Ouça este conteúdo
A Organização para as Nações Unidas (ONU) informou nesta quarta-feira (3) a conclusão de investigação que aponta que todos os envolvidos no conflito na Etiópia cometeram, em diferentes graus, crimes contra a humanidade, cujas vítimas principais foram civis sem relação com a guerra, sobretudo mulheres abusadas sexualmente. "Há detalhes de violações e abusos, que incluem assassinatos e execuções extrajudiciais, torturas, violência sexual e baseada no gênero, violações contra refugiados e deslocamento forçado de civis", garantiu a Alta Comissária do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, ao apresentar o relatório à imprensa.
O documento foi produzido pela comissão liderada pela ex-presidente do Chile em conjunto com a Comissão Etíope de Direitos Humanos, e se debruça sobre período que vai de 3 de novembro do ano passado, quando foi deflagrado conflito na região do Tigré, até junho deste ano, com a declaração de cessar-fogo unilateral do governo do país. De acordo com os investigadores, a declaração unilateral de interrupção das hostilidades teve impacto relativo nos níveis de violência, considerando que "todas as partes seguem violando os direitos humanos até hoje", além de existirem informações de que os abusos das forças do Tigré se multiplicaram, segundo Bachelet.
No conflito no país africano, as Forças Nacionais de Defesa Etíopes, as Forças de Defesa da Eritreia, as Forças Especiais de Amhara (região da Etiópia) e várias mílicias, combatem as Forças Especiais do Tigré, entre outros grupos, como a Frente Nacional pela Libertação do Tigré (TPLF), e aliados. O relatório da ONU revela episódios de atos brutais cometidos por razões étnicas, em particular massacres de pessoas provenientes das regiões de Amhara e Tigré, que poderiam ser classificados como "ataques generalizados e sistemáticos contra uma população civil específica", o que foi enquadrado como crime à humanidade.
Além disso, indica um cenário em que a tortura se tornou algo comum, assim como detenções em locais sigilosos ou bases militares, saques e ataques contra casas, igrejas e hospitais, conforme relatou a chefe da África Oriental e do Sul do Escritório comandado por Bachelet, Françoise Mianda. O relatório também denuncia que todas as partes do conflito cometeram violência sexual e têm integrantes envolvidos em atos criminosos, incluindo estupros coletivos. Mais da metade das mulheres sobreviventes foi vítima destes abusos - algumas ficaram grávidas ou foram contaminadas com doenças sexualmente transmissíveis.
Emergência nacional
Por conta desse cenário, um dia antes da divulgação do relatório, o governo central da Etiópia declarou estado de emergência nacional. A medida anunciada veio por ordem do Conselho de Ministros do país e inclui a proibição à realização de protestos e à disseminação de informação ou propaganda de apoio a grupos considerados terroristas, como a Frente Popular de Libertação do Tigré. Além disso, é proibido o porte de armas por pessoas que não estejam autorizadas pelas autoridades nacionais.
O titular da pasta da Justiça, Gedion Timotios, responsável pela divulgação do decreto, garantiu que o objetivo da medida é conseguir conter as forças rebeldes da região e evitar a desintegração do país. Diante do avanço dos rebeldes, o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, emitiu no domingo à noite uma mensagem para a população, pedindo para que todos colocassem de lado os assuntos cotidianos, para que se unissem e organizassem para lutar contra a FPLT. Hoje, as autoridades de Adis Abeba pediram que os moradores registrassem as armas que possuem e cooperassem com as forças de segurança locais para defender os bairros da cidade.
A guerra entre Tigré e o Executivo central etíope eclodiu em 4 de novembro do ano passado, quando o primeiro-ministro do país ordenou uma ofensiva contra a FPLT, em represália a um ataque contra uma base militar federal. A partir daí, houve uma escalada na tensão política e uma onda de protestos, com o registro de milhares de mortos e milhões de deslocados na região do Tigré. Cerca de 75 mil etíopes, inclusive, fugiram para o Sudão.