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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio de Miraflores, em Caracas, 16 de setembro de 2019
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio de Miraflores, em Caracas, 16 de setembro de 2019| Foto: Palácio de Miraflores / AFP

A Noruega garante que ainda há espaço para o diálogo na crise política da Venezuela, mas Nicolás Maduro deu vários sinais de que não deseja uma solução negociada em que terá que ceder à oposição representada por Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional - pelo menos, não nas atuais condições, relativamente confortáveis para ele.

Há cerca de 40 dias os chavistas abandonaram as conversas intermediadas por Oslo e nesta semana Guaidó confirmou que o regime usou de todas as desculpas possíveis para não aceitar os pré-acordos que levariam a um processo de transição pacífica de governo na Venezuela. “O diálogo está esgotado”, disse o presidente do legislativo neste domingo (15).

Isso pegou mal para Maduro, que em todas as entrevistas que concede à imprensa estrangeira diz que já fez mais de 600 propostas e chamados ao diálogo desde que assumiu a presidência da Venezuela, em 2013. Mas usando uma cartada já bem conhecida por seus rivais, o ditador está buscando reverter a situação e melhorar sua imagem internamente ao anunciar um acordo com uma oposição “fake”, sem qualquer meios para pressionar o regime - ao contrário de Guaidó, que conta com apoio interno e reconhecimento internacional de mais de 60 países, inclusive Brasil e Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o ministro da Comunicação do regime, Jorge Rodríguez, anunciou que firmou um acordo com quatro partidos políticos de oposição que estabeleceram uma mesa de diálogo alternativa, sem a participação do partido de Guaidó, o Voluntad Popular, e seus principais aliados: Ação Democrática, Primero Justicia e Un Nuevo Tiempo, que formam o núcleo duro da oposição na AN - os quatro elegeram, no último pleito legislativo nacional, 85 deputados dos 167, ou seja, representam pouco mais de 50% dos parlamentares.

A chamada "mesa nacional de diálogo" chegou a entendimentos em dez pontos, incluindo a reincorporação de deputados do Partido Socialista Unido de Venezuela (Psuv), de Nicolás Maduro, e seus aliados na Assembleia Nacional. O vice-presidente do Psuv e número dois do chavismo, Diosdado Cabello, disse que 54 deputados chavistas voltarão para a AN com o objetivo de preparar as futuras eleições do Poder Legislativo, marcadas para dezembro do ano que vem - se não forem adiantadas, como quer Cabello. Além disso, o deputado Timoteo Zambrano indicou que foi alcançada a suposta nomeação de um novo Conselho Nacional Eleitoral, a liberdade de presos políticos e a troca de petróleo por alimentos.

Este acordo foi assinado pelos partidos de oposição minoritários Cambiemos, Avanzada Progresista, Movimiento al Socialismo e Movimento Soluciones. Eles faziam parte da Mesa da Unidade Democrática, a chapa única que representou a oposição nas eleições legislativas de 2015, mas em 2018, nas vésperas da eleição presidencial, se separaram dos demais para criar a coalizão “Concertación por el Cambio” e disputar a corrida contra Maduro, com Henri Falcón como candidato, dando legitimidade às eleições fraudulentas do regime. Na Assembleia Nacional, esta coalizão representa apenas oito deputados.

Estiveram presentes no ato quatro políticos da oposição “branda”. Apenas um deles é deputado: Timoteo Zambrano, líder do Cambiemos. Em negociações anteriores com Maduro, Zambrano conseguiu a libertação de alguns presos políticos. O site Infobae lembrou, porém, que um deles, Rosmit Mantilla, acusou Zambrano de pressioná-lo a não revelar a tortura que sofreu no Sebin, o serviço de inteligência bolivariano.

Também assinaram o acordo com Maduro Luis Augusto Romero, secretário nacional do Avanzada Progresista, partido liderado por Henri Falcón; Claudio Fermin, líder do Movimiento Soluciones, que candidatou-se a presidente três vezes, sem sucesso; e Felipe Mujica, secretário geral do Movimento al Socialismo (MAS), partido que apoiou Hugo Chávez em 1998 e passou para a oposição anos depois.

O acordo assinado é tão sem valor que mesmo os membros destes partidos questionam sua validade. O mais reconhecido dos dois deputados do Avanzada Progresista na atual legislatura, Julio César Reyes, rejeitou o pacto. "Como deputados da Assembleia Nacional, rejeitamos essa ação desesperada que busca minar nossa unidade e dar legitimidade a quem não a possui”, declarou Reyes.

Outro exemplo que depõe contra o pretenso acordo: os embaixadores da União Europeia na Venezuela se retiraram do evento de assinatura assim que perceberam do que se tratava, segundo informou a imprensa venezuelana. Eles foram convidados a uma reunião, mas não sabiam exatamente o que estava acontecendo até chegarem ao local.

Posteriormente, a União Europeia divulgou uma declaração apoiando Juan Guaidó como o único interlocutor legítimo e alertando o regime de que, se não negociarem seriamente, Bruxelas adotará novas sanções, uma reação que demonstra o apoio internacional a Guaidó.

Mas em um país em que a comunicação é amplamente subjugada ao governo, especialmente a televisão, o ditador posa como um presidente compreensivo, aberto ao diálogo. "Quero celebrar com todo o país a assinatura deste acordo, é um passo acertado e necessário que abre todas as portas para o diálogo pela paz", afirmou Maduro em evento transmitido pela televisão estatal nesta segunda-feira, segundo o jornal El Universal.

Ele também ganha ao mostrar a imagem de uma oposição dividida em relação aos objetivos em uma negociação. Certamente há discrepâncias sobre determinados assuntos, com alguns grupos opositores defendendo uma intervenção militar estrangeira, enquanto outros acreditam que uma saída negociada é a única solução para a crise política. Todos convergem, porém, quanto à exigência do afastamento de Nicolás Maduro da presidência e à liderança de Juan Guaidó.

Maduro está aproveitando o aval que lhe foi dado por meia dúzia de políticos que se dizem da oposição para explorar essas divisões, confundindo a população. Ao mesmo tempo, ele reforça sua liderança entre os chavistas. Desde a tentativa fracassada de levante cívico-militar da oposição, em 30 de abril, a coalizão governamental tem permanecido coesa, à exceção de algumas vozes dissidentes. Segundo o diretor do Centro de Estudos Políticos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Andrés Bello (Venezuela), Benigno Alarcón, manter o status quo é a melhor alternativa para Maduro neste momento, melhor até do que uma negociação.

Isso se explica pelo fato de os venezuelanos estarem perdendo a esperança em Guaidó e, portanto, o poder de mobilização popular do líder da oposição vem lentamente diminuindo. Já a narrativa do regime de transformar a crise política em uma batalha de Davi contra Golias - na qual a luta não é contra Guaidó, mas contra as potências inimigas estrangeiras - lhe garante maior coesão interna, segundo análise de Alarcón, incluindo a subordinação das forças armadas, o controle do território e de todas as instituições, com exceção do Legislativo.

Guaidó e a oposição “de verdade”, por sua vez, estão dependentes das soluções que seus aliados internacionais podem e estão dispostos a apresentar no curto prazo, o que, segundo o diretor, evidencia a falta de uma alternativa viável além de um acordo, colocando a oposição de relativa fraqueza. As discussões sobre o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), são um exemplo disso: Guaidó dependerá dos Estados Unidos, da Colômbia, do Brasil e outros países americanos para pressionar Maduro com mais cortes econômicos e, em últimos casos, uma intervenção militar.

“A relação assimétrica de poder entre ambas as partes [oposição e regime] não permite uma margem racional de otimismo quanto à possibilidade de se chegar a uma solução negociada”, avalia Alarcón. Para ele, a oposição precisa apresentar uma alternativa ao acordo que gere uma incerteza muito alta para o regime sobre sua viabilidade futura, “o que serviria como um ponto de alavancagem para alcançar uma solução negociada”.

“Enquanto isso não for alcançado, a negociação [de Guaidó com Maduro] é, e continuará sendo, um jogo bloqueado”.

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