Washington Uma pesquisa conduzida em 16 países pelo Pew Center e divulgada na semana passada confirmou uma vez mais o baixo prestígio dos Estados Unidos no mundo. A sondagem mostrou que a imagem norte-americana continua a deteriorar-se não apenas no mundo islâmico, como também entre os povos dos aliados tradicionais do país na Europa.
Nesse cenário, o presidente George W. Bush e governos aliados declararam esperar que a morte do líder da Al Qaeda no Iraque, Abu Musab al-Zarqawi, num ataque aéreo americano no dia 7, não só abra um período mais promissor na luta contra o terrorismo, como também facilite o trabalho de restauração do prestígio internacional dos EUA.
Mas Julia Sweig, do Conselho de Relações Exteriores, um grupo apartidário de estudos e análises com sede em Washington, é taxativa: a morte de Zarqawi não basta para isso.
"Trata-se de um evento sem dúvida positivo para a administração, tanto no aspecto militar como no político e diplomático", disse Julia em entrevista à Agência Estado. "Mas a morte de Zarqawi não levará ao fim da insurgência e certamente não reduzirá a antipatia global que os Estados Unidos enfrentam", acrescentou.
Julia examinou o assunto e publicou suas conclusões, há poucas semanas, num livro provocador intitulado Friendly Fire: Losing Friends and Making Enemies in the Anti-American Century ("Fogo amigo: perdendo amigos e fazendo inimigos no século antiamericano").
Especialista em América Latina, Julia, de 42 anos, foi atraída para o tema por uma constatação histórica: o antiamericanismo, que é hoje um fenômeno global, nasceu nesta região, em resposta a ações intervencionistas unilaterais norte-americanas que, em essência, não são diferentes das que o atual governo levou a outras partes do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Agência Estado Ainda não terminamos 2006 e você já escreve sobre o século 21 como o século antiamericano. Não seria um pouco cedo para isso?Julia Sweig No século 20, o antiamericanismo foi um fenômeno quase marginal. Vinha mais da esquerda, era algo cultural e jamais atingiu as proporções da resposta visceral aos Estados Unidos que se vê hoje ao redor do mundo, que eu chamo de anti-América. Hoje, os Estados Unidos perderam o benefício da dúvida. A questão que eu queria responder quando concebi o livro era esta: como podem um presidente e uma guerra ter galvanizado tão completamente a opinião internacional contra os EUA em tão pouco tempo? À primeira vista, o unilateralismo da diplomacia da atual administração, a mistura da guerra contra o terrorismo com a guerra no Iraque e Abu Ghraib, pareceriam bastar para explicar a repulsa mundial em relação à América. Mas, se você vai só até aí, deixa de captar e analisar o ressentimento subjacente que já existia em relação aos Estados Unidos. O que essa administração e o presidente Bush fizeram foi retirar o band-aid que encobria os ressentimentos e agravar a ferida.
Como o antiamericanismo de hoje é diferente daquele que existiu no passado?Hoje os Estados Unidos alienam seus amigos. E isso é muito complicado, tanto para nós como para a comunidade internacional, pois não existe uma única questão global que os EUA possam enfrentar por conta própria sem a participação de outros.
Um dos argumentos de seu livro é o significado da vitória na Guerra Fria.A classe política americana concluiu, no final do duelo da Guerra Fria, que nossa vitória significava que nosso modelo era superior e o mundo aderiria a ele. Nossa estratégia passou a ser a de nos projetar no exterior através dos paradigmas da democratização e da globalização, que, supostamente, levariam ao fim dos conflitos. Enquanto víamos o mundo dessa forma (focados na Europa), a periferia começou a explodir em câmera lenta. O Departamento do Tesouro passou a ser mais importante do que o Departamento de Estado nas relações do país com o mundo. No caso da América Latina, a política de Washington passou a ser a liberalização econômica e comercial e o combate ao narcotráfico. Estávamos tão convictos de nossa receita que deixamos de prestar atenção ao que de fato acontecia nos países e perdemos contato com suas realidades políticas domésticas.
Uma tese do livro, curiosamente, é que nada disso é muito novo especialmente na América Latina.A América Latina foi o laboratório ou o microcosmo para a manifestação do poder global dos Estados Unidos que o mundo está agora experimentando. Não é por acaso que o antiamericanismo, como fenômeno, nasceu na América Latina. Nossos debates no Conselho de Relações Exteriores sobre guerra do Iraque, antes da invasão (2003), tinham para mim o cheiro e o jeito dos debates em Washington sobre a intervenção americana na América Central, no início dos anos 80.