Na última semana, a América Latina presenciou mais uma rusga diplomática entre Venezuela e Colômbia. Desta vez, a tensão começou após a acusação de Bogotá de que oficiais venezuelanos teriam repassado armamento militar para os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). As armas, de origem sueca, teriam sido vendidas a Caracas nos anos 1980. A Venezuela nega a acusação, mas o governo sueco já sinaliza que pode banir a venda de armamentos para o país caribenho.
Para os defensores do Tratado de Controle de Comércio de Armas (ATT, na sigla em inglês), atualmente em discussão na ONU, esse é um caso típico em que um acordo por maior controle sobre o comércio de armas poderia revelar quem está falando a verdade. O ATT é uma tentativa, apoiada principalmente por organizações não governamentais (ONGs), para controlar a exportação de armas e munições e prevenir que elas caiam nas mãos de terroristas, narcotraficantes ou países violadores dos direitos humanos. Hoje, esse é um mercado bastante desregulamentado.
Embora bem-intencionado, o ATT é alvo de muita controvérsia. Seus críticos afirmam que será mais uma medida inócua que gastará tempo e dinheiro das Nações Unidas. Isso porque, qualquer que seja a posição tomada por um eventual corpo decisório do ATT, muito provavelmente o Conselho de Segurança (CS) sempre terá a palavra final no momento de impor ou não um embargo contra um país que tenha infringido as regras do comércio de armas. E, como se sabe, um dos integrantes do CS, com poder de veto, é a China, país que repetidamente viola os direitos humanos e teria então de ser um dos alvos prioritários do ATT. Mas como imaginar que a China votaria contra seu próprio interesse?
Para Denis Mizne, diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, entidade que apoia a criação do ATT, a ideia do tratado é primeiramente organizar um mercado completamente desregulamentado. "Com o tratado, poderíamos controlar todas as fases de uma exportação de armas. Isso quer dizer que não vai haver violação do tratado? Não. Mas quer dizer que vamos levar o comércio de armas para outro patamar de controle. Hoje é mais fácil fazer exportações fraudulentas, porque não há regras", diz ele.
Para que o ATT torne-se eficaz, o primeiro passo é conseguir a assinatura de um grupo significante de países. Um dos questionamentos dos países é que o ATT não viole o direito de um Estado possuir armas para defesa própria. Pesquisa feita pela ONG Small Arms Survey, baseada em Genebra, mostra que 52 países demonstraram essa preocupação sobre o tratado. O problema é que o reconhecimento do direito a se armar pode se transformar num tiro pela culatra para os defensores do ATT. David B. Kopel, Paul Gallant e Joanne D. Eisten, autores do estudo sobre o tratado, explicam como isso poderia acontecer.
"Considere, por exemplo, o Zimbábue. A China impediu a imposição de um embargo das Nações Unidas sobre o Zimbábue, mas a União Europeia impôs o seu próprio embargo. Sob um ATT, o Zimbábue poderia argumentar que: 1) O governo do Zimbábue possui um direito internacionalmente reconhecido a armas. 2) O corpo deliberativo do ATT se recusou (graças à China) a impor um embargo de armas contra o Zimbábue. 3) Portanto, um embargo da União Europeia, ou de qualquer outro país, é uma violação do direito do Zimbábue sob a lei internacional, e portanto não tem validade legal."