Sergey Babayan ficou preso. Minutos antes, pequenas nuvens de fumaça haviam começado a entrar pelas fendas da porta de sua sala de aula no Instituto Privado de Administração Governamental e Corporativa de Moscou.

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Não houve nenhum alerta, recorda-se ele, nem sequer um alarme soou. A essa altura, a fumaça tomava conta da sala e as chamas estalavam no corredor, onde a porta de aço que daria acesso à única saída de emergência estava trancada. A única maneira de escapar era pelas janelas, a quatro andares de altura.

Os alunos se acotovelavam nas soleiras e gritavam. Uma jovem se arrastou até a borda e caiu, batendo na abóbada dois andares abaixo. Ofegante, Babayan, de 17 anos, quase sem conseguir respirar, arrastou-se para fora e se segurou em um aparelho de ar condicionado.

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Foi ali, como ele conta, que viu a sua chance de sair com vida: um cabo da espessura de um cigarro pendente ali perto, preso ao teto. Ele se agarrou e desceu, com a sensação, a julgar por seus ferimentos, de como se tivesse deslizado por uma faca. Outros alunos e professores começaram a pular, estatelando-se no chão. Até então, 11 pessoas haviam morrido devido ao incêndio, inclusive cinco cujos corpos carbonizados foram encontrados em uma sala de aula depois de os bombeiros derrubarem a porta de emergência que estava trancada.

Era Putin

Há oito anos na gestão do presidente Vladimir Putin, o governo russo encheu os cofres de dinheiro e os seus ministros de pompa, possibilitando ao Kremlin reivindicar a retomada de um espaço no cenário mundial. Mas o incêndio em 2 de outubro que se alastrou rapidamente somado ao panorama surrealista de desespero, ferimentos e morte que o seguiram, evidenciaram a permanente falta de organização que permeia o parcial restabelecimento da Rússia.

O respeito às leis, à segurança e à saúde pública, além da capacidade administrativa do governo russo, ainda continuam muito aquém do ideal do Kremlin, como se comprova pela proporção em que a população da Rússia é atingida por incêndios.

Mais de 17 mil pessoas morreram em incêndios em 2006 na Rússia, aproximadamente 13 para cada 100 mil pessoas. Isso representa mais do que 10 vezes os índices registrados na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, segundo estatísticas do governo da Rússia, dos Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças e da Geneva Association, organização suíça que analisa estatísticas internacionais relacionadas a incêndios.

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Nos primeiros oito meses deste ano, os índices de morte por incêndio na Rússia caíram em cerca de 10%, segundo o governo, mas continuam terrivelmente elevados. Os recentes processos judiciais e entrevistas com sobreviventes de incêndios e com funcionários da área de segurança pública, ilustram diversos motivos.

O número de mortos, neste ano oscilando em cerca de 40 pessoas por dia, origina-se de uma infinidade de fatores. Entre eles, sistemas elétricos e de aquecimento obsoletos em habitações públicas e residências nas zonas rurais, equipamentos de combate a incêndio em péssimas condições e violações ilimitadas aos padrões de segurança.

Elevadas taxas de alcoolismo e fumo também entram na lista de principais causas, segundo representantes do corpo de bombeiros, uma vez que pessoas sob a ação de álcool muitas vezes não têm condições de escapar de incêndios ou, sem querer, acabam iniciando-os.

"Existe o problema e o comportamento dos alcoolizados", afirmou o tenente general Alexander P. Chupriyan, ministro interino de serviços de emergência da Rússia, em uma entrevista no início deste ano. "Eles não são os únicos a morrer. Muitas pessoas totalmente inocentes morrem com eles."

Nas principais cidades da Rússia, as rodovias que agora ficam congestionadas devido ao aumento no número de veículos em circulação e de um planejamento urbano ineficaz, retardam o tempo de chegada dos caminhões do corpo de bombeiros. Nas zonas rurais, as enormes distâncias até os corpos de bombeiros produzem o mesmo efeito, muitas vezes impedindo os bombeiros de chegar ao local a tempo, como afirmam os bombeiros.

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Bombeiros

Sergei V. Anikeev, inspetor chefe do corpo de bombeiros de Moscou, disse em uma coletiva de imprensa que pequenos roubos e negligência aumentam os riscos. Mesmo quando prédios novos possuem equipamentos de segurança, como ele diz, no intervalo de um ano muitas vezes o equipamento é roubado ou se torna inutilizado.

O combate e a prevenção contra incêndios tornaram-se problemas na Rússia desde o colapso da União Soviética. Uma dacha de propriedade de Putin foi destruída por um incêndio em 1996. Posteriormente, ele deu a entender que bombeiros mal preparados haviam contribuído para os danos.