Centenas de moradores de Fallujah queimam as bandeiras dos EUA e de Israel para comemorar a saída das tropas americanas do Iraque| Foto: AFP

Ataque de insurgentes detonou conflito

Fallujah, a Cidade das Mes­­qui­­tas, já foi vista como uma parada, majoritariamente conservadora e sunita, entre Bagdá e a Síria. Reduto industrial de cerca de 300 mil habitantes, a cidade ga­­nhou a atenção dos EUA em 2004, quando insurgentes atacaram um carro que carregava quatro empreiteiros e uma multidão em festa arrastou seus corpos carbonizados pelas ruas, pen­­durando dois pelo pescoço em uma ponte sobre o Eufrates.

Mohammed Khodor era um aspirante a fotógrafo de 16 anos de idade, em 2004, quando saiu correndo de sua casa com a câ­­mera na mão para encontrar a multidão que havia atacado os empreiteiros da Blackwater. Ho­­je, ele se impressiona com quão jovens todos pareciam em suas fotos.

"Os danos infligidos a Fallu­­jah foram todos consequências disso", ele diz, observando as fotografias daquele dia.

As imagens dos americanos, irreconhecivelmente queimados e cercados por multidões em festa, agravaram um sentimento crescente de insegurança dos EUA: a ocupação estava fugindo do controle.

O exército dos Estados Unidos prometeu pacificar Fallujah. Duas batalhas se seguiram, em abril e no final de 2004, que trouxeram a restauração do poder, mas pulverizaram a cidade e deixaram centenas de mortos.

Tensões

À medida que a presença ame­­ricana foi diminuindo, a frustração e as suspeitas da cidade se voltaram para o governo xiita de Bagdá e para os soldados iraquianos que respondiam a oficiais sob o comando direto do primeiro-ministro Nouri al-Maliki.

Durante 2011, habitantes de Fallujah e dos desertos vizinhos da província de Anbar entraram em conflito com o governo central pelo controle das forças de segurança, dos recursos de gás, do dinheiro e da governança da região.

Os conflitos trazem à to­­na tensões fundamentais entre os oficiais em Bagdá, que favorecem um poderoso governo central, e aqueles em regiões majoritariamente sunitas, que exigem mais autonomia na administração de suas questões.

O xeque Hasham, o oficial de conselho que já sobreviveu a vá­­rias tentativas de assassinato, criticou Bagdá por deixar de apoiar a reconstrução de Fallu­­jah. Ele disse que a grande maioria das 10 mil casas destruídas já foi recuperada ou reconstruída, mas muitas fábricas danificadas continuam fechadas.

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Eles vieram em dezembro para enterrar a guerra: clérigos e xe­­ques, crianças e viúvas de toda esta cidade marcada pelo combate. À sombra de um viaduto, eles balançaram cartazes, queimaram bandeiras dos Estados Uni­­dos, exibiram fotos de seus mortos e gritaram denúncias batidas contra as forças americanas, que estão em retirada.

"É um festival", disse o xeque Hamid Ahmed Hasham, líder do conselho regional, cujos quatro antecessores foram assassinados.

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Fallujah, que já foi um inferno da guerra no Iraque, está an­­siosa para dizer adeus aos nove devastadores anos de incursões, bombardeios e combates urbanos de casa em casa.

Pelo menos 200 soldados dos Estados Unidos foram mortos na cidade. E milhares de iraquianos morreram, entre eles civis e in­­surgentes – todos lembrados co­­mo mártires.

Hoje, Fallujah é uma cidade que busca desesperadamente a normalidade.

Chamados para preces soam nos minaretes onde atiradores insurgentes costumavam se en­­tocar. Casas opulentas surgem em meio a campos de destroços, construídas por xeques, empreiteiros e qualquer um que tenha se beneficiado, ilegalmente ou não, das enormes quantias de dinheiro dos Estados Unidos que fluíram para dentro do Iraque durante a guerra.

No entanto, em meio à re­­construção, Fallujah continua ilhada entre o passado e o pre­­sen­­te, e a ira da cidade em relação aos americanos quase certamente persistirá.

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Esse legado está visível em pa­­redes de concreto cravejadas de buracos de balas e cicatrizes de estilhaços, em prédios residenciais ainda destroçados e empilhados no chão.

Ele está visível nos rostos de viúvas que encheram os degraus do lado de fora de um centro educacional islâmico no dia 14 de dezembro, que marcou o evento do Dia da Resistência e da Li­­berdade, balançando fotos de seus maridos e filhos mortos e exigindo indenizações pelas perdas sofridas.

Sofrimento

"Estamos cheias de dor", disse Turkiya Fehan. Ela apontou para uma foto de seu filho, Moham­­med, de 19 anos, morto em 2004.

Mustafa Kamel, de 16 anos, conta que, ao voltar da escola a pé há cinco anos, ficou preso em meio a um tiroteio entre as forças dos EUA e os insurgentes, e le­­vou um tiro no pescoço. Seu ferimento o deixou paralisado, mas a ex­­periência também o presenteou com um conjunto muito específico de objetivos. Um: tornar-se médico. Dois: voltar a andar. E três: "Eu pediria a Deus para permitir que você veja do que so­­frem as pessoas em Fallujah. Que você sofra como eu sofro".

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