A resposta de curto prazo da China à visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, a Taiwan pode não ter chegado a uma conclusão ainda, mas os contornos estão claros: aumentos significativos na retórica da “diplomacia do lobo guerreiro”; exercícios militares importantes dentro e em torno das águas territoriais de Taiwan; e suspensão ou cancelamento de vários canais de diálogo diplomático sinoamericano. Mais coisas devem vir, mas o que Pequim fez até agora não é inesperado ou uma guinada no jogo.
O que poderia ser uma guinada no jogo é se a birra da China vai acordar os líderes americanos nos negócios e na política para as realidades que paulatinamente se acumulam desde até antes de Xi Jinping tomar o poder. Na última década, Xi e outros abandonaram de forma clara a abordagem dissimulada e modesta de Deng Xiaoping de “esconder os seus pontos fortes, ganhar tempo”. Xi disse expressamente que “Um poderio militar é construído para lutar. Nossas forças armadas devem considerar a prontidão para o combate a meta de todo o seu trabalho e dar foco à vitória quando forem chamadas”.
As reações iniciais dos empresários americanos ao brandir de punho da China é desconcertante, tal como a notícia que “empresas americanas com operações com base em Taiwan estão entrando em pânico com o impacto da uma possível agressão militar chinesa”. O que é que essas firmas estiveram fazendo nos últimos dez anos? (Ou são os repórteres que estão entrando em pânico?) Além disso, os riscos ao investimento americano e à dependência dos Estados Unidos da cadeia de oferta da China continental são muito mais importantes. Se a conjuntura para Taiwan é preocupante, considere a vulnerabilidade econômica americana muito maior na própria China. Os acionistas e a governança empresarial deveriam revisitar a expressão “risco político”.
A Casa Branca também reagiu mal, cancelando um teste de MBIC [míssil balístico intercontinental] por medo de provocar a China. Depois, dando eco à retórica alarmista de Pequim, o governo disse o seguinte sobre a suspensão das conversas sobre as mudanças climáticas: “A China não está só punindo os Estados Unidos... estão na verdade punindo o mundo inteiro”. Tal comportamento irresoluto e obsequioso estimula a beligerância da China e preocupa os países que estão em sua periferia indo-pacífica.
A viagem de Pelosi a Taiwan não criou problemas, mas expôs o que há muito é ou deveria ter sido óbvio na crescente ameaça da China. Ironicamente, Pequim deu sem querer a Washington uma oportunidade de iniciar ou acelerar uma movimentação de políticas muito necessárias que foram ignoradas durante este governo e os anteriores.
Em primeiro lugar, os fatores de risco político nos negócios e assuntos econômicos não “voltaram”; eles nunca foram embora, embora empresas americanas demais os tenham desprezado. Agora, contudo, é hora de reconsiderar os potenciais e existentes gastos de capital na China e a dependência de sua cadeia de oferta, e buscar alternativas. Entre as possibilidades está a realocação de ativos para os Estados Unidos e o Hemisfério Ocidental, não apenas para reduzir risco político, mas para aprimorar a segurança para a propriedade intelectual, aumentar a resiliência da cadeia de oferta e baixar os custos de transporte. A “política industrial” ou subsídios do governo não são necessários aqui, somente o bom senso nos negócios.
É crucial enfrentar com mais força a guerra econômica da China contra os Estados Unidos e o Ocidente. As décadas de esquemas para roubar nossa propriedade intelectual, forçar transferências de tecnologia e do uso das “empresas” chinesas — Huawei e ZTE — como armas do Estado chinês devem ser interrompidas. Políticas de comércio projetadas para rebater os abusos de Pequim angariariam amplo apoio não só entre as democracias industriais da OCDE, mas também entre os países em desenvolvimento ameaçados pela “diplomacia de dívida” hegemônica da China com sua Nova Rota da Seda. Tal iniciativa teria um impacto mundial unificador importante contra a China, uma unidade impossibilitada nos últimos anos pelas disputas de comércio mutuamente destrutivas entre os adversários de Pequim.
Em segundo lugar, tanto o governo quanto os negócios devem dar mais atenção a enfrentar os esforços da China de isolar Taiwan politica e economicamente. Fazê-lo não minimiza de forma alguma a necessidade de aperfeiçoar as capacidades de autodefesa de Taipei, em vez disso prioriza a incorporação da segurança de Taiwan ao sistema mais amplo de alianças e parcerias. Também exige que Washington pense em termos estratégicos maiores, em níveis indo-pacíficos ou até globais, a respeito da ameaça da China.
Essa ameaça no momento tem foco em Taiwan, mas os próximos níveis acima disso — as aspirações de Pequim pela hegemonia ao longo de sua periferia indo-pacífica, e depois no mundo — são intimamente relacionados. Taiwan não é o único país perto da China. Pergunte à Coreia do Sul e ao Japão, ao Vietnã e a Cingapura, e à Índia, que já entendem com profundidade o cenário mais amplo. A Europa, exceto o Reino Unido, já está atrasada, mas até a União Europeia pode ser encorajada a alcançá-los.
Depois da II Guerra Mundial, os países do Atlântico Norte forjaram laços políticos e econômicos profundos e abrangentes, incluindo a OTAN, a aliança político-militar mais bem-sucedida da história. Só as mais rudimentares fundações para tais estruturas existem agora no Indo-Pacífico, mas algum progresso já foi feito. A trágica perda de Shinzo Abe no Japão não deveria diminuir a visão estratégica e feitos dele. Foi ele quem primeiro concebeu a ideia do “Indo-Pacífico” e o Quadrilátero Asiático (Japão, Índia, Austrália e EUA), que agora começou a tomar forma.
A AUKUS [Austrália, Reino Unido e EUA] é outra dessas fundações, e há uma necessidade urgente para mais pensamento criativo desse tipo. As mais definitivas estruturas de parceria do Indo-Pacífico não precisam duplicar a OTAN no futuro próximo, e provavelmente não conseguiriam. Porém, há um espaço gigantesco para uma maior cooperação contra as ambições perigosas da China.
Em terceiro lugar, o que é foco de atenção imediata, está a defesa de Taiwan. Os exercícios militares pós-Pelosi da China podem dar um prenúncio de uma invasão direta ou de um bloqueio naval — o último é na verdade mais provável, pois Pequim quer Taiwan sem a devastação que a Rússia está causando na Ucrânia. Em conformidade com isso, a China poderia tentar fabricar uma crise artificial em um momento oportuno para ela, inclusive com anúncio de bloqueio, para ver quem vai ficar do lado de Taiwan.
Se os EUA e outros falharem em agir, a hegemonia chinesa e até anexação de Taiwan acontecerão logo em seguida. Evitar a invasão física, o bloqueio ou uma ameaça a Quemoy e Matsu [ilhas que foram núcleos históricos de resistência do Kuomintang a comunistas do continente] exige que algo seja feito agora. A ação deve incluir ancorar em casa os navios da marinha americana e posicionar forças militares americanas estratégicas em Taiwan. O envio de tropas será necessário de qualquer forma para treinar e auxiliar as tropas taiwanesas a lidar com os novos sistemas de armas e para os salutares exercícios militares em conjunto. Não devemos repetir os erros cometidos na crise da Ucrânia que falharam em impedir a invasão praticada pela Rússia.
A reação da China à visita de Pelosi é uma “lição valiosa”. Pequim removeu sua máscara, e vimos as suas verdadeiras intenções. Não podemos perder a oportunidade que se apresentou. Outra pode não aparecer.
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John R. Bolton serviu como conselheiro em segurança nacional para o presidente Donald Trump e como embaixador dos EUA nas Nações Unidas sob o presidente George W. Bush. Ele é autor de The Room Where It Happened [A Sala em que Tudo Aconteceu (trad. livre)].
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