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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, não gosta de correr riscos quando concorre à reeleição, mas este ano ele caprichou. Com o órgão eleitoral russo barrando vários candidatos, incluindo os postulantes antiguerra na Ucrânia Boris Nadezhdin e Yekaterina Duntsova, ele terá apenas três adversários na disputa do mês que vem, quando tentará permanecer no Kremlin até 2030.
O número de candidatos deste ano, contando Putin, é o menor desde a eleição de 2008 (um marionete, Dmitry Medvedev, foi eleito naquele ano, e Putin seguiu dando as cartas como primeiro-ministro) e o atual mandatário, no poder como presidente ou premiê desde 1999, não terá nenhum opositor de verdade, como Alexei Navalny, a enfrentar em março.
Para começar, Leonid Slutsky, do Partido Liberal Democrático da Rússia, Vladislav Davankov, do partido Novo Povo, e Nikolai Kharitonov, do Partido Comunista, todos deputados nacionais, sofreram sanções do Ocidente por apoiarem a anexação da península ucraniana da Crimeia, em 2014, ou a invasão em grande escala da Ucrânia em 2022.
Nessa oposição fake, o mais descarado é Slutsky, deputado nacional que já foi acusado de assédio sexual e recebimento de propina e que sequer disfarça que sua candidatura é de fachada.
Em dezembro, logo após anunciar que participaria da disputa, ele declarou à imprensa russa: “Não tirarei votos do presidente da Rússia”.
Slutsky previu que Putin ganharia “com um grande resultado”. “Não vou pedir votos contra Putin. Um voto em Slutsky e no meu partido não é absolutamente um voto contra Putin”, afirmou.
Kharitonov, por sua vez, já enfrentou Putin na eleição presidencial de 2004 (ficou em segundo lugar), porém, o atual Partido Comunista russo é oposição a Putin apenas no papel – na prática, apoia sua legenda, o Rússia Unida. “Não posso dizer que sou melhor que Putin”, declarou Kharitonov em dezembro.
Davankov, em tese, é o que tenta mais se desvencilhar de Putin. Ele até admite conversas de paz com a Ucrânia, desde que sejam “nos nossos próprios termos [dos russos]”, e apoiou Nadezhdin para que sua candidatura fosse mantida.
Entretanto, em artigo publicado este mês pelo The New York Times, o jornalista russo Mikhail Zygar alertou que ninguém deve se enganar.
“Em teoria, Davankov não deve representar uma ameaça real. Ele é associado de Yuri Kovalchuk, o amigo mais próximo de Putin, e um ‘marionete’ experiente. Ele se apresentou como candidato a prefeito de Moscou há cinco meses, quase sem fazer campanha e obtendo apenas 5% dos votos”, lembrou Zygar.
Porém, destacou o jornalista, os aliados de Putin, que promoveram mudanças na Constituição para permitir que ele disputasse as eleições deste ano e de 2030, já se articulam para alterar novamente a Carta Magna e livrá-lo de uma corrida eleitoral de fachada daqui a seis anos.
Ou seja, em 2030 não seria necessário sequer o simulacro constrangedor de democracia que costuma ser a eleição presidencial russa. “A propaganda russa há muito tenta mostrar que as democracias ocidentais são destrutivas e caóticas. Talvez, deve pensar o Kremlin, tenha chegado o momento de abandonar esse modelo completamente”, afirmou Zygar.
Em agosto do ano passado, o porta-voz da Presidência da Rússia, Dmitry Peskov, já havia sinalizado essa intenção, ao declarar que “teoricamente” a eleição presidencial de 2024 poderia nem ser realizada, já que Putin de qualquer forma será o vencedor.
“Nossa eleição presidencial não é realmente uma democracia, é uma burocracia cara [...]. O senhor Putin será reeleito com mais de 90% dos votos”, afirmou o porta-voz.