O presidente dos EUA, Donald Trump, curiosamente, minimizou as expectativas para sua segunda cúpula com o líder norte-coreano Kim Jong-un, que ocorrerá nesta semana, dizendo que “não há pressa” em fazer o país a desistir de suas armas nucleares e que está mais focado em impedir que a Coreia do Norte reinicie testes nucleares.
Mas Trump também disse ao presidente sul-coreano Moon Jae-in, em um telefonema na terça-feira (19) que espera "grandes progressos" no encontro que vai ocorrer em Hanói, no Vietnã, de acordo com a Casa Azul em Seul.
Enquanto isso, o enviado americano Stephen Biegun está em Hanói e deve se encontrar com seu colega norte-coreano, Kim Hyok Chol, novamente nesta semana, enquanto os dois lados tentam preparar o terreno para a cúpula.
Então, o que podemos esperar deste encontro? Aqui está uma análise do que cada lado pode trazer para a mesa de negociações em Hanói.
Requisitos dos EUA: Etapas de desnuclearização, ICBMs e um roteiro
Além do comentário de Trump de que "não há pressa" para desmantelamento do programa nuclear do Norte, a administração americana deixou claro que quer ver a desnuclearização totalmente verificável da Coreia do Norte. Os EUA querem ver Kim se comprometer com medidas concretas para avançar esse processo na cúpula.
Washington também gostaria de ver o desmantelamento dos estoques e da produção dos mísseis balísticos intercontinentais (ICBM) da Coreia do Norte, para que se reduza a ameaça de um ataque nuclear contra o continente americano. Este passo poderia ser bom para Trump dentro dos EUA, especialmente enquanto ele cogita uma campanha de reeleição, mas muita ênfase sobre este aspecto, sem etapas simultâneas para desnuclearização, seria profundamente inquietante para aliados-chave dos EUA, Japão e Coreia do Sul.
Biegun indicou recentemente que os Estados Unidos não estão mais exigindo da Coreia do Norte uma lista abrangente de seus sítios nucleares e de mísseis, uma exigência contra a qual Pyongyang se opôs ferozmente. Em vez disso, ele agora diz que isso precisa acontecer "em algum momento" antes da desnuclearização completa.
Idealmente, os Estados Unidos gostariam de concordar com um roteiro para conseguir a desnuclearização, com passos correspondentes de ambos os lado em um caminho para a desnuclearização total e relações amistosas. Especialistas dizem que é improvável que um roteiro detalhado seja acordado nesta cúpula, dada a falta de confiança entre os dois lados e o fato de que as negociações operacionais estão apenas começando.
Exigências norte-coreanas: alívio de sanções e declaração de fim de guerra
A prioridade da Coreia do Norte é obter alívio das sanções. Kim deixou claro que quer impulsionar o desenvolvimento econômico de seu país e, para isso, precisa de comércio e investimento. No topo da sua agenda estão o afrouxamento das restrições sobre as exportações de carvão e as importações de petróleo bruto e produtos refinados de petróleo, e uma retomada da cooperação econômica com a Coreia do Sul através da zona industrial conjunta Kaesong e do projeto conjunto de turismo Monte Kumgang, na Coreia do Norte.
Kim Jong-un diz que precisa de armas nucleares para se proteger contra possíveis invasões americanas e não as entregará a menos que se sinta seguro.
Para esse fim, Pyongyang pediu uma declaração formal do fim da Guerra da Coreia (1950-53). O conflito terminou em um armistício, e a Coreia do Norte diz que os Estados Unidos precisam mostrar que estão comprometidos com um relacionamento pacífico declarando que a guerra acabou. Tal declaração seria apenas o primeiro passo para um tratado de paz formal e abrangente.
Os signatários mais prováveis seriam os Estados Unidos, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul e possivelmente a China, embora não necessariamente por seus respectivos chefes de Estado.
A Coreia do Norte também está exigindo o fim dos exercícios militares conjuntos entre os EUA e as tropas da Coréia do Sul, que há muito se caracterizam como um ato e prática hostis para uma invasão.
A oferta dos EUA: engajamento e alívio gradual de sanções
Além do alívio das sanções, os Estados Unidos têm poucas coisas para oferecer.
Há passos fáceis, como assistência humanitária e intercâmbios esportivos e culturais (a Orquestra Filarmônica de Nova York tocou em Pyongyang em 2008).
Há também movimentos diplomáticos, que poderiam garantir à Coreia do Norte que uma nova era nas relações já começou, como a declaração de fim de guerra.
Outro possível acordo envolveria a abertura de escritórios representativos nas capitais um do outro, um primeiro passo para as relações diplomáticas. Isso daria a Pyongyang algum reconhecimento diplomático.
Os Estados Unidos suspenderam alguns exercícios militares depois que Trump os chamou de "provocativos". Mas o exército americano argumenta que os exercícios são vitais para manter a prontidão e não querem vê-los terminarem permanentemente.
Dado o seu desejo de levar para casa as tropas americanas, Trump pode até se oferecer a redução das tropas dos EUA na Coréia do Sul a partir dos atuais 28.500. Esse é um passo que pode jogar bem em casa, mas pode unir profundamente a Coreia do Sul e o Japão, reduzindo a influência americana e jogando a região nas mãos da China.
O alívio das sanções, se for uma proposta, será um processo gradual, e as sanções não serão totalmente suspensas até que a Coreia do Norte esteja completamente desarmada, insiste o governo Trump.
Há várias sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos, pela Coreia do Sul e pela União Europeia. Destes, as da Coreia do Sul seriam as mais fáceis de rever.
As sanções dos EUA são mais complicadas e foram impostas por várias razões, incluindo abusos dos direitos humanos, lavagem de dinheiro, apoio ao terrorismo, e o programa de armas nucleares. Algumas dessas sanções não podem ser levantadas a menos que o presidente certifique o Congresso de que a Coreia do Norte fez progressos em todas essas áreas.
As sanções acordadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas também serão um processo lento. Essencialmente porque uma vez extintas, seria quase impossível aplicá-las novamente. As sanções foram impostas em um raro momento de unanimidade entre os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. As relações da Rússia e da China com o Ocidente estão tão carregadas que um acordo unânime para reimpor sanções se a Coreia do Norte violasse qualquer acordo seria extremamente difícil de alcançar.
Seul espera exceções às resoluções do Conselho de Segurança para seus projetos conjuntos de desenvolvimento econômico, como Kaesong e Mount Kumgang. Reiniciar a Zona Econômica de Kaesong poderia ser complicado sem que haja um alívio das sanções, mas a reabertura da zona de turismo do Monte Kumgang seria mais fácil, dizem os diplomatas.
Oferta da Coreia do Norte: Yongbyon e talvez mais
A Coreia do Norte já suspendeu seus testes nucleares e de mísseis. Isso não é insignificante. Cientistas nucleares dizem que Pyongyang provavelmente precisaria de mais testes para provar que pode lançar uma ogiva nuclear aos EUA em um ICBM, ou fabricar uma bomba de hidrogênio. Ainda assim, Pyongyang já mostrou capacidade significativa de armamento e lançamento de suas bombas nucleares e sua dissuasão é real.
Kim prometeu no ano passado permitir que inspetores internacionais entrem no país para verificar se a Coreia do Norte fechou sua principal unidade de testes nucleares em Punggye-ri e um local de teste de propulsores de mísseis em Tongchang-ri. Uma inspeção internacional não é irrelevante, mas esses locais não têm mais valor para a Coreia do Norte e especialistas dizem que isso não deve ser considerado como uma grande nova concessão em Hanói.
O mais intrigante é a oferta de Kim para fechar seu principal complexo nuclear em Yongbyon, o coração da indústria nuclear do país, que abriga o reator principal e sua única fonte de plutônio. Acredita-se também que abrigue uma grande instalação para produzir urânio altamente enriquecido, que também pode ser usado para fabricar bombas nucleares e, possivelmente, uma instalação para produzir trítio para possíveis bombas de hidrogênio. Mas se acredita que a Coreia do Norte tenha outros locais para enriquecimento de urânio em outras partes do país.
Kim disse a Moon em setembro que ele está preparado para desmantelar Yongbyon permanente, se os Estados Unidos tomarem "medidas correspondentes" não especificadas.
Biegun afirma que Kim foi ainda mais longe e se comprometeu a desmantelar e destruir todas as instalações de enriquecimento de plutônio e urânio da Coreia do Norte em "um complexo de unidades" que se estende para além Yongbyon, se os Estados Unidos retribuir com medidas próprias.
Fechar Yongbyon seria um “grande, grande negócio”, diz Siegfried Hecker, cientista nuclear e professor de Stanford.
Mas o diabo estará nos detalhes, argumenta Melissa Hanham da fundação One Earth Future: qual instalações a Coreia do Norte ofereceria para fechar, em quais daria acesso aos inspetores, e qualquer encerramento seria permanente e irreversível? O principal reator de Yongbyon foi fechado duas vezes antes dos acordos anteriores, mas o programa nuclear da Coreia do Norte foi iniciado mais tarde. Desta vez, os Estados Unidos gostariam de uma conclusão mais robusta.
Também é importante notar que o fechamento de Yongbyon e outros locais para enriquecer urânio seria apenas o começo de um longo processo de desnuclearização. Isso deixaria a Coreia do Norte com uma quantidade significativa de material físsil e um número desconhecido de ogivas nucleares, e com muitos mísseis para lançar. Mas seria um grande passo em frente que indicaria uma seriedade de propósito.
Um acordo pode ser feito?
A opinião está dividida. Alguns especialistas temem que Trump possa se contentar com um acordo que ele acha que vai ser bom para a sua imagem em casa, como eliminar ICBMs e trazer tropas para casa, mas que enfraqueceria as alianças americanas na Ásia e faria pouco ou nada para desnuclearizar a Coreia do Norte. Outros esperam que um acordo para desmontar e inspecionar Yongbyon possa representar progresso.
*Simon Denyer é chefe do escritório do Washington Post em Tóquio, cobrindo o Japão e as Coreias. Anteriormente, ele trabalhou como chefe da sucursal do The Post em Pequim e Nova Déli; como chefe do escritório da Reuters em Washington, Nova Déli e Islamabad; e correspondente da Reuters em Nairóbi, Nova York e Londres.
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