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Onde os haitianos não são bem-vindos

Batidas são comuns nas favelas de Nassau, como nessa, onde e vivem esses dois garotos descendentes de haitianos | Andrea Bruce/ The New York Times
Batidas são comuns nas favelas de Nassau, como nessa, onde e vivem esses dois garotos descendentes de haitianos (Foto: Andrea Bruce/ The New York Times)

Kenson Timothee vinha andando pela rua quando um oficial fardado lhe fez uma pergunta que atualmente faz os nativos descendentes de haitianos entrarem em pânico: "Você tem passaporte?".

Timothee, que nasceu nas Bahamas, mas de imigrantes haitianos ilegais, acabou ficando em um centro de detenção da imigração um mês e meio. Ele é uma das centenas de pessoas afetadas pelo debate acirrado sobre a nova política imigratória do país, que exige que todos tenham um passaporte – e, segundo os grupos de direitos humanos, atinge injustamente aqueles que descendem de haitianos.

O rapaz até tinha provas de que nascera nas Bahamas, mas teve dificuldades em conseguir a certidão de nascimento de seu pai ausente e, assim, nunca concluiu o processe de requisição de cidadania.

"Eu mostrei até os formulários que preenchi, mas não foi o suficiente; para as autoridades eu não sou bahamês, sou haitiano e tenho que ser deportado. Eu não sei nada sobre o Haiti", lamenta.

O governo das Bahamas anunciou que até o segundo semestre deste ano as escolas vão exigir um tipo de aval dos alunos; a "permissão" é anual, custa US$125, e será exigida com o passaporte que tenha o selo de residência até das crianças nascidas em solo bahamês, mas sem cidadania.

As medidas duras são semelhantes a outras que vêm sendo implantadas na região e que afetam, em sua grande maioria, os haitianos que estão fugindo do país mais pobre do hemisfério. A justiça da República Dominicana, por exemplo, decidiu em 2013 que os filhos de imigrantes ilegais, mesmo tendo nascido no país, não têm direito a cidadania.

E em decorrência das críticas internacionais da decisão, o governo teve que criar um plano para evitar que milhares de pessoas se tornem apátridas. Em Turcos e Caicos, uma das principais autoridades da imigração prometeu, em 2013, caçar e capturar os haitianos ilegais no país, garantindo que tornaria a vida deles "insuportável". No Brasil, os políticos pensaram até em fechar a fronteira com o Peru, no ano passado, para impedir a onda de haitianos que chegava. Em dezembro, o Canadá anunciou que vai voltar a deportar haitianos.

Aqui nas Bahamas, a prisão de Timothee coincide com o aumento das batidas policiais em favelas predominantemente haitianas, onde quem não tem passaporte nem permissão de trabalho é sumariamente apreendido. Com os ilegais fugindo dos oficiais, os agentes passaram a entrar nas casas e pegar seus filhos – e as fotos dos pequenos sendo arrastados circularam amplamente.

Desde que a lei entrou em vigor, em 1« de novembro passado, as crianças nascidas nas Bahamas vêm sendo deportadas com os pais – e muitas, com nome de origem haitiana, vêm sendo retiradas das escolas, Em setembro, 241 haitianos foram expulsos.

Embora 85 por cento da população do país aprove a medida, ela é alvo de rejeição internacional. Citando alguns dos casos mais alarmantes – incluindo o da mulher grávida que deu à luz no chão de um centro de detenção – vários grupos pediram a intervenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A imigração bahamesa alega que a lei não visa nenhuma nacionalidade em particular, mas serve para dar uma boa ideia de quem mora no país e ajuda a impedir que milhares de haitianos enfrentem o mar bravio em barcos que quase sempre afundam.

Porém, para Annette M. Martínez Orabona, diretora do Instituto Caribenho de Direitos Humanos, a nova política se encaixa no contexto mais amplo da repressão à imigração na região.

"É guiada por práticas discriminatórias em relação às pessoas de origem haitiana", explica.

E prossegue, afirmando que crianças como a filha de cinco anos de Timothee estão em uma situação legal precária. Se a nacionalidade é transmitida pelo sangue e seu pai não tem cidadania, qual o passaporte que a menina vai ter?

"A terceira geração está em um buraco negro", conclui.

A constituição das Bahamas diz que aqueles que nasceram de pais não cidadãos do país têm o direito de pedir cidadania entre 18 e 19 anos. E em uma nação em que pelos menos dez por cento da população tem descendência haitiana, muita gente não o faz; outras enfrentam anos de demoras administrativas.

A nova política as força a pedir o passaporte do país de origem dos pais.

"É uma jogada; assim que você entra com o pedido do passaporte haitiano, automaticamente se torna cidadão daquele país, ou seja, já não se encaixa mais na categoria em que as Bahamas se veem na obrigação de lhe conceder cidadania. Você não é mais apátrida", explica Fred R. Smith, advogado de direitos civis que se tornou o maior crítico da nova política.

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