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A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Bruxelas, no ano passado
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Bruxelas, no ano passado| Foto: EFE/EPA/OLIVIER MATTHYS

A vitória da direita europeia traz motivos para a direita brasileira comemorar – mas também, se preocupar.

Derrotas humilhantes para Emmanuel Macron e Olaf Scholz, aliados de primeira hora de Lula, marcaram as eleições do Parlamento Europeu neste final de semana. Os partidos socialistas encolheram e os verdes foram reduzidos à quase insignificância.

Enquanto isso, partidos rotulados como de "extrema-direita" e independentes, outrora marginalizados, agora ganham força e passam a influenciar significativamente o desenho de uma nova face política, talvez mais conservadora, na Europa.

A onda populista, que teve início com o Brexit em 2016, parece ter finalmente alcançado a Europa continental. Só há motivos para comemorar, certo? Não exatamente.

Após a euforia do impacto inicial, uma análise mais profunda revela certas nuances que recomendam uma dose saudável de ceticismo, especialmente no que tange aos possíveis efeitos sobre o Brasil.

Primeiro, como observou-se nas vitórias de Trump, Bolsonaro e o próprio Brexit, a reação do sistema contra avanços democráticos conservadores é sempre brutal e quase imediata, aproveitando-se da eterna desorganização da direita – normalmente avessa ao jogo do estado profundo e, portanto, tornando-se vulnerável a ele.

Segundo, apesar da imprensa geralmente pintar a chamada "extrema-direita" europeia como um bicho-papão — nos moldes da direita brasileira ou americana —, com poucas exceções, essa direita difere substancialmente das existentes neste lado do Atlântico.

Por exemplo, além da imigração, a campanha do partido de Marine Le Pen focou-se em pautas consideradas centristas ou até de esquerda, como arrocho salarial, sistema de saúde universal e o aumento das pensões.

Questões da chamada "pauta de costumes", como aborto, porte de armas, e, cada vez mais, ideologia de gênero e até eutanásia, são consideradas "pacificadas" e ignoradas pela direita europeia. A visão romântica do ressurgimento da Europa como centro da Cristandade é inexistente no continente.

Na Europa, a agenda conservadora é mais voltada para um sentimento nacionalista contra a centralização da UE (chamado de euroceticismo), um controle de imigração mais rígido — às vezes defendendo restrições ao avanço do Islã — e uma abordagem mais racional às políticas ambientais, em contraposição à histeria das mudanças climáticas. Ainda assim, essas pautas ganharam relevância devido aos seus efeitos secundários sobre habitação, bem-estar social, criminalidade e custo de vida.

O Parlamento Europeu, apesar de teoricamente representar o poder legislativo da UE, não tem o poder de propor ou aprovar leis por conta própria, funções essas do poder executivo (não eleito) da UE, a Comissão Europeia – hoje chefiada pela alemã Ursula von der Leyen. A influência do Parlamento é limitada, e suas eleições atraem políticos de menor expressão, tornando os ganhos deste final de semana em algo mais simbólico.

No entanto, não há dúvidas de que estas eleições servem como um barômetro para a política europeia, e a mensagem do eleitorado europeu de “mais França (ou Alemanha, ou Itália...), menos Bruxelas” ecoa o sentimento da direita brasileira de “mais Brasil, menos Brasília”.

O aspecto mais positivo para o Brasil vindo deste resultado pode ser a consolidação de uma nova onda conservadora global, com a reabilitação de pautas de direita que sofreram duras derrotas – e certo retrocesso – no mundo pós-Covid, especialmente com as eleições de Lula e Biden.

Essa onda ressurge em um excelente momento, possivelmente influenciando as eleições municipais brasileiras deste ano e, em se confirmando a vitória de Trump nas eleições americanas de novembro, podendo ganhar fôlego extra até 2026.

Outra razão para otimismo é o chamado "Efeito Bruxelas", onde a UE, incapaz de liderar por conta de inovação ou produtividade, especializou-se em exercer uma espécie de liderança regulatória global – exportando suas leis para outras jurisdições. Um exemplo é a Lei Geral sobre a Proteção de Dados da UE (GDPR), que inspirou leis similares pelo mundo, inclusive a própria LGPD brasileira.

Em um momento em que a UE intensifica seus esforços para regulamentar a Inteligência Artificial, ameaça impor sanções severas às big techs que descumpram sua rigorosa regulamentação sobre redes sociais, e avança na imposição de restrições à liberdade de expressão por meio de leis contra o chamado "discurso de ódio" – além de ameaçar a privacidade dos cidadãos com a implementação de moedas digitais do banco central (CBDCs) – um Parlamento com uma composição mais conservadora poderia atuar como um contrapeso a algumas tendências autoritárias da bloco, potencialmente limitando sua expansão pelo mundo.

Por outro lado, o crescimento da direita europeia pode ser negativo para o agronegócio brasileiro, já que o agronegócio europeu, menos competitivo e altamente subsidiado, ganhou força política significativa nestas eleições, possivelmente tornando a conclusão do Acordo Comercial entre a UE e o Mercosul ainda mais complicada.

Ainda, sob a liderança de Macron — talvez o líder mundial mais avesso ao agronegócio brasileiro, rivalizando até com Lula —, o lobby ambiental europeu tem explorado uma variedade de pretextos ambientais, desde queimadas na Amazônia até o uso de defensivos agrícolas, para obstruir a ratificação do acordo comercial entre a UE e o Mercosul.

Este cenário, já tenso desde a conclusão das negociações em 2020, tende a se complicar ainda mais com o fortalecimento político dos agricultores europeus.

A implosão do modelo de crescimento econômico alemão, que por décadas dependeu da importação de energia barata da Rússia e de bens de consumo e de capital da China, faz com que a Alemanha se torne extremamente interessada na implementação do acordo.

Este acordo é visto como vital para sustentar seu debilitado setor industrial, criando uma importante divergência entre Macron e Scholz. Esse contraste pode inclusive influenciar a escolha do sucessor de Ursula von der Leyen como líder da Comissão Europeia ainda este ano.

Com o enfraquecimento de Macron e Scholz, ambos grandes fiadores de Lula na Europa, as ambições globais e credibilidade do brasileiro também são impactados, especialmente no contexto da expansão do banco dos BRICS e atuação em outras plataformas internacionais.

Adicionalmente, vale notar que o Brasil também pode se beneficiar de uma maior sensibilidade europeia às questões de perseguições políticas e ataques à liberdade de expressão que ocorrem no país, aspectos que foram recentemente destacados pela Câmara americana.

Embora a ascensão de uma certa direita na Europa possa ser vista inicialmente como positiva, é importante se observar que as diferenças ideológicas, e limitações estruturais e políticas da própria EU, indicam que os benefícios dessa mudança política podem não ser tão diretos ou substanciais quanto se poderia esperar.

Jefferson Vieira é economista com uma década de experiência no mercado financeiro e em organizações multilaterais, baseado na Europa.

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