eleições gerais de várias fases da Índia forem anunciados em 23 de maio. Com seis semanas e quase um bilhão de votos para serem contados, tudo é possível.