A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah, na sigla em francês) não deve ser encerrada no curto prazo, de acordo com a resolução do Conselho de Segurança que, na última terça-feira, prorrogou o mandato da missão por mais seis meses. O texto demonstra reconhecimento do órgão aos avanços realizados pelas tropas lideradas pelo Brasil, mas também sinaliza uma mudança de foco em relação aos objetivos iniciais da intervenção, o que deve levar a novas prorrogações.
Desde o início da missão, em 2004, a violência urbana foi controlada e os primeiros passos para o retorno à normalidade política foram dados. A partir de agora, segundo a ONU, a missão vai começar a atuar em causas tão complexas quanto lentas, tais como: encorajar o diálogo democrático entre os atores políticos haitianos; estimular a participação das mulheres na política; fortalecer a segurança do país com crescimento econômico e social; e implementar programas de emprego altamente efetivos.
Com a inclusão destas novas tarefas, tornou-se impossível estimar uma data para a retirada definitiva das tropas. Na prática, as diretrizes da ONU estão ordenando um combate contra graves indicadores sociais, como os 50% de analfabetismo, a renda per capita de US$ 410 ao ano e a 146.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a pior colocação entre os países americanos. O texto inicial, de 2004, já citava compromissos no longo prazo, mas a ênfase era, sobretudo, a questão imediata da violência.
A Minustah foi estabelecida em 2004 com mandato inicial de seis meses. Quase 7 mil soldados foram enviados para estabilizar o país após a queda do então presidente Jean-Bertrand Aristide.
Em nota divulgada à imprensa, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ressalta: "A questão básica hoje é que [a missão] não pode sair efetivamente. Não precisamos apenas manter, mas também construir a paz, e a paz só se dá pelo desenvolvimento econômico".
Ameaça
Antes mesmo da questão econômica, o principal receio das Nações Unidas é a volta das gangues armadas. Seus integrantes, em sua maioria, não foram presos; apenas desmobilizados. É um problema semelhante ao encontrado pelos Estados Unidos no Afeganistão. Apesar da ocupação total do território, as forças interventoras não são capazes de neutralizar pequenos grupos insurgentes, que podem se reorganizar assim que os militares saírem do Haiti.
Mesmo com a nova agenda socioeconômica, a operação ainda se configura como amplamente militar. Dos pouco mais de 9 mil integrantes da missão, 7 mil são "capacetes azuis" soldados encarregados exclusivamente da segurança do país. Nesta última prorrogação, a diminuição do contingente foi relativamente pequena, passando de 7 mil para 6.940 soldados.
Leonardo Arquimimo de Carvalho, especialista em Segurança e Defesa, acredita ser grande a possibilidade de a intervenção humanitária no Haiti se estender por muito tempo sem perspectiva de conclusão. "É um cenário possível em qualquer missão humanitária. Mas, caso haja um agravamento na situação, eu imagino que o governo brasileiro não será ingênuo. Se a missão se tornar delicada, o Brasil vai começar a retirar suas tropas e deixar no país apenas técnicos civis", prevê.
Sobre o papel da Minustah, Arquimimo reconhece uma mudança na atuação, que ele credita a uma adequação à realidade do país. "Não dá para planejar uma ação bélica sem conhecer o ambiente. Antes do início da missão, o conjunto de informações era bastante distorcido. Além disso, o Haiti também está tendo dificuldade para se organizar política e socialmente. Até tempestades e furacões atrapalharam, e os militares foram obrigados a intervir inclusive nesse caso", relembra.