Mianmar permanece em um limbo pós-pleito nesta terça-feira (10) com a demora na divulgação dos resultados da eleição do último domingo. O atraso gera preocupação entre as lideranças do partido oposicionista de Aung San Suu Kyi, a Liga Nacional pela Democracia (NLD), cujo porta-voz Win Tien afirmou à imprensa que a comissão eleitoral “atrasa intencionalmente [a divulgação dos resultados] porque talvez queiram ‘dar um truque’“.
“Não faz sentido que divulguem o resultado pouco a pouco. Não deveria ser assim”, disse Win a repórteres em um encontro na casa de Suu Kyi. “Estão tentando ser desonestos”.
Em entrevista à BBC, Suu Kyi afirmou que a NLD espera ter vencido 75% das cadeiras do parlamento, de um total de 664. A Comissão Unida de Eleição anunciou os resultados para apenas 88 assentos, nos quais 78 seriam do partido oposicionista e cinco para o partido dominante. O governo birmanês não deu explicações para a demora.
Militares
A acusação surge após expectativas de que o partido de situação, que controla o governo, aceitaria os resultados do pleito de domingo. A junta militar, que convocou eleições pela primeira vez desde 1990, depois de 28 anos no poder, não reconheceu, à época, o resultado favorável à NLD. Suu Kyi passou anos em prisão domiciliar nesse período.
Com as intensas pressões internacionais após se tornar um país pária no sudeste asiático, a junta finalmente cedeu o poder em uma transição coreografada para a democracia e foi substituída, em 2011, pelo Partido para o Desenvolvimento e União Solidária, composto em grande medida por antigos membros da junta.
O governo, que continua no poder dos militares, é liderado pelo presidente Thein Sein, antigo general que recebeu elogios por iniciar reformas políticas e econômicas para encerrar o isolamento de Mianmar e levantar sua claudicante economia.
Na entrevista à BBC, Suu Kyi foi questionada sobre a possibilidade de que o resultado das eleições ocasione a mesma reação que em 1990. “Eles vêm dizendo repetidamente que vão respeitar a vontade do povo e implementar o que for decidido na eleição”, afirmou. A líder oposicionista também afirmou que o povo é muito mais ciente das questões do país do que há 25 anos.
“Os tempos são outros, as pessoas são outras, muito mais alertas ao que acontece ao seu redor. E, claro, há uma revolução de comunicação, o que fez uma grande diferença. Todos podem ir à internet e informar aos outros o que está acontecendo, e é tão mais difícil para aqueles que querem se envolver em irregularidades ou não pagar por isso”, afirmou.
Observadores também acreditam que os militarem têm pouco a ganhar com uma nova interferência, porque, mesmo por meio das reformas pela democracia, o lugar deles já está garantido constitucionalmente.
Por exemplo, não importa quem forme governo, os militares mantêm controle dos ministérios da defesa, interior e segurança de fronteiras. Controla também setores da economia, além de poder bloquear emendas constitucionais, já que 25% dos assentos no Parlamento são reservados a eles e qualquer emenda requer mais de 75% para aprovação.
Se o NLD garantir uma maioria de dois terços no Parlamento, o que é possível, ganharia controle sobre os postos executivos no complicado sistema parlamentar-presidencialista de Mianmar.
Os militares e os maiores partidos nas Câmaras Alta e Baixa vão indicar um candidato à presidente. Depois de 31 de janeiro, os 664 parlamentares participam de uma votação para eleger o mandatário. Os segundo e terceiro lugares na votação tomam posse como vice-presidentes. Uma grande maioria no Parlamento permite que o NLD conquiste a presidência e uma das vagas de vice.
Com a presidência e a maioria no Parlamento, o NLD consegue determinar os rumos do país na legislação, política econômica e relações exteriores. Porém, uma provisão constitucional impede que uma pessoa com marido ou filhos estrangeiros seja elegível ao cargo de presidente e vice, o que significa que Suu Kyi, de 70 anos, não pode concorrer a estes cargos.
Suu Kyi já afirmou, porém, que vai agir como a líder do país se o NLD conquistar a presidência, afirmando que “estará acima do presidente”.
Reformas
Monitores internacionais elogiaram o pleito do domingo, mas apontaram que mais reformas devem ser feitas até que se alcance uma democracia plena.
“Mianmar certamente está em uma trajetória positiva rumo a uma transição democrática”, afirmou Mary Robinson, do Centro Carter para o monitoramento de eleições, dirigido pelo neto do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter.
Mostrando a reverência que muitos birmaneses têm por Suu Kyi, uma senhora na faixa dos 70 anos foi à sua casa nesta terça-feira para presenteá-la com um broche de ouro e rubi, no formato do mapa do país.
Htay Htay Aye disse aos repórteres que manteve “este broche por mais de 40 anos, mas é hora de Suu Kyi usá-lo. É um presente por sua vitória”. Suu Kyi estava em uma reunião e não conseguiu conhecê-la. “Mas deixei o presente. Não é porque somos amigas, mas porque a respeito”, disse.