O Escritório da ONU para os Direitos Humanos destacou nesta terça-feira a "necessidade de proteger, respeitar e promover a liberdade de expressão e opinião", e condenou as sanções contra jornalistas, após a decisão de Cuba de retirar as credenciais de profissionais da Agência Efe em Havana.
No sábado, autoridades da ditadura cubana, sem aviso prévio, retiraram as credenciais de imprensa de jornalistas da equipe da agência de notícias, três redatores, um fotógrafo e um cinegrafista. A decisão foi tomada às vésperas dos protestos populares por mudanças políticas no país, que estavam marcados para a segunda-feira.
"Os Estados deveriam criar um ambiente em que o direito a buscar e receber informação esteja garantido, e em que as restrições ao trabalho dos jornalistas e da imprensa não sejam arbitrárias", afirmou a porta-voz do Escritório das Nações Unidas que é liderado pela chilena Michelle Bachelet, Marta Hurtado.
Sem fazer menção direta a Cuba, a representante pediu aos governos que "cumpram com as normas internacionais" e destacou que direitos como a liberdade de expressão e opinião "estão fortemente inscritos nas leis internacionais sobre direitos humanos".
O governo da Espanha, a União Europeia, os Estados Unidos, dezenas de entidades civis e de jornalistas exigiram nos últimos dias que as autoridades da ilha caribenha devolvam as credenciais que permitem o trabalho de jornalistas da Agência Efe.
Um dia após a revogação das credenciais dos jornalistas, duas profissionais, uma redatora e uma cinegrafista, tiveram o direito de atuar reestabelecido. A medida foi considerada "insuficiente" pela presidente da Efe, Gabriela Cañas.
Em agosto, o coordenador de Efe em Havana também havia sido descredenciado. Além disso, está pendente há vários meses o visto de imprensa do novo responsável pela delegação da agência na capital de Cuba.
Sem explicações
No sábado, os responsáveis pelo Centro de Imprensa Internacional convocaram com urgência a equipe da Efe em Havana - que é composta por três redatores, um fotógrafo e um cinegrafista -, para comunicá-los da retirada das credenciais, sem explicar se a medida é temporária ou definitiva.
As autoridades alertaram que a equipe da Efe não poderia mais realizar trabalho jornalístico a partir daquele momento, mas não explicaram os motivos que levaram à retirada do credenciamento dos profissionais.
A medida foi adotada em um momento delicado para Cuba, dois dias antes da passeata convocada pela oposição, que foi tornada ilegal pelo regime da ilha.
A presidente da Agência Efe, Gabriela Cañas, afirmou na segunda-feira que o que aconteceu em Cuba "é uma tentativa de silenciar a agência, o que não faz sentido, porque é uma agência pública que exerce o jornalismo mais rigoroso".
Essa é a primeira vez que Cuba retira as credenciais de jornalistas da Agência Efe, e não há informações de que tenha ocorrido decisão semelhante contra outra agência internacional de notícias que atue na ilha.
O embaixador da Espanha em Havana, Ángel Martín Peccis, está em contato desde o sábado com dirigentes cubanos, para negociar a restituição das credenciais de todos os profissionais da Efe, segundo confirmaram fontes oficiais.
O Ministério das Relações Exteriores da Espanha convocou no domingo o encarregado de negócios da embaixada de Cuba em Madri, para pedir explicações sobre o caso.
EUA cobram devolução de credenciais
Os Estados Unidos consideram que o governo de Cuba retirou as credenciais dos jornalistas da Agência Efe em Havana para controlar sua imagem internacional e evitar que ela fosse "afetada" pelos protestos de segunda-feira.
O posicionamento foi revelado por um membro do alto escalão da Casa Branca. "Não importa se você está protestando se não há ninguém lá para ver o que você está reivindicando, e eu acho que o regime depende disso. Ele controla sua imagem internacional com muito cuidado para que ela não seja afetada", afirmou o funcionário.
"Portanto, a revogação das credenciais de alguns jornalistas é uma forma de garantir que nada fique fora do controle das ações do governo", acrescentou ele, que falou sob condição de anonimato a jornalistas que cobrem a Casa Branca.
A fonte também considerou as restrições à Efe como "outro exemplo" das tentativas da ditadura de Miguel Díaz-Canel de "questionar" o direito à liberdade de expressão.
"Revogar as credenciais dos jornalistas da Efe poucas horas antes de um protesto pacífico é outro exemplo de como o regime questiona a liberdade de expressão, mas também mostra o que eles mais temem, que é que sua imagem seja afetada quando virem que os cubanos realmente querem mudar. Eles não querem deixar a ilha, eles querem mudar", declarou.
Os Estados Unidos já tinham reagido no fim de semana à notícia da retirada das credenciais dos jornalistas da Efe. No Twitter, o responsável pela área de América Latina no Departamento de Estado dos EUA, Brian A. Nichols, cobrou que o governo cubano restabelecesse "todas" as credenciais de imprensa à agência.
A decisão do governo cubano também provocou reações no Congresso dos Estados Unidos. Em entrevista à Efe na segunda-feira, o senador republicano Marco Rubio, da Flórida, disse que não ficou "surpreso" com a decisão do regime cubano.
"Essa ação antidemocrática deveria ser um alerta vermelho ao governo espanhol sobre como a ditadura de Díaz-Canel e Castro censura ativamente a livre expressão e a comunicação diante de protestos pacíficos dentro da ilha", afirmou.
Por sua vez, a ditadura cubana considerou que a manifestação pacífica convocada para esta segunda-feira foi uma "operação fracassada". Até o fim da tarde de segunda-feira, nenhum grupo de manifestantes havia sido visto nas ruas de Havana, e nenhum vídeo de grandes protestos em outras cidades do país foi publicado em redes sociais, apesar de muitos cubanos descontentes terem declarado a intenção de ir às ruas em massa.
Repercussão
Diversas entidades condenaram a decisão da ditadura cubana de impedir o trabalho de jornalistas da Agência EFE.
A União Europeia (UE) exigiu no domingo que Cuba restitua "todas as autorizações e credenciais necessárias para os profissionais da agência. O Alto Representante da UE para Política Exterior, Josep Borrell, disse em comunicado que a decisão é "um passo a mais para frear o fluxo de notícias abertas e confiáveis desde a ilha". Ele afirmou que o bloco "faz um apelo para as autoridades cubanas, para garantir a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa".
A ação do regime de Cuba "é consistente com as práticas e políticas de uma ditadura", afirmou no domingo o diretor para Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco. "Buscam garantir que o mundo não tenha registros e não possa registrar a realidade, porque, nas ditaduras, a realidade somente é a oficial", disse o dirigente da organização à Efe.
"Eles determinam a doutrina, e qualquer divergência é algo que reprimem e censura", completou Vivanco. Para ele, a decisão "não deve nos surpreender", porque é uma medida que "busca, por via da censura, também impedir que o restante do mundo se inteire do que aconteça em Cuba, e é algo repudiado pela comunidade internacional e sociedade civil".
O relator especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca, também condenou o descredenciamento dos jornalistas, descrevendo a decisão como "caprichosa e arbitrária", com "efeitos gravíssimos".
"A arbitrariedade neste tipo de decisões é algo condenável, e nós convidamos às autoridades a reconsiderá-las", indicou Vaca. "É uma péssima mensagem para a comunidade internacional, que aconteça esse tipo de episódios. É uma mensagem de atraso, que coloca dúvidas sobre as garantias da cobertura jornalística em Cuba", afirmou Vaca.
Para o representante da CIDH, a retirada de credenciais acontece em meio a "um fenômeno de censura multidimensional" na ilha caribenha. "Acontece em um contexto em que são reportadas limitações, restrições e obstruções ao normal funcionamento da internet, e também para jornalistas cubanos há ocorrência de vigilância policial em suas casas", afirmou Vaca.
"Acho que há um efeito intimidador para o restante das agências de notícias e para o restante dos correspondentes estrangeiros", apontou o relator.
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