Manifestantes nicaraguenses marcham contra Daniel Ortega na Comunidade La Cruz, a cerca de 20 km da fronteira Costa Rica-Nicarágua, em 16 de dezembro de 2018| Foto: INTI OCON/AFP

O secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), o brasileiro Paulo Abrão, usou as redes sociais para alertar sobre o agravamento da crise na Nicarágua. Segundo ele, é o início da quarta fase de "repressão" do regime do ditador nicaraguense, Daniel Ortega. 

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Nossas convicções: O valor da democracia

Segundo Abrão, na Nicarágua decretos proíbem protestos, as leis ameaçam os negócios privados e há cerceamento das organizações não governamentais. Ele também citou casos de perseguição e criminalização da oposição. As informações são da Agência Brasil.

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"Acelera-se a quarta fase de repressão na Nicarágua", disse Abrão, na sua conta no Twitter, em espanhol. "[Há] a consolidação de um Estado de Exceção com decretos policiais ou atos legislativos que tentam manter a ‘aparência de legalidade' para medidas que restringem e afetam a essência dos direitos humanos".

De acordo com o brasileiro, a Polícia Nacional da Nicarágua impediu integrantes da comissão de entrar em suas instalações. "Não há uma verdadeira democracia sem sociedade civil livre, sem direito à livre associação e reunião", destacou.

Segundo Abrão, a redução dos espaços da sociedade civil se confirma por meio da repressão violenta aos protestos e da criminalização dos opositores. "Tenta-se oprimir e exterminar todas as vozes dissidentes. As democracias exigem pluralidade política".

O comentário de Abrão ocorre logo após a denúncia de que policias invadiram um dos principais jornais de oposição na Nicarágua, o El Confidencial, a mando do ditador, na sexta-feira (14). Na mesma madrugada se reportaram invasões a sedes de movimentos sociais do país, como o Centro Nicaraguense de Direitos Humanos. Há poucas semanas, Miguel Mora, diretor do 100% Notícias, outro meio de comunicação crítico ao governo, foi preso.

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No total, nove ONGs que desenvolvem um trabalho crítico ao governo de Ortega tiveram o registro jurídico para atuar na Nicarágua cassados pelos parlamentares. Segundo os deputados governistas, essas ONGs participaram de "atos terroristas, crimes de ódio e tentativas de golpe frustradas" contra Ortega. A empresa de mídia está ligada ao caso porque seu diretor, Carlos Fernando Chamorro, também dirigiu uma das ONGs acusadas pelo regime. 

Na Nicarágua, assim como na Venezuela, o Legislativo e o Judiciário são controlados por partidários do governo. Chamorro é filho da ex-presidente Violeta Chamorro (1990-1997), uma histórica opositora dos sandinistas. Ele foi diretor da ONG, mas nega que seus negócios jornalísticos tenham vínculo com ela. 

Agressões e greve

No sábado, Chamorro e outros jornalistas que trabalham no grupo de comunicação organizaram uma pequena manifestação diante da sede da polícia nicaraguense para denunciar o confisco do prédio. Guardas da tropa de choque deixaram o prédio para reprimir o ato e ao menos sete jornalistas foram agredidos aos gritos de "golpistas". 

Nossas convicções: Liberdade de expressão

"Três policiais me bateram", disse o jornalista Néstor Arce, da revista Confidencial. "Me chutaram nas pernas e me derrubaram no chão." 

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A Associação de Imprensa da Nicarágua criticou o governo. "As ações do regime de Daniel Ortega confirmam o que temos denunciado desde que ele voltou ao poder: ele atropela as liberdades individuais e os direitos garantidos na Constituição", disse a entidade em nota. 

A Human Rights Watch também condenou a invasão das redações dos veículos de Chamorro. "Ortega tem deixado claro sua intenção de governar com o terror e a intimidação", disse o diretor da entidade para as Américas, José Miguel Vivanco. 

A situação fez com que a oposição convocasse uma greve geral no país nesta quinta-feira.  

"Convocamos todos os setores empresariais, comerciais e a cidadania em geral a cruzar os braços no dia 20 para exigir a queda do regime", disse a Unidade Nacional Azul e Branca (Unab), em nota. A coalizão foi formada em outubro por movimentos estudantis, partidos políticos, empresários e movimentos sociais críticos a Ortega, ex-líder da Revolução Sandinista, no poder desde 2007. 

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A greve convocada para a quinta-feira também tem como objetivo pressionar o governo para libertar os opositores presos nos protestos deste ano. Segundo entidades ligadas à oposição, 674 pessoas estão presas por participação nos protestos. O governo diz que são 273. 

Contexto

Os protestos se tornaram frequentes nas principais cidades da Nicarágua desde abril. Os manifestantes saem às ruas apelando para que Ortega deixe o poder, por mais liberdade e melhores condições econômicas.

O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizaram o governo por mais de 300 mortes.

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As duas entidades denunciam ainda a existência de ações extrajudiciais, torturas, obstrução ao atendimento médico, prisões arbitrárias, sequestros e violência sexual.

Em julho, a estudante brasileira de medicina Rayneia Gabrielle Lima foi morta a tiros por um vigilante no caminho do hospital onde fazia residência para sua casa. O homem foi condenado a 15 anos de detenção na última semana. Enquanto isso, manifestantes foram presos e condenados a até 24 anos de prisão, com base na recém-criada lei antiterrorismo.

Auxílio chavista 

Com uma economia relativamente pequena e centrada basicamente na plantação de café e no turismo, a Nicarágua dependeu de subsídios externos nos dois períodos de governo sandinista. Se na década de 80, a União Soviética era a principal parceira de Daniel Ortega, a partir de 2007 esse papel coube à Venezuela. 

Com a crise venezuelana, que se agravou a partir de 2014, as remessas chavistas para Manágua começaram a cair vertiginosamente, o que prejudicou as contas públicas, até então cuidadosamente equilibradas. "Os sandinistas aprenderam no seu primeiro governo como não governar o país. Na volta de Ortega, ele forjou uma aliança com setores privados e investiu em programas sociais e infraestrutura", diz o professor da escola de negócios Incae de Manágua Arturo Cruz. 

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Segundo o analista, sem os recursos venezuelanos, Ortega passou a ter dificuldades para manter os programas de seus primeiros anos de mandato. Em paralelo, a demanda da população por bons serviços públicos aumentou. "A resposta a isso foi um estado policial repressivo", conclui.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.