Em 1939, pouco antes de invadir a Polônia, Hitler teria dito a seus oficiais: "Afinal, quem fala hoje do extermínio dos armênios?". Com uma pequena alteração, a pergunta do líder nazista não apenas continua a fazer sentido, mas também a ditar o rumo da geopolítica atual: Afinal, quem fala hoje do genocídio dos armênios?
Oficialmente, apenas 20 países reconhecem os crimes cometidos pelos turcos otomanos como genocídio (o Brasil não reconhece). Para historiadores, no entanto, não há discussão: a partir de 1915, o Império Otomano tentou deliberadamente acabar com os armênios, usando deportações, torturas e forçando milhares a caminhar pelo deserto. O resultado foi o primeiro genocídio do século 20 e 1,5 milhão de mortos.
No próximo dia 24 de abril, de acordo com a tradição anual, os descendentes das vítimas no mundo todo recordam o massacre. É também nesse dia que a Casa Branca deve divulgar uma resolução a respeito da tragédia. A grande pergunta é se Barack Obama vai ou não cumprir a promessa de campanha de mencionar a palavra genocídio.
Como seus antecessores, que nunca reconheceram oficialmente o genocídio, Obama encontra-se numa posição delicada: ou sofrerá pressão da comunidade armênia americana (cerca de 400 mil pessoas, com forte lobby no Congresso), ou arrisca perder o apoio de um país essencial para os EUA no Oriente Médio.
Democracia secular de maioria muçulmana, a Turquia é uma aliada importante de Washington. O país é o membro da Otan com o maior exército depois dos EUA, faz fronteira com Irã, Iraque e Síria e serve como corredor energético para a Europa.
O grande dilema é que Ancara se nega a admitir a classificação de genocídio para as matanças dos armênios pelos otamanos, alegando que as mortes foram decorrentes de casualidades da Primeira Guerra. O escritor turco e Nobel da Literatura Orhan Pamuk já foi inclusive julgado por ter insultado a "identidade turca" seu crime: reconhecer o genocídio.
Para os europeus que não querem ver um país de maioria muçulmana parte da União Europeia, a negação dos crimes por parte do governo turco se tornou uma arma poderosa. Mas para os EUA, que têm todo o interesse de manter boas relações com a Turquia, reconhecer o genocídio pode ter um ônus pesado.
No passado, a Turquia ameaçou desabilitar a base militar americana em Incirlik caso Washington assumisse que houve um genocídio. O argumento foi usado tanto contra o presidente Bill Clinton (1993-2001) quanto contra George W. Bush (20012009). Desta vez, podem se ausentar de qualquer comprometimento com a paz no Oriente Médio.
Agora, cabe a Obama tomar uma decisão. Em sua visita à Turquia na última semana, ele disse que "houve muitos comentários sobre minhas opiniões, mas o que realmente importa é como os povos turco e armênio enfrentam o passado". Nas próximas duas semanas, ele terá que escolher: ou cumpre a obrigação moral de uma promessa e do reconhecimento de um fato histórico, ou abre alas para o pragmatismo e para uma pergunta: Hitler estava certo quando falou dos armênios?