“La placita queda al final de la calle a la derecha”.
Em Los Angeles ou em muitas cidades da Califórnia, não falar inglês não chega a ser um problema. O espanhol não é a língua oficial, mas é quase como se fosse. Com um bom portunhol qualquer turista brasileiro consegue se virar bem, na maioria das vezes. Afinal a Califórnia é um santuário para milhares imigrantes que estão nos Estados Unidos em busca de uma vida melhor.
“Estou há 30 anos aqui, vim com meus pais que buscavam uma vida melhor. Lá no México não tinha trabalho e a Califórnia sempre foi uma terra de oportunidades” contou Eugênia, comerciante, que nunca mais voltou ao México após chegar à Califórnia.
Segundo o Migration Policy Institute, atualmente vivem 44,5 milhões de imigrantes nos Estados Unidos, sendo que 11,3 milhões estão no país ilegalmente, exatamente a população do estado do Paraná. E a Califórnia é o principal destino desses imigrantes ilegais. São mais 3 milhões de pessoas vivendo sem autorização do governo americano, sendo que 81% vieram do México ou de países da América Central.
“Meus pais vieram de Honduras para cá quando eu tinha apenas nove anos. Hoje não penso em voltar. Apesar de sofrer com o racismo às vezes, lá a vida está muito difícil. Não há emprego e nem segurança. Aqui pelo menos tenho trabalho” disse Alejandra, de 22 anos, que trabalha como vendedora e que contou que os pais vieram sem documento para os Estados Unidos.
Califórnia como destino
A escolha pela Califórnia acontece por alguns motivos: os 225 quilômetros de fronteira com o México, o clima sem invernos rigorosos e a própria história do estado, que já foi território mexicano. Mas o principal motivo é que a Califórnia é um estado-santuário.
Década de 80, milhares de imigrantes fizeram o mesmo movimento que hoje é exibido pelas emissoras de TV. A violência na América Central fez com que muita gente abandonasse seus países rumo aos Estados Unidos. E em Los Angeles um local se transformou em um marco para esses imigrantes ilegais. La Placita, oficialmente conhecida como Iglesia Nuestra Señora Reina de Los Angeles. Uma igreja católica construída em 1784, quando a Califórnia ainda era colônia espanhola. Foi em La Placita que muita gente encontrou um abrigo seguro em seus primeiros dias nos Estados Unidos. E a Califórnia dava sinais fortes de sua vocação de ser um santuário.
Com a crise imigratória entre Estados Unidos, México e países da América Central, o termo santuário para definir cidades ou estados ganhou destaque nos últimos meses, principalmente por conta de Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos tem feito ataques duros a cidades-santuário.
“A Califórnia está sempre dizendo ‘queremos mais pessoas’. Já que eles querem mais pessoas em suas cidades-santuário, então vamos enviar mais pessoas pra lá. A gente pode enviar um monte, numa quantidade ilimitada. Vamos ver se eles vão ficar tão felizes assim” declarou Trump.
Em resposta ao comentário de Trump, a atriz e cantora Cher, que normalmente é crítica às políticas do presidente, tuitou: "Eu entendo [que é preciso] ajudar imigrantes em dificuldades, mas a minha cidade (Los Angeles) não cuida das suas próprias [pessoas]. E os mais de 50 mil cidadãos que vivem nas ruas? Pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza e com fome? Se o meu estado não pode cuidar do seu próprio povo (muitos são veteranos), como ele pode cuidar de ainda mais?"
Trump respondeu com o comentário: "Eu finalmente concordo com a Cher!"
Políticas de proteção a imigrantes
Mas o que são cidades-santuário ou estados-santuário?
Nos Estados Unidos, são termos que ganharam destaque há 40 anos. Dos 50 estados americanos, oito se declaram santuário (Califórnia, Colorado, Illinois, Massachusetts, New Jersey, New Mexico, Oregon e Vermont) além de centenas de cidades espalhadas pelo país. Quando uma localidade se define como santuário, ela passa a adotar políticas imigratórias que protegem os imigrantes ilegais que estão ali vivendo.
A Califórnia, por exemplo, aprovou a lei que a define como santuário em 2017. Com isso agências de fiscalização estão proibidas de fazer alguma investigação ou compartilhar informações com os agentes do Departamento de Imigração, ao menos que o imigrante ilegal tenha cometido um crime entre os 800 que constam numa lista pré-definida. A lei é bastante específica em dizer que nenhum órgão pode “investigar, interrogar, deter, detectar ou prender alguém por motivos imigratórios”.
Essa mudança na lei faz com que na prática na Califórnia e em cidades como Los Angeles e San Francisco, que também se autodeclararam santuário, um imigrante ilegal consiga um emprego formal facilmente, já que o empregador não pode questionar qual é status imigratório do candidato à vaga.
Segundo o governador da Califórnia, Gavin Newson, as declarações de Trump contra as cidades e estados-santuário são “indignas de um presidente dos Estados Unidos. Além disso, desrespeitam os desafios que todos estão enfrentando como país, como pessoas, já que os Estados Unidos são um país de imigrantes”. A cidade de Los Angeles voltou a usar o termo santuário em fevereiro deste ano. O deputado distrital Gilbert Cedillo falou que a decisão foi tomada para proteger os imigrantes que estão sob o ataque de Trump. “Los Angeles sempre será uma cidade que protege os direitos e a dignidade dos imigrantes”.
Após a onda de tuítes e declarações do presidente Donald Trump, a discussão sobre as cidades-santuário voltaram a estar em evidência nos Estados Unidos. Nesta semana, deputados do Arkansas votaram a favor de uma lei que proíbe as cidades-santuário de não fornecerem informações sobre imigrantes ilegais às autoridades do Departamento de Imigração, sob a pena de perderem recursos estaduais. O detalhe é que não existem cidades-santuário no Arkansas, mesmo assim os deputados que apoiam a proposta dizem que a lei é importante para evitar o surgimento delas.
Na terça-feira (16), a Flórida, estado que é a casa de 656 mil imigrantes, aprovou em primeira discussão uma proposta semelhante à de deputados do Arkansas. “É importante não colocar os cidadãos do nosso estado em desvantagem em relação aos imigrantes ilegais que praticam algum crime” disse o deputado republicano Cord Byrd. A proposta prevê multa de US$ 5 mil por dia a governos locais que não colaborarem com o Departamento de Imigração. Tal medida já havia sido adotada por estados como o Texas, Iowa e Tennessee.
Protestos
Na Califórnia, recentemente, dois protestos foram feitos em rodovias do estado. Na divisa com Nevada, uma placa foi colocada junto a uma outra que dizia “Bem-vindo à Califórnia”. A nova placa trazia a seguinte mensagem: “Oficialmente um estado-santuário. Criminosos, ilegais e o MS13 [gangue do subúrbio de Los Angeles] sejam bem-vindos! Os democratas precisam de votos!”. A outra placa instalada na entrada de Malibu, famoso balneário luxuoso no estado, dizia “Oficialmente uma cidade-santuário. Babás e jardineiros baratos fazem de Malibu grande”, uma mensagem alusiva ao slogan de campanha de Donald Trump “Make America Great Again”.
Recentemente a União Americana das Liberdades Civis denunciou que autoridades policiais de diversas cidades da Califórnia estavam enviando informações sigilosas a agentes do Departamento de Imigração, violando as leis do estado. As informações eram retiradas do banco de dados dos departamentos de trânsito. Com esse banco de dados os agentes rastreavam imigrantes ilegais, que não haviam cometido nenhum crime, e que estavam protegidos pelas políticas das cidades-santuário.
A crise imigratória chegou a paralisar o governo americano no início deste ano, por conta da discussão sobre a construção de um muro na fronteira entre Estados Unidos e México. No ano que vem haverá eleições para presidente nos Estados Unidos, e o tema imigrantes estará no centro das discussões. Enquanto isso, La Placita segue sendo um local sagrado para quem está longe de seu país. Um santuário de fé pra quem deixou tudo para trás pelo sonho de uma vida melhor.
PT se une a socialistas americanos para criticar eleições nos EUA: “É um teatro”
Os efeitos de uma possível vitória de Trump sobre o Judiciário brasileiro
Ódio do bem: como o novo livro de Felipe Neto combate, mas prega o ódio. Acompanhe o Sem Rodeios
Brasil na contramão: juros sobem aqui e caem no resto da América Latina