Maior sucesso de audiência da Netflix dos últimos tempos, a série “Round 6” mostra um grupo heterogêneo de pessoas endividadas que se arriscam num violento jogo de sobrevivência na Coreia do Sul cujo prêmio milionário representa uma esperança para mudarem de vida.
Embora tenha, evidentemente, uma generosa dose de exagero, a série levou muita gente a voltar os olhos para a décima economia do mundo (segundo o Fundo Monetário Internacional) para saber se o desespero dos personagens reflete algo da realidade social do país hoje.
Afinal, “Parasita” (2019), a primeira produção não falada em inglês a vencer o Oscar de melhor filme, já retratava uma Coreia do Sul sombria, em que as desigualdades sociais podem levar a extremos.
Números da empresa CEIC Data, especializada em estatísticas econômicas, mostram que o endividamento é realmente um problema que preocupa cada vez mais os sul-coreanos. No final do ano passado, a dívida das famílias representava 106,6% do Produto Interno Bruto (PIB) nominal do país – dez anos antes, o índice era inferior a 80%.
O nível de endividamento familiar da Coreia do Sul é o mais alto da Ásia e um dos maiores do mundo: para efeito de comparação, no Japão o patamar estava em 65,2% do PIB e nos Estados Unidos, em 69,5% (o dado americano é de março de 2021), segundo a CEIC Data.
O Financial Times relatou em agosto que houve grande influência da proliferação de credores digitais e fintechs na Coreia do Sul, aos quais recorrem tomadores de empréstimos de alto risco que muitas vezes não têm acesso a financiamento bancário, tendência incentivada pelo governo do país.
Entretanto, com a aceleração do endividamento familiar, Seul reagiu endurecendo as regras de empréstimo: em julho, a taxa de juros legal máxima que os credores privados podem cobrar de seus clientes foi reduzida de 24% para 20%.
País tem maior taxa de idosos na pobreza da OCDE
A taxa de pobreza de idosos na Coreia do Sul é a mais alta entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo os dados comparativos mais recentes.
Em 2018, o índice sul-coreano estava em 43,4%, seguido pelo da Letônia (39%), da Estônia (37,6%) e do México (26,6%). Com o envelhecimento da população e a redução das taxas de fecundidade (0,9 nascimento por mulher em 2019, segundo o Banco Mundial, metade da média do Leste Asiático e Pacífico), a perspectiva é de grande aumento dos gastos do governo com seguridade social nas próximas décadas.
Em artigo publicado em setembro no site acadêmico The Conversation, Sarah Son, professora de estudos coreanos na Universidade de Sheffield, Inglaterra, apontou que, mesmo após décadas de desenvolvimento econômico que transformaram a Coreia do Sul numa potência global, a desigualdade social tema de “Parasita” segue um desafio, e que tem se acentuado nos últimos anos: os 20% mais ricos da população da Coreia do Sul têm um patrimônio líquido 166 vezes maior que os 20% mais pobres, uma disparidade que aumentou pela metade desde 2017.
Son ressaltou que o Índice de Gini, que mede a distribuição da riqueza nacional, coloca a Coreia do Sul praticamente no mesmo nível do Reino Unido e acima dos Estados Unidos, mas alertou que o crescente desemprego entre os jovens, o aumento dos preços de imóveis e a pandemia reverteram a “modesta redução da desigualdade experimentada nos últimos anos”.
“Esta não é uma situação exclusiva da Coreia do Sul, é claro. Os personagens de ‘Round 6’, seus problemas e sua humanidade ressoam em experiências de sociedades em todo o mundo. Economias semelhantes à da Coréia do Sul estão enfrentando muitos dos mesmos desafios, exacerbados pela pandemia em curso”, apontou Son.
“O episódio final sugere a possibilidade de uma segunda temporada da série, mas mesmo que ela não continue, ‘Round 6’ deixa claro que a história maior que representa está longe de terminar.”