Embora desde 2020 aparentemente tenha ocorrido redução dos abusos na Venezuela contra opositores do ditador Nicolás Maduro, estes continuam com mecanismos mais “seletivos”, denuncia um novo relatório publicado nesta quarta-feira (20) pela Missão Independente para a Venezuela das Nações Unidas, que será debatida perante o Conselho de Direitos Humanos.
“Embora tenha havido uma diminuição quantitativa nas denúncias registadas em relação a períodos anteriores, a missão continuou a documentar numerosos casos de graves violações dos direitos humanos contra pessoas que se opõem ao governo, ou percebidas como tal”, afirmou a missão.
O relatório da ONU, apresentado durante entrevista coletiva pelos três membros da missão, documenta entre janeiro de 2020 e agosto de 2023 pelo menos nove mortes de opositores e líderes da sociedade civil relacionadas a práticas repressivas, 14 desaparecimentos forçados, 58 detenções arbitrárias, 28 casos de tortura e 19 de violência sexual e de gênero.
“Continuam sendo cometidas na Venezuela violações graves dos direitos humanos, que recentemente aconteceram de forma seletiva contra pessoas da sociedade civil, como líderes sindicais, jornalistas e defensores dos direitos humanos”, destacou a presidente da missão, a portuguesa Marta Valiñas.
Entre as mortes citadas no relatório, estão três relacionadas a protestos (como a de Junior Enrique Chaparro, membro do povo indígena Kariña que foi encontrado enterrado na floresta com sete ferimentos a bala) e de três jornalistas assassinados em agosto de 2022 nos estados de Sucre e Zulia.
Também foram denunciados o assassinato do líder indígena uwottüja Virgilio Trujillo, em junho de 2022, no estado do Amazonas, do ativista do Partido Comunista José Gregorio Urbina e as mortes sob custódia do general Raul Isaías Baduel, falecido em 2021 em Helicoide, e do indígena Salvador Franco, falecido no presídio El Rodeo II no mesmo ano.
Sobre essas duas últimas mortes, a missão disse ter “motivos razoáveis para acreditar que foram uma consequência direta da negação de cuidados médicos adequados”.
Nos 14 casos de desaparecimento forçado (dez homens e quatro mulheres), o relatório indicou que as vítimas estiveram desaparecidas durante pelo menos várias horas e, em alguns casos, até dez dias.
Além das mortes e desaparecimentos, a missão citou o caso de seis sindicalistas, condenados em agosto a 16 anos de prisão por protestos em nome de reivindicações trabalhistas.
“Ao criminalizar a participação em atividades legítimas, o Estado silencia e cria um efeito que intimida qualquer pessoa que considere participar em qualquer ação que possa ser considerada crítica ao governo”, disse a argentina Patricia Tappatá Valdez, especialista da ONU e também membro da missão.
Em relação às 58 detenções arbitrárias, o relatório denunciou que em alguns casos as vítimas foram familiares de suspeitos - algo que tem afetado de forma desproporcional mulheres de opositores, ativistas e outras pessoas sujeitas a perseguição - para pressionar e intimidar os críticos.
As torturas documentadas de ao menos 28 pessoas - 22 homens e seis mulheres - incluíram “espancamentos (...), suspensão pelos pulsos ou tornozelos, asfixia com sacos na cabeça por vezes pulverizados com inseticida, exposição a baixas temperaturas, queimaduras com cigarros e privação de sono”, entre outros.
“Seu objetivo era punir os detidos por suas atividades sindicais ou relacionadas aos direitos humanos”, acrescentou o documento da missão, também integrada pelo jurista chileno Francisco Cox.
Mulheres são vítimas de violência sexual em presídios
No caso da violência sexual e de gênero, o relatório documentou 19 vítimas - 15 mulheres e quatro homens -, denunciando o uso habitual da nudez forçada no sistema prisional venezuelano, afetando “desproporcionalmente” as mulheres.
A redução dos protestos antigovernamentais a partir de 2020, devido a fatores como o início da pandemia de Covid-19, parece, segundo o relatório, ter reduzido estas táticas de “punho de ferro”, embora o documento insista que “a estrutura repressiva do Estado não foi desmantelada”.
O governo “intensificou recentemente seus esforços para reduzir o espaço cívico e democrático”, observou a missão, advertindo que também o faz com táticas mais brandas, como ameaças, vigilância e assédio constantes, difamação e censura.
Este panorama, destaca a missão, é “especialmente alarmante” em um país que se encaminha para as eleições presidenciais de 2024, com pelo menos três candidatos da oposição já desqualificados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Os especialistas afirmaram que em 2020 identificaram as Forças de Ação Especial (Faes) do Corpo Bolivariano de Polícia Nacional (PNB) como “uma das estruturas mais envolvidas em execuções extrajudiciais, entre outras graves violações dos direitos humanos, cometidas no âmbito de operações de segurança para combater o crime”.
O relatório, o quarto apresentado ao Conselho de Direitos Humanos por esta missão criada em 2019, foi produzido a partir de 254 entrevistas e quatro diálogos nos quais participaram 299 pessoas por telefone, mensagens ou videochamadas, dada a impossibilidade da missão de visitar a Venezuela, devido à recusa das autoridades.
Nesse sentido, a missão lamentou a falta de cooperação do regime venezuelano e garantiu que “continuará trabalhando para promover a justiça para as vítimas e a responsabilização dos perpetradores”. (Com Agência EFE)
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