Presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, fala ao lado do segundo vice-presidente da Assembleia Nacional, Stalin Gonzalez, e do assento vazio do primeiro vice-presidente, Edgar Zambrano, que está preso| Foto: Yuri CORTEZ/AFP

A oposição da Venezuela apoiada pelos EUA passa por um escrutínio após uma controversa reportagem publicada em 15 de junho no Panam Post revelar um imenso escândalo de corrupção envolvendo Rossana Barrera e Kevin Rojas — dois emissários especiais de Juan Guaidó na Colômbia e ativistas do Voluntad Popular, um dos principais partidos políticos da oposição venezuelana —, que supostamente desviaram dinheiro, se apropriaram de fundos indevidamente, cometeram fraude e ameaças, tudo feito com o gerenciamento de dinheiro destinado à ajuda humanitária e ao alojamento de desertores militares venezuelanos em Cúcuta, Colômbia. Os documentos revelados não só mostraram a planejada apropriação desses fundos pelos emissários, mas também como aqueles grupos de militares se cercaram de luxos, prostitutas, álcool e violência, tudo pago com dinheiro que, apesar de ter sido arrecadado por contribuintes privados, já nas mãos da administração paralela de Guaidó seria público.

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A matéria gerou muitas reações, e dentro das primeiras esteve a do Secretário Geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro. “Solicitamos à jurisdição competente que investigue e clarifique as acusações graves aqui formuladas, determine as responsabilidades e exija responsabilização“, declarou Almagro pelo Twitter. “Não há democratização possível sob a opacidade dos atos de corrupção“, concluiu.

A denúncia levou Guaidó a pedir à Procuradoria Geral da República da Colômbia uma investigação para apurar a culpabilidade no desvio de dinheiro. O embaixador interino Humberto Calderón Berti respondeu obedecendo a ordem, mas afirmou que essa investigação já estava iniciada havia dois meses. Em teoria, fiscais do grupo opositor suspeitavam que essas apropriações indevidas dos fundos humanitários estavam acontecendo, só ainda não haviam chegado a uma conclusão de como e quem os estava desviando. Como esperado, Nicolás Maduro e os setores chavistas da Venezuela aproveitaram a oportunidade para culpar Guaidó pelo alegado desvio de fundos.

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Após essa polêmica gerar uma enorme atenção tanto nacional quanto internacional, Guaidó decidiu fazer uma coletiva de imprensa, na qual afirmou que os acusados haviam sido afastados dos seus cargos enquanto continuava a investigação, e que se tratava de um desvio de aproximadamente US$ 90 mil. O partido Voluntad Popular, constrangido pelo caso, defendia uma investigação mais profunda dos fatos, mas afirmava que os fundos roubados não haviam sido fundos públicos, mas fundos de doações de privados. "Eles trataram de atenuar o assunto, de fazê-lo menos grave argumentando isso, o que é falso", disse Orlando Avendaño, editor-chefe do Panam Post e autor da reportagem que revelou o caso. "No momento em que uma doação privada é feita para um Estado, como é o governo de Juan Guaidó, automaticamente se tornam fundos públicos", afirmou. Tudo isso não só criou uma enorme crise dentro da oposição venezuelana, mas também externamente.

Para Avendaño, esse caso de corrupção acabou gerando um debate muito forte na Venezuela, no qual os limites da liberdade de expressão e o ativismo foram o centro das discussões. "Gente da oposição e intelectuais de alto nível me acusaram de fazer parte de uma campanha ‘anti-Guaidó’, de publicar uma matéria para responder a certos interesses", comentou Avendaño. "Por exemplo, o embaixador da Venezuela nos Estados Unidos chegou a afirmar que essa era uma campanha baseada em mentiras. Mas por outro lado, a resposta de muitos foi enormemente favorável, o apoio das pessoas que procuravam saber a verdade foi massivo".

Avendaño esperava que essa fosse uma oportunidade valiosa para que o governo de Juan Guaidó pudesse demonstrar quão severo é com aqueles que tentam desviar da causa que a enorme maioria de venezuelanos procuram: a redemocratização da Venezuela.

Quando questionei Avendaño sobre o papel que Guaidó está desempenhando neste processo de redemocratização, ele me afirmou que, para a oposição venezuelana, Guaidó representa hoje uma oportunidade. É uma espécie de plataforma institucional, política, e a única solução para fazer a comunidade internacional juntar forças para respaldar um eventual derrocamento de Nicolás Maduro. A oportunidade, segundo Avendaño, surgiu em 23 de janeiro deste ano, quando baseado na constituição do seu país, Guaidó, com o apoio de uma gigantesca multidão, se declarou o presidente legítimo da Venezuela. Nesse momento, ele deixou de ser um indivíduo e passou a se tornar algo muito maior.

Mas Avendaño acredita que essa oportunidade que Guaidó representa está se perdendo, algo que pode frustrar a oposição, deixando-a sem uma solução concreta, sem uma forma de conseguir um respaldo internacional do processo como o qual tem sido conseguido até agora. A causa, diz Avendaño, são os terríveis erros cometidos nos últimos meses. “O 23 de fevereiro foi o primeiro grande erro, um momento pelo qual um mal cálculo estratégico acabaram incendiados caminhões com ajuda humanitária na fronteira, e aquilo se tornou um campo de batalha“, explica o jornalista. "Os que dirigiam o processo venderam para toda a comunidade internacional que apoiou a entrada da ajuda humanitária na Venezuela a certeza de que nesse dia os caminhões iriam passar e entrar ao país, mas isso não aconteceu".

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O segundo grande erro, para Avendaño, foi a falida tentativa de golpe em 30 de abril, que muito além de ter sido um movimento que simplesmente não prosperou, foi uma enorme decepção para grande parte da oposição, pois todos descobriram que por trás disso tinha acontecido um pacto "inaceitável" com membros do regime de maduro que haviam acordado inclusive manter seus cargos em um eventual processo de transição, esse acordo, para muitos, destruiu parcialmente a confiança da cidadania e dos atores internacionais nos líderes do processo, pois o governo de Guaidó estava dispostos a acordar algo pelas costas dos seus aliados.

"Tem algo que é muito valioso e que deve ser cuidado com muita severidade: a relação com os aliados", me disse Avendaño. "Guaidó pode ter 99% de apoio nas ruas, mas se os aliados perderem a confiança nele, ele não tem mais a capacidade de executar absolutamente nada".