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Peguei um táxi para me levar do meu hotel, em Havana, para o "paladar", o restaurante onde jantaria. O motorista, falante como a maioria dos cubanos que conheci, puxou conversa mal entrei no carro. Para minha surpresa, queixou-se abertamente da falta de liberdade individual imposta pelo governo ("Quero sair e voltar de Cuba quando quiser") e dos rumos escolhidos por Fidel Castro. Proferiu, então, a frase lapidar: "Somos reféns do sonho de um homem."

Pena que não sei o nome daquele taxista para lhe dar o crédito devido. Ele resumiu como ninguém o estado de coisas na ilha. Fidel realizou seu sonho: derrubou a ditadura que maltratava sua amada Cuba, expulsou os representantes do "imperialismo americano" e apagou os seus vestígios (os cassinos, o crime organizado, a desigualdade social). Foi além: implantou naquele paraíso tropical o sonho de dez entre dez revolucionários do século 20: o socialismo.

Sonho realizado, o que Fidel fez a seguir? Estatizou seu sonho, impingiu-o aos cubanos, congelou-o. O tempo passou – a revolução aconteceu em 1959 –, o governo de Fidel conseguiu progressos que os cubanos parecem valorizar (educação e saúde são sempre citados), mas o mundo mudou. O comunismo acabou. Não em Cuba, porque o comunismo faz parte do sonho de Fidel. Ele sabe que o fluxo natural das coisas leva a mudanças. É impossível evitá-las. Uma estação é diferente da outra, as estações do ano nunca são completamente iguais, os heróis envelhecem. Fidel Castro entende isso tudo muito bem. Ele sabe que apenas impondo seu projeto de forma categórica e sem permitir dissidências de opinião o sonho se manteria.

Figura carismática, homem apaixonado por seu país, Fidel Castro é convincente. Há muito tempo que não são apenas os cubanos exilados em Miami que percebem as mazelas de Cuba. Quem vive lá sabe muito bem que está sendo sacrificado. Mesmo assim, Fidel é uma figura simpática. Certamente espera-se a morte dele como se espera o inevitável fim do verão: vem uma nova estação, muda a paisagem, a vida continua. Que bom! É assim que tem que ser.

A impressão que se tem visitando Cuba é que o período pós-Fidel será conturbado. Ele é o sobrevivente da tríade sagrada que veio de Sierra Madre para expulsar Fulgêncio Batista – os outros dois eram Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos. Por isso está lá, intocável, no panteão dos heróis, no altar dos santos. Nem seu irmão Raul nem os outros membros do partido estão entronizados nesses lugares sagrados. São simples políticos. Não têm a História, nem as lendas, nem a fotografia a favor deles – só Fidel aparece naquelas fotos fantásticas, que destacavam a beleza física e a masculinidade da tríade sagrada (acreditem, Camilo Cienfuegos, o menos famoso por aqui, era tão hermoso quanto Fidel e Che). O herdeiro do comandante vai ter de administrar a enorme vontade dos cubanos de se abrir para o mundo e de animar a economia. Que o despertar lhes seja suave, hermanos.

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